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Ciência no automobilismo: a engenharia dos veículos de Fórmula SAE

Estudantes constroem carros de competição em universidades usando conhecimentos de engenharia. Entenda a corrida e o processo de construção dos veículos.

Estudantes apaixonados por automobilismo encontram dentro das universidades a oportunidade de se engajarem na área e aplicarem seus conhecimentos de engenharia. Isso é possível devido à existência de equipes que disputam a Fórmula SAE, uma competição estudantil de carros tipo fórmula – o maior campeonato estudantil de engenharia do mundo. Nesta reportagem do Laboratório, você pode conhecer esse campeonato e entender, a partir do funcionamento interno das equipes, como a engenharia é aplicada para se construir um carro de corrida.

 

A competição: Fórmula SAE

A Fórmula SAE é uma competição promovida pela Sociedade de Engenheiros Automotivos – Society of Automotives Engineers (SAE) – desde 1981 nos Estados Unidos. Ela chegou ao Brasil anos depois, em 2004, e reúne alunos de engenharia de grandes universidades do país, como Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

O objetivo da competição é promover a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos em sala de aula por alunos de engenharia, produzindo o projeto completo de um protótipo de carro tipo fórmula – semelhante ao kart. As equipes são avaliadas em provas estáticas, com o carro parado, e dinâmicas, com o carro em movimento.

 

Provas estáticas

Primeiro, as equipes entregam o Business Logic Case (BLC) para realização das provas estáticas. Trata-se de um relatório que contém informações sobre os custos do carro, pesquisa de mercado, estimativa de vendas e lucratividade. O BLC serve como parâmetro nas provas, para os juízes analisarem se as informações do relatório estão de acordo com o carro apresentado. 

Depois, ocorre a prova de design, que vale 150 pontos, em que os juízes identificam se o time equilibrou bem o design, a manufatura e o custo do carro para atender a demandas de mecânica e mercado. 

Já na prova de custos e manufatura, que vale 100 pontos, os projetos das equipes são avaliados visando identificar se o projeto atingiu as metas de custo e o seu projeto de manufatura. O protótipo que mais se alinha ao conceito de manufatura enxuta (ou lean manufacturing), em que se evita ao máximo desperdícios durante a produção do carro, ganha notas maiores.

Em seguida, ocorre a prova de apresentação, que vale 75 pontos. Nessa etapa, cada time deve apresentar seu projeto para os avaliadores mostrando o quão ideal ele é para ser produzido em grande escala, atendendo demandas do mercado. 

Por fim, acontece a inspeção de segurança, uma prova sem pontuação, mas com caráter eliminatório. Nesse momento, os veículos são analisados segundo os parâmetros de segurança da Fórmula SAE e são habilitados, ou não, para participar das provas dinâmicas.

 

Provas dinâmicas 

Primeiro, na prova de aceleração, que vale 75 pontos, os carros são testados em um trecho de pista retilíneo de 75 metros. Eles começam a prova parados e quem obter o menor tempo pontua mais. 

Em seguida, acontece a prova de ski pad, de 50 pontos, em que os veículos são analisados em um trecho de curva de raio constante.

Fórmula SAE Brasil: Prova dinâmica
Carro da Equipe Poli Racing batizado como FP-X em prova dinâmica na Fórmula SAE Brasil. [Imagem: Reprodução/Equipe Poli Racing]

 

Na prova de autocross, de 150 pontos, a dirigibilidade do carro é testada em um circuito com retas e curvas que simula situações comuns de aceleração e frenagem. Novamente, o menor tempo pontua melhor.

Por fim, a prova de enduro e consumo, que vale 400 pontos, consiste em um percurso de 22 km no qual o carro é intensamente testado quanto ao seu desempenho, durabilidade e confiabilidade. Ao mesmo tempo, o consumo de combustível é medido nessa prova, e o menor consumo obtém as maiores notas. 

Ao fim dos 3 dias de disputa, cada equipe pode alcançar 1000 pontos no total, de acordo com as notas atribuídas pelos avaliadores em cada prova. Os melhores colocados na Fórmula SAE Brasil ganham a chance de representar o país em duas competições internacionais nos Estados Unidos.

 

A produção dos carros

Para competir, uma equipe não pode apenas produzir algo básico. O pensamento por trás do projeto deve se inspirar nas principais características de um carro de corrida, já que os protótipos serão levados ao seu limite. Vários conhecimentos de engenharia são empregados, e a organização é fundamental para um bom desempenho na competição.

Construir um carro não é uma tarefa fácil e rápida, principalmente dentro de uma faculdade. Marcelo Alves, docente na Escola Politécnica da USP e orientador da equipe Poli Racing, afirma: “O veículo deve ser confiável pois a competição não admite nenhum tipo de vazamento ou perda de peça”. Segundo ele, “organizar um projeto complexo como esse é uma tarefa que leva um grupo de alunos a ir muito além do que se exige na graduação”.

A Poli Racing produziu o carro FP-11 no ano de 2019, já com um pacote aerodinâmico completo. [Imagem: Reprodução/Equipe Poli Racing]

 

Devido a sua complexidade, a produção é dividida em etapas ao longo de meses. Entender cada uma delas é o primeiro passo para entender a engenharia envolvida nos protótipos. Para ficar por dentro do que acontece durante o processo de construção do carro, o Laboratório conversou com Augusto César, diretor de Marketing da Equipe Poli Racing (fundada em 2009), e Renato Sadashima, diretor de Manufatura da Equipe

Segundo Augusto, a primeira parte da produção é a etapa de projetos, em que cada uma das divisões da equipe trabalha definindo os componentes necessários para o veículo e produz os desenhos técnicos das peças. 

Em seguida, a divisão de Manufatura da equipe se organiza a fim de produzir o que as outras divisões necessitam. Nessa etapa, os estudantes dividem o que pode ser feito dentro da própria oficina e o que deve ser feito externamente com apoiadores – uma vez que a usinagem de algumas peças pode ser complexa e demorada. Depois de produzidas, as peças são comparadas com seus desenhos técnicos para conferência. 

Por último, com todas as peças produzidas, o carro é montado e testado pela primeira vez em movimento, na primeira etapa de checkdown.

Entretanto, um carro não é só o que conseguimos perceber olhando rapidamente, como pneus, carroceria e volante. Quando observamos mais de perto, os componentes se tornam vários. Por isso, equipes como a Poli Racing se dividem internamente em subsistemas para cuidar de cada uma das especificidades do protótipo. Segundo Renato, atualmente na Poli Racing existem seis subsistemas envolvidos com a produção do carro: do chassi, da suspensão, da aerodinâmica, dos freios, da elétrica e do powertrain. Falaremos sobre cada um deles.

 

Os subsistemas da equipe

Em um carro, tudo começa a partir do chassi. É como se fosse o seu esqueleto, por isso o Subsistema do Chassi tem muita importância. Para o carro de Fórmula SAE, esse componente é uma estrutura tubular que se estende por todo o veículo.  

Segundo Augusto, é interessante ter um chassi leve, mas rígido, pois não é ideal que este se comporte absorvendo excessivamente os impactos do carro. Outro comportamento a ser evitado é o de movimentação de partes do chassi em direções diferentes. Em uma curva, por exemplo, a dianteira do carro pode ir para um lado, mas sua traseira continuar em linha reta. Isso geraria uma torção no chassi que deve ser evitada. Essa parte do carro deve se comportar como uma peça única.

Fórmula SAE Brasil: Chassi de um carro.
O chassi é a maior peça inteira produzida pelos alunos. [Imagem: Reprodução/Equipe Poli Racing]

 

Já o Subsistema da Suspensão é a divisão interna responsável pela dirigibilidade do veículo. Busca a melhor maneira de manter o carro em contato com a pista, visando obter o máximo do seu potencial. 

Geralmente, o objetivo é ter um protótipo que responda bem às manobras que o piloto queira realizar. Nessa modalidade de competição, os circuitos são bem estreitos, por isso o ideal é ter uma suspensão mais rígida, ou seja, mais sensível aos comandos que o piloto dá na cabine de pilotagem (cockpit). 

Esse subsistema também cuida do setup do carro e de suas rodas, ou seja, como os componentes estarão distribuídos no protótipo. Além disso, ele se atenta aos feedbacks do piloto sobre os comportamentos do veículo.

Já no Subsistema da Aerodinâmica, os estudantes estão preocupados em adicionar peso ao carro, sem adicionar massa extra. Está enganado quem pensa que ambos são a mesma coisa. Nesse caso, não estamos falando sobre a noção de peso do senso comum, mas do conceito da Física – em que a força peso é a massa de um objeto multiplicada pela aceleração da gravidade. 

Ou seja, o objetivo desse subsistema é obter mais força calcando o carro ao chão (ou forçando-o contra o chão), sem deixá-lo com uma quantidade de massa excessiva – ou de “peso”, no senso comum. Segundo Augusto, essa questão deve ser bem pensada no projeto aerodinâmico do carro, principalmente no projeto das asas dianteira e traseira. 

Em um carro de Fórmula SAE, busca-se o balanceamento entre a downforce de suas asas. Downforce, segundo o professor Marcelo, é a força vertical que mantém os pneus do carro contra o solo a partir de dispositivos aerodinâmicos. 

Se a asa dianteira produz mais downforce que a traseira, ao entrar em uma curva, a traseira do carro tenderá a continuar o seu movimento em linha reta. Por outro lado, se a downforce for maior nas asas traseiras, o carro terá bom desempenho nas curvas, pois as rodas da frente terão pouca aderência ao chão. Assim, é possível observar o quanto a aerodinâmica é importante para a dirigibilidade do carro.

Fórmula SAE Brasil: Esquema Downforce
Esquema de como o ar passa por um carro tipo Fórmula. A downforce é gerada principalmente nas partes em vermelho. [Imagem: Reprodução/Purdue Formula SAE Team]

 

Além disso, essa divisão da equipe se preocupa com o arrasto gerado pelos dispositivos aerodinâmicos. Arrasto é a força que faz resistência ao movimento de um objeto sólido através de um fluido – nesse caso, os carros “cortando” o ar. Segundo Augusto, uma boa downforce vem ao custo de uma maior quantidade de arrasto. Então, deve-se estudar bem o design do carro, pois não é interessante que as asas englobem muito ar.

Outra função do Subsistema da Aerodinâmica é projetar o arrefecimento (ou resfriamento) do carro por meio da condução do fluxo de ar que passa por ele nas provas dinâmicas. 

Durante a corrida, várias manobras são exigidas, por isso o piloto precisa de algo que o ajude a variar sua velocidade para entrar em uma curva e evitar colisões com obstáculos, por exemplo. O Subsistema dos Freios desempenha justamente esse papel, projetando um sistema que possibilita desacelerar o carro sob demanda do piloto. Aqui, os estudantes buscam pastilhas com a maior capacidade de converter a energia cinética, gerada por causa do movimento do carro, em calor nos discos de freio para desacelerá-lo.

O balanceamento dos freios interfere em um bom desempenho do carro nas diversas situações na pista. Segundo Augusto, se a maior parte da força de frenagem vem das rodas dianteiras, o carro não consegue fazer curvas freando – o que é uma situação bem comum nos circuitos de Fórmula SAE. Se a maior parte da força de frenagem vem das rodas de trás, a traseira do carro tende a “escapar” nas curvas, de maneira semelhante a um drift. Ter esse sistema devidamente balanceado é essencial para uma boa responsividade do carro aos comandos do piloto.  

Também há o Subsistema da Elétrica, que é como o sistema nervoso do protótipo. Através da unidade de controle do motor – ou eletronic control unit (ECU) –, uma série de dados são captados por sensores ao redor do carro. Dessa forma, é possível identificar a temperatura da água no motor ou a temperatura e pressão do óleo do veículo, por exemplo.

A partir disso, há o esforço de se reunir e trabalhar essas informações de maneira que o piloto possa se aproveitar disso. Se a pressão de óleo está normal, por exemplo, o piloto saberá que o carro não tem vazamentos e poderá exigir mais do veículo. Segundo Augusto, a ECU é como o cérebro do carro. 

Além disso, essa divisão é responsável por produzir o chicote elétrico do protótipo. Esse componente consiste em um conjunto de cabos responsável pela condução de energia para as peças que necessitam, assim como pela condução dos dados coletados pelos sensores do veículo.

Por último, temos o Subsistema de Powertrain. Essa divisão cuida de tudo que envolve o movimento do carro: a seleção de combustível, a caixa de marcha, a transmissão, o motor e o escapamento. Segundo Augusto, busca-se adicionar componentes que não pesem tanto, mas que garantam ao carro um melhor aproveitamento da sua faixa de potência e uma boa eficiência. Para isso, as escolhas dos componentes são feitas minuciosamente.

Cabe ressaltar que, no geral, as equipes se preocupam bastante com a massa do carro, uma vez que esta afeta diretamente sua eficiência, dirigibilidade e seu desempenho. A massa dos freios, por exemplo, deve ser bem pensada, pois não é ideal adicionar componentes muito pesados nas rodas (extremidades do carro). Todas as divisões buscam o equilíbrio entre componentes o mais leves possível e de melhor desempenho na sua função.

Além da massa, o calor é uma preocupação dos membros da equipe durante o projeto. O professor Marcelo Alves ressalta: “Em todos os processos é fundamental conhecer os princípios por trás dos processos de fabricação. Por exemplo, o calor gerado nos processos de trabalho gera deformações nas peças, que precisam ser evitadas. Entendendo como elas acontecem, os dispositivos de fixação podem ser projetados”.

 

Outros subsistemas da equipe

A produção de um carro de Fórmula SAE se estende também para mais três subsistemas que envolvem a organização da equipe. São eles: manufatura, marketing e presentation

O Subsistema da Manufatura, como citado anteriormente, é responsável pela fabricação das peças, mas não apenas isso. Segundo Renato, um papel fundamental dessa divisão da equipe é organizar o calendário de produção, de forma que as obrigações não se acumulem e os subsistemas realizem suas funções com tranquilidade. 

Já o Subsistema do Marketing cuida da parte de obtenção de patrocínios e apoios para o projeto. Além disso, segundo Augusto, um papel essencial dessa divisão é manter a equipe motivada e bem entrosada por meio da comunicação interna. Assim, cultiva-se a boa convivência entre os membros e a valorização de todas as funções desempenhadas.

Por último, o subsistema de Presentation é uma divisão que se relaciona diretamente com a prova estática de apresentação durante a Fórmula SAE. Segundo Renato, é um subsistema que abre espaço para pessoas que não cursam engenharia contribuírem com a equipe sem estarem diretamente envolvidas com o protótipo. Essa divisão está encarregada de funções como resolver cases de negócio e cuidar das finanças da equipe.

Além de todas essas divisões, as equipes contam com cargos responsáveis pela administração do projeto como um todo. A Equipe Poli Racing, por exemplo, conta com uma capitã e um coordenador de projetos, que garante o funcionamento dos subsistemas de acordo com os prazos definidos no calendário da equipe.

1 comentário em “Ciência no automobilismo: a engenharia dos veículos de Fórmula SAE”

  1. Um carro de FSAE não começa (a ser projetado) pelo chassi. Começa (a ser projetado) pela suspensão. São os pontos de conexão chassi-suspensão (os hard points) – os quais vêm da geometria previamente projetada da suspensão – que dirão por onde se começar o chassi!

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