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Por onde anda o Saci?

Do inglês Folk (povo, nação, raça) + lore (conhecimento, saber), o folclore é a junção de expressões da cultura popular que fazem parte da identidade de uma nação. No Brasil, ele é o conjunto de lendas, brincadeiras, danças, festas, comidas típicas, histórias sobre criaturas míticas e fantásticas, que representa os costumes dos povos tradicionais de …

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Do inglês Folk (povo, nação, raça) + lore (conhecimento, saber), o folclore é a junção de expressões da cultura popular que fazem parte da identidade de uma nação. No Brasil, ele é o conjunto de lendas, brincadeiras, danças, festas, comidas típicas, histórias sobre criaturas míticas e fantásticas, que representa os costumes dos povos tradicionais de diversas regiões. 

O folclore brasileiro e suas criaturas estão nas nossas raízes, e vez ou outra aparecem nas muitas produções do país. Algumas ficaram famosas e ganharam o coração de todos, como Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, mas, no geral essas histórias são pouco reconhecidas. Além de produções pouco populares, o folclore também tem se perdido na memória coletiva, e se torna cada vez menos presente no dia a dia do brasileiro.

 

Na cidade não cresce bambu

“Nana neném

Que a cuca vem pegar

Papai foi na roça

Mamãe foi trabalhar”

(Cantiga Popular)

Uma das canções de ninar mais conhecidas, cantada para boa parte dos brasileiros – pelo menos os nascidos e criados nas zonas rurais e pequenas cidades – usa a figura da Cuca para amedrontar crianças e fazer com que durmam na hora certa. Essa velha com cabeça jacaré que pega crianças desobedientes; o Saci, que some com objetos e trança o pelo dos animais; uma vassoura atrás da porta para visitas irem embora; adquirir verruga nos dedos por contar estrelas: tudo isso faz parte de crendices ligadas ao imaginário popular e à vida na roça. Com a ida da população para as cidades, o misticismo fica no campo, e é atenuado pela razão que marca o meio urbano.

A Cuca, em ‘Sítio do Picapau Amarelo’ [Imagem: Divulgação/TV Globo]
A Cuca, em ‘Sítio do Picapau Amarelo’ [Imagem: Divulgação/TV Globo]
A urbanização no Brasil, que teve início no século 20, a partir do processo de industrialização, é um dos fatores da relativização da importância do folclore. Professor do departamento de Geografia da FFLCH – USP, Ricardo Mendes Antas Junior acredita que o processo de migração do campo para a cidade representa a saída de um contexto onde as condições de saúde e educação formal eram precárias. As novas gerações, nascidas e criadas na cidade, têm pouco contato com as tradições rurais no meio urbano, um cenário completamente diferente, no qual os conceitos folclóricos não se aplicam ao cotidiano. Segundo Ricardo, o meio urbano é todo pautado na racionalidade científica. Questões que antes eram respondidas por superstições e crendices, agora são encontradas em livros e nas escolas. 

O folclore está fortemente ligado à educação informal, aos ensinamentos passados de geração para geração. Na educação formal, ele acaba sendo tratado de forma simples e rasa. O designer Anderson Awvas, criador do projeto Folclore BR: Uma Nova Visão, menciona que os ensinamentos folclóricos se reduzem aos primeiros anos de ensino e são quase sempre focados em contos de fadas. Isso vai se perdendo conforme o ensino avança, e o conhecimento do folclore é quase sempre remetido a esse período de nossas vidas. “Não há problemas em haver um conteúdo infantil ligado ao folclore, mas acredito que conduzimos mal o entendimento disso e essa palavra fica jogada no fundo da mente, acesa em momentos bem específicos”, diz Anderson.

 

Redemoinhos vindos de outras bandas

Além da perda decorrente da urbanização, a influência de culturas estrangeiras também pode ser apontada como um dos fatores para o distanciamento do folclore. A exportação cultural ocorre desde que povos diferentes começaram a interagir entre si, no Brasil, não foi diferente. A chegada dos portugueses e seu contato com os povos indígenas e, posteriormente, dos africanos, foram importantes para a construção das bases culturais do folclore brasileiro.

Entretanto, a chegada de novos povos e culturas que contribuiu para a formação folclórica brasileira também foi e continua sendo agente da sua perda. Apesar de outras nuances, o capitalismo pode ser destacado nesse contexto, pois a internacionalização que favoreceu a construção capitalista brasileira é o que provavelmente relativizou a importância do folclore na cultura nacional. Ricardo Mendes acredita que o surgimento de novas crenças sempre ocorrerá, mesmo que modernas e principalmente se atreladas ao consumo.

O escritor Egidio Trabaiolli Neto aponta que o que está em alta é o que vende, e que o folclore não possui investimentos para competir. “Quantas produções já foram feitas com vampiros, bruxas e heróis? Quantas mais serão feitas? Tudo é uma questão de oportunidade. Quando saiu a saga Crepúsculo, várias outras obras foram criadas no embalo do romance vampiresco.” Mas, apesar de a cultura nacional ser sufocada pelo estrangeiro, ele ressalta que quando personagens do folclore são usados em produções, eles fazem sucesso, basta olhar o Saci e a Cuca nas adaptações de Sítio do Picapau Amarelo ou a Caipora em Castelo Rá-Tim-Bum (1994-1997).

 

Abrindo a garrafa

Ulisses no País das Maravelhas, Spectro e Aritana, são alguns dos títulos que de alguma forma resgatam o folclore nacional, e vão de livros à produções audiovisuais e jogos. Egidio, que também é pedagogo e criador do grupo no Facebook Folclore e Lendas Urbanas do Brasil, conta que a ideia de criar a comunidade surgiu como forma de preservar nosso folclore e mostrar nossas lendas. Ele faz questão de publicar histórias que poucos conhecem, porque são as que mais correm risco de desaparecer. Além dos contos no grupo, ele também se dedica a escrever livros que trazem um pouco mais dessas lendas, como a saga de Ulisses, já com dois títulos publicados.

'Ulisses no país das maravelhas' [Imagem: Divulgação/Editora Uirapuru]
‘Ulisses no país das maravelhas’ [Imagem: Divulgação/Editora Uirapuru]
“Vi que certas histórias de nosso folclore e cultura estavam desaparecendo. Há mitos que ouvia de criança e muitas pessoas na atualidade jamais ouviram. Como a dinâmica de transmissão envolve a oralidade, muitas histórias foram morrendo com quem as contavam”. Egidio comenta a popularidade de personagens como Saci, Boto, Iara, Curupira, Caipora, e o quase desconhecimento de outros como Sanguanel, Bernunça, Negrume, Pé de Garrafa e Capelobo. “Foi assim que, em meados de 2012, decidi criar uma obra associada aos personagens do folclore e da cultura nacional.”

Anderson Awvas conta que após se interessar em fazer artes baseadas no folclore brasileiro, especificamente nos personagens e criaturas, criou o projeto Folclore BR: Uma Nova Visão para divulgar seus trabalhos e suas inspirações. Com o tempo foi divulgando outros trabalhos que já tratavam do tema. Anderson é autor da série de desenhos que recria capas de filmes da Disney como se fossem personagens folclóricos do Brasil. As artes ficaram famosas e ganharam muitos compartilhamentos por despertar o interesse do público, que acreditava se tratar de divulgações de novos filmes.

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Incorporar o folclore brasileiro em outras histórias já muito conhecidas tem sido também uma forma de evitar a perda. Segundo Egidio, “a Disney faz recontagens de obras o tempo todo. Eu também optei por seguir essa trilha em várias obras”. Ele ainda ressalta que a invasão de outras culturas ocorre o tempo todo, somos engolidos por personagens estadunidenses, europeus e japoneses. Usá-los em suas histórias, portanto, é considerado por ele como um ato de ousadia. 

Já Samir Machado de Machado, um dos quatro escritores de Corpos Secos (Alfaguara, 2020), livro que nacionaliza os zumbis sob o nome de um personagem folclórico brasileiro, acredita que não se trata apenas de resgatar esse elementos culturais, mas de usá-los como base para contar novos histórias. Em seu livro, por exemplo, troca a explicação sobrenatural da existência dos corpos secos por uma interpretação de ficção científica. 

Samir acrescenta que “a cultura popular é uma das coisas mais políticas que há, pois ela é a essência de identidades nacionais ou regionais, muito mais do que bandeiras ou hinos, que são apenas símbolos”. Para ele, diante os momentos surreais que vivemos, o realismo perde força. Nesse cenário “é a literatura fantástica e de ficção científica, com suas metáforas e alegorias, que traz as ferramentas para interpretarmos a realidade.”

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