Entre os dias 12 e 16 de outubro de 2022, o Parque da Uva em Jundiaí/SP foi ocupado pela 4ª edição do Hip Hop District, um evento organizado pela Kahal Escola de Dança e pela organizadora de eventos Hass Eventos. Com batalhas, apresentações, competições, festas e aulas de professores nacionais e internacionais, o festival levou sua experiência para o interior de São Paulo e conseguiu mostrar que a dança sobreviveu à pandemia.
A primeira edição do evento ocorreu na própria escola da Kahal em 2017 e surgiu da união das ideias de Henry Camargo, coreógrafo da Kahal e grande nome das danças urbanas, e de Felipe Hass, da Hass Eventos. Com o aumento da demanda, os organizadores conseguiram realizar a segunda e a terceira edições no Parque da Uva em 2018 e em 2019, respectivamente.
Em 2022, o Hip Hop District contabilizou a presença de 2.878 participantes e 170 grupos de dança. Mesmo que o fluxo de pessoas tenha diminuído após a pandemia, os números são expressivos em comparação à primeira edição, que recebeu 500 dançarinos.
A quarta edição teve 22 professores, sendo 14 nacionais e 8 internacionais. O jamaicano Sir Ledgen, um dos professores do primeiro dia, comentou que sua primeira vez no Brasil e no evento foi muito positiva: “Constantemente foi um ciclo de troca e em nenhum momento me senti exausto. Isso foi lindo e não acontece em todos os lugares”.
Como jurado da batalha de Dancehall, ele destacou que foi muito bom ver o nível e a liberdade de dança em cada um dos participantes. “Tiveram algumas vezes que as pessoas finalizavam os passos do outro. Eu não via isso há muito tempo, cada par formado [para batalhar] tinha energias diferentes, mas o nível combinava muito”. Confira abaixo a final dessa batalha:
O Dancehall é uma dança jamaicana que ganhou espaço nos Estados Unidos no mesmo período do Hip Hop, quando DJ Kool Herc traz para o bairro do Bronx suas raízes africanas. A dança envolve o corpo, enfatizando a força nas pernas e o gingado no quadril.
A vencedora Mare Rela foi uma das professoras selecionadas pelo projeto #minhaaulanodistrict: aqueles que gostariam de participar da grade de aulas do evento, deveriam fazer um post em formato de carrossel no Instagram explicando sua metodologia de ensino, as razões para querer ser professor no evento e um vídeo de alguma aula do participante.
“Foi muito legal ver muitas pessoas interessadas em estudar um pouquinho mais do Dancehall, que é a vertente que eu trabalho. Vejo que muitas pessoas ficaram até o final da aula e estão mesmo interessadas na pesquisa dessa vertente”. Mare acrescentou que foi prazeroso e desafiador batalhar na modalidade, porque enfrentou pessoas que, além de serem conhecidas no Dancehall, têm um nível de pesquisa muito bom. “Esse ano foi a realização de um sonho”.
Representando a vertente Waacking, a jurada dessa categoria estreante nas batalhas e professora nova-iorquina Princess Lockerooo mencionou que o cuidado que o festival tem com a cultura Waacking, que vem da comunidade LGBTQIAP+, é algo especial e é bom vê-la sendo passada para as novas gerações. “Eu acho que é muito bom apreciar as formas de arte de outras pessoas. Todos somos iguais, não importa o que você faz na sua vida pessoal. Trazer a dança para esses eventos pode ajudar a criar mais mudanças sociais na comunidade”. Confira abaixo a vencedora da primeira batalha de Waacking do Hip Hop District, a dançarina suzanense Julia Candida.
Para acontecer, o Hip Hop District teve a ajuda de voluntários de todo o país. Anualmente, o festival abre uma chamada para aqueles que querem participar do evento: em troca de aulas e alojamento, os voluntários ajudam na organização. Brenda Roiz, de Blumenau (SC), explicou que a experiência de ser voluntária é especial e que virá na próxima edição novamente como voluntária. “Quando eu cheguei, a gente já começou a trocar histórias e eu vi como é diferente da minha cidade em comparação a dos outros voluntários. Então, não é só conhecimento técnico da dança, mas também cultural.”
Além do voluntariado, os participantes têm a oportunidade de conhecer e colaborar com comércios que se voltam para as danças urbanas. Maria Gabi Barros, dona da Coreô, marca desenvolvida para o público da dança, afirmou que é importante ter esse contato entre dançarinos e comerciantes que fomentam o meio artístico: “É importante ter uma variedade de lojas. As pessoas são diferentes e podemos preencher esse mundo da dança com personalidades, sem serem apenas robôs que reproduzem.” Além da Coreô, a Arte Gera Arte, Manos Caps e a Freestyle Shop ocuparam os estandes.
Como um dos professores mais esperados do evento, o californiano Kida The Great deu aulas pela primeira vez no Brasil. “Eu simplesmente amo retribuir e dar aula a tantas pessoas ao redor do mundo. A experiência de estar aqui no evento foi incrível e eu gostaria muito de voltar ao Brasil em breve”. Vindo de uma comunidade de batalha, Kida menciona que foi muito legal ver tanto amor pela dança em várias vertentes: “É incrível que todos temos a mesma paixão pela dança. A dança é muito boa por aqui, foi tão bom ver tantas pessoas diferentes e de idades diversas dançando muito”, acrescentou.
No último dia de evento, conversamos com a curitibana Ji Sambati, diretora da JS Company, professora e jurada do festival. Mesmo morando longe, Ji contou que ela vem — e incentiva os outros a virem — porque não há tantos encontros com a comunidade das danças urbanas e que não se deve perder essa oportunidade. “Acho que tem lugar para todo mundo e o District é um dos poucos eventos que consegue fomentar todas as vertentes e qualidades das danças urbanas em um só espaço.”
A maioria dos participantes desta edição do Hip Hop District deu feedbacks positivos e tiveram novas experiências no evento. “Com certeza, foi um dos melhores eventos que eu fui em quesito de estudo, porque nada é muito superficial, a maioria das aulas são totalmente de base e tudo mais”, disse Kethelyn Menegato, conhecida como Kekeh, integrante do Grupo Woopz de São Paulo. Prince Toshiba, pioneiro do Waacking no Brasil, mencionou que os trabalhos coreográficos em relação à proposta e ao tema amadureceram muito desde a última edição.
Um dos pontos destacados pelos participantes foi o esquema das aulas em conjunto com a passagem de palco e as seletivas de batalhas. Kekeh acredita que a diminuição das apresentações e o aumento da quantidade de dias melhoraria a qualidade do evento. Já Toshiba criticou especificamente o horário das seletivas: “Talvez, tenha sido difícil para quem vinha de outra cidade e, por conta das seletivas serem muito cedo, não dava tempo de chegar.” De modo geral, há uma expectativa para uma melhora na organização dos horários para que todos possam aproveitar mais o evento.
As festas também fazem parte da experiência do Hip Hop District, como uma forma de descontração depois das aulas intensas. Em dois dias, os DJs tocaram músicas de diversos gêneros: do funk ao reggaeton, as festas foram coordenadas por DJs como André Rockmaster, DJ Nyack, DJ Xandon, DJ G e DJ Cinara.
As crianças também puderam participar do evento em aulas específicas, com didática e coreografia adaptadas à nova geração de dançarinos. André Rockmaster, Leo Tuli, Fran Manson e Taysa Copelli ministraram as aulas de forma divertida e prática aos pequenos.
Exceto no dia 13, todos os dias do evento tiveram competições e mostras não competitivas abertas ao público, para que a comunidade de Jundiaí conheça e valorize a produção artística. Durante o dia todo, o espaço era restrito ao evento e havia controle de entradas e saídas para que apenas participantes pudessem acessar. A partir das 16h45, qualquer pessoa poderia assistir e prestigiar as coreografias no Parque da Uva. Na divulgação do evento, sugeriu-se a doação de alimentos não perecíveis que seriam entregues para o Fundo Social de Solidariedade de Jundiaí, uma instituição pública governamental que entrega os mantimentos para APAEs e outras ONGs.
Para as premiações, foram destinados 60 mil reais no total, sendo 20 mil reais para as batalhas de Waacking, Dancehall, Locking, Breaking, Popping e 5 vs 5 (batalha entre grupos de 5 pessoas). O restante do valor foi direcionado para melhor dançarino (a) e apresentações solo, duo, trio, grupo (crew) e mega crew (grupo acima de 10 pessoas), todos divididos em categorias (júnior e adulto) e modalidades (estilo livre e estilos urbanos, jamaicanos e africanos).
O Hip Hop District marca a história das danças urbanas no Brasil de forma moderna, respeitosa e cativante. Nas próximas edições, a organização promete melhorar a infraestrutura para que mais dançarinos possam ser bem recebidos no interior de São Paulo.
Excelente!! Parabéns