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Futebol candango: cidade moderna, esporte atrasado

Conheça a história do futebol brasiliense e entenda o porquê de sua precariedade quando comparado ao de outras capitais

Por Letícia Longo (letlongo2006@usp.br)

Quando anunciada sua construção em 1956, Brasília trazia consigo grandes simbolismos. Foi pensada para ser um marco da modernização brasileira, e, com ela, o governo buscava representar a capacidade do Brasil de grande desenvolvimento industrial, econômico e social. No início, era esperado, e desejado, que a cidade fosse um grande centro desportivo, com times os quais disputassem junto aos maiores clubes brasileiros.

 “Em Brasília, tudo nasce grande. E não vai aí nenhum exagero. Assim é que, sem chegar a uma grande surpresa, mas uma agradável surpresa, fomos encontrar aqui um futebol já na sua fase de franca revelação”

Elton Campos para o Correio Braziliense, em 1960

Entretanto, o que é visto nos dias atuais na capital brasileira é apenas a precariedade do seu futebol. Times tradicionais são extintos a cada ano, e diversas equipes enfrentam dificuldades financeiras, logísticas e de público. A cidade possui 26 times profissionais em atividade, segundo a Federação de Futebol do Distrito Federal (FFDF), mas nenhum deles se encontra nas três primeiras séries do campeonato brasileiro, e apenas dois participaram da série D de 2025. Além disso, o cenário da gestão desportiva da região é repleto de polêmicas, com casos que vão de fraudes fiscais por ex-presidentes da FFDF, até acusações de manipulação de resultados do Candangão.

Os clubes ainda tentam resistir ao conturbado quadro do futebol candango, sustentados pela tradição e pela força das torcidas formadas, em grande parte, por comunidades de trabalhadores que ajudaram a erguer Brasília.

Os primeiros times da capital

Os primeiros times brasilienses surgiram de forma amadora, criados pelos trabalhadores de órgãos públicos, empresas prestadoras de serviços e construtoras, antes mesmo da inauguração da cidade. Os candangos pertencentes a essas instituições se organizaram em equipes de futebol como uma forma de se divertirem durante as obras em Brasília.

A equipe pioneira no futebol do Distrito Federal foi o Clube de Regatas Guará, fundada pelos servidores do Departamento de Topografia Urbana, antigo órgão responsável pelas medições da capital brasileira. De acordo com a Revista Brasília, a ideia do clube surgiu em uma conversa entre candangos no acampamento da NovaCap, após um exaustivo dia de trabalho, sobre os times da cidade natal de cada um. O time encerrou suas atividades em 2019, após anos de acúmulo de impostos, ações trabalhistas e aluguéis, além da falta de interesse de empresários em assumirem a gestão.

O CR Guará contava com 1,5 a 3 mil torcedores nos seus jogos, um valor bem acima da média para as equipes de Brasília [Imagem: Reprodução /Facebook/ @clubederegatasguara]

Assim como o CR Guará, a maioria dos times pioneiros do futebol brasiliense formados por trabalhadores não existem mais. Os maiores vencedores da região durante os anos 60, o Defelê, fundado por profissionais do Departamento de Força e Luz da Novacap (DFL), e o Rabello FC, criado por empregados da construtora homônima, encerraram suas atividades no início dos anos 70. A falência foi ocasionada pela perda de força das instituições fundadoras após o fim das grandes obras de Brasília, somado ao caráter intrinsecamente amador dos clubes.

Desenvolvimento do futebol brasiliense

Em 1959, um ano antes da inauguração da cidade, foi organizado o primeiro torneio de futebol de Brasília, o Torneio Início. O campeonato ainda era disputado de forma amadora, composto por 19 times, quase todos fundados por funcionários de  instituições bancárias, órgãos públicos e construtoras. O Grêmio Esportivo Brasiliense saiu como vencedor da competição, clube formado em sua maioria por funcionários do Departamento de Viação e Obras (DVO), da NovaCap.

Quando Brasília foi inaugurada, houve uma movimentação por parte do governo a fim de promover o esporte na região. Era comum a vinda de atletas já veteranos para treinar na capital, ou a organização de amistosos entre equipes candangas contra times já consagrados, como entre o Santos e a Seleção Brasiliense , ocorrido em 1961. Pelé veio ao Distrito Federal junto à delegação do Santos e foi ovacionado pelo público, mas não jogou devido a uma lesão.

No final dos anos 60 e início dos anos 70, o fim das grandes obras em Brasília também deram fim aos clubes organizados por construtoras. Começam, então, a surgir os clubes próprios das cidades-satélites do Distrito Federal, como Sobradinho e Taguatinga. Da mesma forma, começam as tentativas de profissionalização do futebol brasiliense. Em 1976, finalmente, o primeiro Campeonato Brasiliense de Futebol profissional é disputado, o Torneio Imprensa. 

Os anos 80 foram marcados pelas primeiras edições do Candangão, assim como a presença do Brasília e do CEUB (time formado por alunos do Centro Universitário Unificado de Brasília) na primeira divisão do Brasileirão. Os anos 90 marcaram a consolidação do Gama como um clube relevante na região. A equipe conquistou 4 campeonatos distritais e a Série B de 1998.

Nos anos 2000, surgiu o Brasiliense, considerado o maior time da história do DF em questão de títulos relevantes, apesar de sua recente formação. Em 2002, dois anos após sua criação, o clube foi vice-campeão da Copa do Brasil. Em 2003, o Jacaré, apelido do clube, estreou na primeira divisão do campeonato brasileiro. Contudo,a equipe foi rebaixada para a Série B em 2005 e nunca mais se firmou entre os grandes clubes. Seu título mais recente fora do DF foi a Copa Verde de 2020, que é também a conquista mais relevante de qualquer clube candango nos últimos 5 anos.

O dono do Brasiliense é o ex-senador Luiz Estevão, também dono do Metrópoles [Imagem:Reprodução\ Instagram\@brasiliensefc]

Principais times e torcidas

Em entrevista ao Arquibancada, o jornalista Rômulo Maia citou o Capital FC, Ceilândia EC, SE Gama e Brasiliense FC como os principais times candangos na atualidade. Os quatro irão participar da série D 2026 e possuem os maiores recursos financeiros, com destaque ao Capital, que adotou o modelo de SAF no ano de 2024. 

O Brasiliense, o Ceilândia e o Gama possuem as maiores torcidas da região, e são os únicos times do Candangão com uma certa quantidade de público nos jogos. Contudo, a situação das torcidas candangas é “muito triste”, afirma o repórter, com o público sempre muito baixo na grande maioria dos jogos. Na reportagem Pobreza Federal, publicada pela Placar Magazine e escrita por João Carlos Rodríguez, é contado sobre um caso de 1970, de um jogo do campeonato brasiliense no qual houve apenas um pagante. A federação procurou o torcedor a fim de premiá-lo pelo feito, mas não obteve sucesso.

Entretanto,o brasiliense Nivaldo Alves contou à Jornalismo Júnior sobre sua positiva experiência como um torcedor do futebol candango desde meados dos anos 70 até o início dos anos 2000. Segundo ele, após a construção do estádio Pelezão, em 1966, ficou mais fácil para a população acompanhar o futebol da região. Além disso, times como o Brasília e o CEUB, durante as décadas de 70 e 80, estarem na primeira divisão do Brasileirão, assim como o Gama e o Brasiliense no final dos anos 90 e início dos anos 2000, promoviam uma maior empolgação na população da capital.

No dia em que foi campeão da série B, o Gama se tornou o primeiro clube brasiliense a lotar o Mané Garrincha, com um público de mais de 44 mil pessoas [Imagem:Reprodução/Instagram/@segama]

“No passado, nosso futebol era mais organizado, mais competitivo, dava mais gosto ir aos estádios.Tínhamos bons jogadores e a torcida era mais apaixonada, tinha mais emoção” 

Nivaldo Alves

O descaso com os estádios, os times, e as torcidas

Rômulo afirma que um dos principais obstáculos a serem enfrentados pelos times de futebol brasiliense são os estádios. “Nenhum time de Brasília tem estádio próprio, todos pertencem ao governo”, diz o jornalista. Como consequência, muitos campos acabam negligenciados pela administração governamental e são abandonados. O Estádio do Cave, por exemplo, foi demolido em 2012, quando foi destinada uma verba de R$ 6,2 milhões pelo GDF sob pretexto de do espaço ser transformado em uma arena multiuso para a Copa do Mundo de 2014, conforme o Jornal do Guará. Contudo, o espaço até hoje não foi devolvido para a população.

A maioria dos estádios também não têm uma localização favorável aos fãs. Rômulo afirma que um dos motivos para a SE Gama e o Ceilândia FC serem praticamente os únicos times a terem a adesão da torcida no Distrito Federal é o fato dos estádios utilizados por tais clubes, o Bezerrão e o Abadião,serem localizados no centro das regiões administrativas as quais as equipes representam. O Brasiliense, apesar de ter uma quantidade de fãs considerável, sofre com a localização de sua arena ser quase no início de Ceilândia, mesmo o time sendo de Taguatinga. Ainda de acordo com ele, não há perspectiva de incorporação das arenas por parte dos times, já que nenhum deles possui verba para a compra dos terrenos.

Segundo o Distrito do Esporte, dos 12 estádios de futebol profissional em Brasília, apenas três estão aptos a receber partidas com presença de público [Imagem: Reprodução/Agência Brasília]

Na opinião de Nivaldo, a falta de suporte governamental é o principal fator a ser mudado para uma melhora do futebol brasiliense .“No meu entendimento, falta apoio do governo local, que gasta milhões para patrocinar o Flamengo e destina uma pequena verba para todo o campeonato local.  Não temos times de expressão no futebol nacional e nem uma identidade do torcedor com os times, apenas as pequenas torcidas organizadas”. Rômulo cita o descaso da população com os clubes menores, que prejudica ainda mais o crescimento desses.

“Ninguém pergunta de times pequenos, e isso acaba sendo um problema na hora de divulgar o nosso futebol”

Rômulo Maia

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