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Ferris e Biasone: a dupla que salvou a NBA

A história dos dirigentes que mudaram o ritmo e os rumos do basquete

Estamos em 1946, ano de criação da Basketball Association of America (BAA). A liga nascia com a intenção de se tornar a principal liga de basquete profissional dos Estados Unidos, visando desbancar as já existentes American Basketball League (ABL) e National Basketball League (NBL). 

O grande diferencial da nova liga era jogar em grandes cidades e ginásios, atraindo maior interesse das mídias locais e do público, o que resultaria em uma maior faturação em relação às outras ligas.

Com o tempo, a BAA começou a atrair várias franquias das ligas rivais, equipes que já eram fortes e que viam a mudança como uma oportunidade de expandir seus negócios. Com essas alterações no cenário nacional do basquete, a ABL não resistiu às mudanças e acabou falindo. Foi nesse contexto que, em 1949, a NBL —que havia resistido — e a BAA decidiram se unir e, dessa fusão, nasceu a National Basketball Association, a NBA.

 

O fracasso da nova liga

Em seu primeiro ano de existência, a NBA possuia 17 times. No entanto, a jovem liga não possuía uma estrutura financeira que fosse capaz de conceder suporte para todas as equipes. Por conta disso, muitas acabaram deixando a liga a ponto de, em 1955, restarem apenas oito equipes. 

Após certo entusiasmo com a nova liga, o interesse do público e da mídia aos poucos foi diminuindo e, com isso, grande parte da arrecadação das franquias começou a ser comprometida, junto da integridade da liga. Para entender como essa perda de prestígio da NBA se deu, é necessário olhar para um fator tático dos jogos.

Com o desenvolvimento do basquete, novas técnicas e táticas foram surgindo ao longo dos anos. No entanto, para o azar da liga e dos fãs, uma em especial começou a ser cada vez mais adotada pelas equipes. 

Essa tática nada mais era do que a catimba, termo muito utilizado no futebol que indica que um time começa a se servir de diversos fatores para desacelerar ou parar o jogo, esperando o tempo passar para garantir a vitória. No caso da NBA, em que uma partida possui 48 minutos (divididos em quatro quartos de 12), o time que conseguia abrir uma vantagem no começo acabava se utilizando dessa tática para apenas administrar o placar pelo resto do jogo. 

Como não havia tempo limite para que fosse necessário fazer um arremesso, a equipe que estava na frente ficava apenas trocando passes, esperando o tempo da partida se esgotar. Só se tentava um arremesso quando alguém se encontrava muito livre e próximo à cesta, o que levava, às vezes, minutos para ocorrer. 

Com isso, ao invés do jogo se desenvolver e se tornar cada vez mais atraente, ele se tornou mais chato, lento e desinteressante. A liga viu seu sucesso cair rapidamente e precisava, mais do que nunca, de uma salvação para manter seu funcionamento. 

nba
Partida entre Syracuse Nationals e Boston Celtics durante o período complicado para a liga em 1953 [Imagem: @thesportsmuseum/Instagram]


Salvadores

Danny Biasone nasceu em Miglianico, na Itália, no ano de 1909. Aos 10 anos, viajou para os Estados Unidos com sua mãe, seu irmão e com outros italianos que buscavam começar uma nova vida em solo americano. Após alguns dias de angústia na fronteira, a família avistou Leo Biasone — pai de Danny — e finalmente conseguiu atravessar. 

O pai de Biasone estava no país desde 1913, quando chegou para procurar emprego e garantir moradia para sua família quando chegassem. No entanto, a eclosão da Primeira Guerra Mundial dificultou muito as viagens e, somente após 7 anos, a família enfim pôde se reencontrar, fixando residência na cidade de Syracuse. 

Biasone chegou a trabalhar como operador de bonde e a abrir um restaurante até que, em 1941, comprou uma propriedade e criou uma pista de boliche, na qual foi dono até seu último dia de vida. 

Ao perceber uma oportunidade de investimento, Biasone reuniu recursos e fundou, em 1946, o Syracuse Nationals (atual Philadelphia 76ers), franquia que faria parte da NBL e que, em 1949, se juntaria à NBA, na primeira temporada da liga.Aos poucos, Biasone se tornou uma das pessoas mais influentes dentro da liga e, a partir disso, conseguiu ter grande impacto com suas ideias, tornando-se peça fundamental em um momento de crise que surgia na liga na década de 1950. 

Danny Biasone em frente ao relógio de 24 segundos [Imagem: @thisdayinhoops/Instagram]
Outra peça fundamental para a liga foi Leo Ferris. Nascido na cidade de Elmira, Nova York, no ano de 1917, Ferris se envolveu com o basquete desde criança. Após a morte de sua mãe — acometida pela Doença de Huntington —, mudou-se para Buffalo, onde trabalhou em uma agência publicitária que tinha os esportes como foco. 

Depois de servir ao exército, Ferris retornou para Buffalo, criou sua própria agência esportiva e, em 1946, foi um dos fundadores do Buffalo Bisons (atual Atlanta Hawks), equipe que se juntou à NBL. 

Em 1948, após alguns times da liga se mudarem para a BAA, Ferris se tornou vice-presidente da NBL e foi fundamental para a manutenção dela e para a fusão com a concorrente BAA. 

NBA
Leo Ferris [Imagem: @leoferrisnba/Instagram]

Sua principal estratégia foi a contratação dos jogadores do famoso time da Universidade de Kentucky que, na época, havia vencido duas vezes o campeonato nacional universitário. A negociação incluiu a criação de uma nova franquia na liga que seria comandada por eles, como jogadores e dirigentes. Esse movimento acabou afetando a BAA, que não queria que os  jovens talentos fossem para a outra liga. Com isso, as negociações se iniciaram e as ligas se fundiram. 

 

 

Trabalhando juntos

A relação entre os dirigentes se iniciou quando Ferris se tornou vice-presidente da NBL e ajudou o Syracuse Nationals de Biasone a evitar a falência. Ao perceber o bom trabalho que Ferris fazia, Biasone convidou-o para integrar parte da diretoria de sua equipe. 

Christian Figueroa [Imagem: Arquivo pessoal]
Nesse período, o novo diretor foi responsável por importantes contratações para a franquia. Exemplo disso foi quando assinou com Dolph Schayes — jogador que acabaria entrando no Hall da Fama do basquete. 

“[A relação entre eles] era muito, muito boa por vários anos” declarou Christian Figueroa, sobrinho-neto de Ferris, que conheceu a história através de sua família e de documentos da época que haviam sido guardados. 

Em 1949, Ferris vendeu sua parte da franquia que havia fundado em Buffalo e se juntou de maneira definitiva ao Syracuse Nationals como diretor executivo, sendo peça fundamental na construção de um time extremamente competitivo. “Danny concordava com todas as decisões que Leo tomava porque confiava nele”, afirmou Figueroa. 

No início dos anos 1950, a crise na NBA se tornava cada vez mais evidente e eram necessárias mudanças no jogo para que a liga se salvasse de ser um fracasso. Após uma série de testes, nenhuma das novas regras inventadas obteve o efeito necessário. Foi nesse contexto em que a dupla Biasone e Ferris produziu sua mais importante contribuição para a liga e para o basquete no mundo todo.

Leo Ferris (segundo em pé da esquerda para a direita) e Danny Biasone (sentado à direita) em reunião com diretores de outra franquia da NBA em 1950 [Imagem: @leoferrisnba/Instagram]

O relógio

Biasone e Ferris se propuseram, então, a pensar em uma solução para a NBA. Eles perceberam que, para isso, era necessário criar uma regra que impactasse no ritmo das partidas, tornando o jogo mais dinâmico e atrativo para os fãs.

A partir disso, ambos fizeram inúmeras pesquisas e estudos em jogos que, em suas opiniões, ocorreram de maneira mais fluida. Aqui se faz crucial a presença de Ferris:  o diretor executivo foi quem teve a ideia e propôs a fórmula que salvaria a NBA.

Ela era, na verdade, bem simples. Ao estudar as partidas que lhe chamaram a atenção, Ferris percebeu que cada time tinha, em média, 60 arremessos por jogo. Isto é, ao final dessas partidas, o número de arremessos chegava a 120 no total. 

Com isso, ao dividir 2.880 segundos (tempo total de uma partida na NBA) por 120 arremessos, Ferris chegou ao resultado de 24 segundos. Ou seja, para que uma partida tivesse o ritmo que os dirigentes julgavam como ideal , era necessário que ocorresse um arremesso a cada 24 segundos, no máximo. 

Essa regra ficou conhecida como “Regra dos 24 segundos”.A partir dela, foi determinado que, se um time passasse mais de 24 segundos com a posse de bola sem fazer um arremesso, a bola iria automaticamente para a equipe adversária, forçando, assim, um maior número de arremessos e maior dinamismo nas partidas. 

Homenagem à criação do relógio de 24 segundos dentro do TD Garden [Imagem: @leoferrisnba/Instagram]

Os efeitos da nova regra

No entanto, a fórmula criada por Ferris ainda precisava ser aprovada pela NBA, o que aconteceu graças a Biasone. Em 1954 —cerca de três anos após a criação de Ferris —, em um encontro dos donos de franquias da NBA, Biasone expôs a ideia para todos, inclusive para o presidente da liga, Maurice Podoloff. 

Após muita insistência, Biasone finalmente conseguiu convencê-los da ideia e foi marcada uma partida em Syracuse para que a nova regra fosse testada em frente aos donos e diretores da liga. Após a realização da partida, a NBA aceitou a ideia e os 24 segundos começaram a ser aplicados já na temporada de 1954/55. 

Logo na primeira temporada, já foi possível notar uma grande diferença nos jogos. Houve um aumento de cerca de 14 pontos por equipe e todos viram, a partir daí, uma mudança significativa no esporte. O jogo passou a ser cada vez mais divertido de se ver, com mais arremessos, novas táticas, e uma dinâmica completamente diferente do  basquete lento e monótono de anteriormente. 

A equipe que mais se beneficiou desses efeitos foi justamente o Nationals de Biasone e Ferris. Ambos souberam montar um time que, liderado por Dolph Schayes, era extremamente competitivo e capaz de jogar de acordo com o novo estilo que estava começando a ser implementado. Resultado disso foi a conquista do título da NBA da temporada de 1954/55, o primeiro da franquia.

Aos poucos, a liga passou por uma transformação total e o estilo de jogo que desagradava aos fãs já não era mais reconhecido. Essas transformações possibilitaram que outros jogadores se destacassem e novas estrelas surgissem, tornando o jogo cada vez mais plástico e interessante. 

Por essas razões, gradativamente o interesse do público e da imprensa foi se voltando para a NBA e seus números voltaram a crescer. Muito em função disso, a liga conseguiu sobreviver e voltou a se expandir dentro dos Estados Unidos.

 

Os legados

Com o sucesso da nova regra na NBA, várias ligas ao redor do mundo começaram a aplicá-la e, atualmente, todas possuem algum tipo de relógio para o arremesso, mesmo que não sejam os mesmos 24 segundos. A invenção de Ferris e Biasone não impactou apenas a NBA, mas foi também um dos fatores que ajudou o basquete a se sustentar durante um período tão conturbado. 

Apesar de todas suas contribuições, ambos morreram sem receber os devidos reconhecimentos e homenagens por parte da liga. 

Após vender o Nationals em 1963, Danny Biasone voltou a se dedicar exclusivamente à sua pista de boliche, que comandou até falecer, em 1992. Biasone entrou no Hall da Fama apenas em 2000, oito anos após sua morte, tendo como representante seu sobrinho Joe Biasone

Por outro lado, ainda durante a temporada de 1954/55, Leo Ferris se desligou dos Nationals e da NBA. Segundo Figueroa, ele estava frustrado e cansado por conta do basquete, pois, entre os anos de 1946 e 1955, ele foi muito exigido, o  que não estava lhe fazendo bem. De acordo com Figueroa, após renunciar seu cargo, Ferris abriu um restaurante e uma sala de música, se tornando um magnata imobiliário muito bem sucedido. 

Entretanto, apesar de todas suas contribuições para o basquete norte-americano, Ferris parece ter sido esquecido pela liga. Nesse sentido, o sobrinho-neto dele afirmou que, apesar do bom relacionamento dos dois enquanto trabalhavam juntos,  “Leo não foi reconhecido por Danny por suas contribuições vitais e importantes para a criação dos 24 segundos”. Ele disse ainda que Biasone recebeu todo o crédito pelas coisas que Ferris havia feito ou ajudado. 

Seja por ter deixado a NBA muito cedo ou por certa conduta questionável de Biasone, a verdade é que Leo Ferris nunca recebeu o devido crédito por suas grandes contribuições para a liga. Ferris faleceu vítima da Doença de Huntington em 1993, e nem ele, nem seus filhos e esposa viram seu nome ser reconhecido. 

Com a morte da filha de Ferris em 2014, acometida pela mesma doença, Christian Figueroa decidiu começar uma campanha nas redes sociais para lutar por justiça e impedir que a figura de Ferris seja esquecida. “Eles lutaram muito por décadas para chamar atenção para Leo, mas infelizmente também faleceram” disse Figueroa sobre sua família. 

Por conta disso, Figueroa fez investigações e acabou achando inúmeras evidências das realizações de Ferris e começou a divulgá-las pelas redes sociais, com a ajuda de seu filho. Além disso, enviou para o Hall da Fama uma série de documentos e fotos que comprovam a importância de Leo, mas não recebeu respostas. 

Após quase 70 anos da criação do relógio de arremesso, Leo Ferris ainda não recebeu o reconhecimento que merece, mas Christian Figueroa e seu filho seguem na luta por justiça. 

Imagem da campanha de Christian Figueroa para Leo Ferris [Imagem: @leoferrisnba/Instagram]
 

 

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