Muitas são as histórias importantes que devem ser ficcionalizadas. Nem todas elas, no entanto, rendem bons filmes. Às vezes por uma abordagem reducionista, um tom melodramático ou um roteiro maniqueísta, o relato mais importante torna-se uma obra pobre e manipulativa; Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures, 2016) reúne os três. Contando o caso de três matemáticas negras (Katherine G. Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughan (Octavia Spencer – indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante) e Mary Jackson (Janelle Monáe)) vitais para o lançamento do primeiro homem ao espaço pela NASA, o filme é categórico ao fundamentar acima de qualquer discussão científica, as questões de cor e gênero. Infelizmente, o recheio para que tudo isso funcione se mostra muito aquém do conteúdo em si.
Assim, por mais que o trio se esforce em entregar personagens empoderadas e combativas, sua postura acaba se tornando irreal frente a um universo de coadjuvantes estereotipadas. Al Harrison (Kevin Costner), chefe da equipe da NASA, incorpora o “bom moço branco”, disposto sempre a quebrar os protocolos, como o faz de forma eloquente na cena em que derruba a placa de banheiro para negras. Já o cientista Paul Stafford (Jim Parsons) e a secretária Vivian Mitchell (Kirsten Dust) tentarão sempre diminuí-las, mesmo quando o roteiro dava a parecer que Katherine ou Dorothy, por exemplo, já haviam conquistado a simpatia dos dois.
De maneira geral, a função dos brancos é a de criar barreiras a serem contornadas pelas negras, o que acaba gerando um desdobramento problemático e artificial: as únicas pessoas na NASA inteira capazes de resolver os contratempos serem elas. Dorothy, por exemplo, começa, em determinado momento, a entrar escondido na sala em que os computadores IBM para cálculos estão, sendo apenas descoberta quando ela já sabe manipulá-los perfeitamente. Da mesma forma, por mais que seus companheiros não queiram que Katherine tome do mesmo bule de café, nunca há impedimento de que ela escreva na lousa. Assim, o roteiro simplista (mas indicado ao Oscar) de Allison Schroeder e Theodore Melfi (que também assina a direção) manipula as reações e conflitos à sua necessidade, preocupando-se mais com que a trama se desenvolva do que as personagens nela.
Roteiro este que é também repleto de diálogos expositivos, como aquele em que os cientistas discutem o porquê do foguete precisar estar em órbita, quando eles já haviam lançado (mesmo que sem sucesso) pelo menos duas outras aeronaves com o mesmo propósito; portanto, provavelmente já tendo discutido o mesmo nessas duas outras ocasiões. Mas sem dúvidas, o maior erro do roteiro é o seu ritmo. É claro que explicar todas as nuances técnicas de um lançamento não seria comercial, mas também fazer com que em questão de três cenas, a placa do banheiro seja destruída, o foguete seja lançado e a tentativa se mostre infrutífera é informação demais; não há tempo de respiro. Para citar mais um exemplo, agora na esfera pessoal, a relação de Katherine e seu interesse amoroso (Mahershala Ali) se dá basicamente em quatro cenas: em uma ela o censura pelo machismo dele, na outra ela é “obrigada” a dançar com ele, afinal, não há nenhuma outra opção. A seguir, ele já o beija, e na última cena, ele já a pede em casamento. O roteiro então apenas segue fixo com a ideia de que eles devem terminar juntos, esquecendo-se do mais importante: a química do casal.
Por fim, ainda é importante mencionar o quão importuna é a trilha sonora de Hans Zimmer. Além de genérica, ela é utilizada com tanta frequência, que ela não só se torna melodramática demais, como em determinado ponto ela deixa de surtir qualquer efeito. Ela é tão cansativa, que até mesmo em cenas em que uma personagem precisa se deslocar de um prédio ao outro, ela está presente. E mesmo quando músicas mais funkies quebram as cordas de Zimmer, o incômodo de pensar que ela voltará à frente permanece. Assim, por mais que seja positivo vermos obras que deem representatividade e protagonismo a mulheres negras, a condução sabota o potencial do filme. E mesmo que sejam elas as Estrelas Além do Tempo, nós somos os sabotados além da paciência.
Trailer legendado:
por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com