Sexta-feira, 18 de outubro, foi marcada pelo penúltimo dia do evento Áfricas Contemporâneas – Do Continente às Diásporas: pensar o universal a partir dos arquivos afro-diaspóricos, organizado pelo Laboratório de Estudos do Imaginário do Instituto de Psicologia (IP-USP). Na ocasião, foi aberto espaço para a mesa de discussão “Pensadores africanos contemporâneos e suas contribuições para (re)pensar o universal”, no Auditório István Jancsó na Biblioteca Brasiliana da Universidade de São Paulo (USP).

Tal oportunidade coloca e enfatiza a importância das vozes africanas em lugares acadêmicos, para que se entenda as Áfricas a partir de olhares de dentro, e não de um imaginário ocidentalizado.
Os especialistas
A mesa de debate contou com Amy Niang, cientista política formada em economia e relações internacionais, da África do Sul; Bado Ndoye, professor de filosofia especializado em fenomenologia e história da ciência, de Senegal; Iolanda Évora, doutora em psicologia social e coordenadora da investigação sobre migrações cabo-verdianas, de Portugal; Mamadou Ba, professor de Língua e cultura portuguesa, e membro Fundador da Associação Luso-Senegalesa, da Rede Anti-Racista de Portugal; e a mediadora e comentadora Sueli Carneiro, ativista e fundadora do Instituto da Mulher Negra, do Brasil.
O lugar de fala para o desconstruir e o (re)pensar

O filósofo Bado Ndoye começou o debate explicando que o universalismo é uma ideologia de dominação criada pelo Ocidente, considerando sua forma de pensar como a única possível e sua realidade aplicável a todos os povos. As narrativas universalizantes criadas no contexto europeu são formas singulares de ver o mundo, mesmo que seus teóricos não as vissem assim.
Um exemplo disso é o marxismo, que pensava na questão proletária como universal, mas sequer considerava as questões de raça, fixando-se apenas na oposição entre burguesia e proletariado. Critica também que é necessário quebrar e repensar a universalidade pregada por figuras como Hegel e Kant, visto que tratam esse ponto de forma unicamente europeizada.
Desse ponto de vista, conforme o filósofo, é necessário quebrar a ideia de que há uma cultura que possa ser detentora de toda a razão. O que deve-se pregar é uma horizontalidade das culturas, nenhuma acima e nenhuma abaixo, recuperando e fortalecendo a identidade de cada uma – essa recuperação é uma referência ao processo de colonização, ocorrido na África e nas Américas, que enfraqueceu os signos locais e impôs a lógica europeia – o objetivo é dar ênfase à produção descolonizadora.
Outra questão que suscitaram é o lugar de subalternidade que o Ocidente impõe aos pensadores africanos. Muitos são os estudiosos acadêmicos que falam sobre a questão africana, porém a maior parte que se vê nas universidades são bibliografias escritas por brancos de fora da África ao invés das bibliografias feitas por negros do continente africano.
E isso é uma problemática, já que não há uma diversificação de vozes e sim uma inibição de uma ontologia de pensamentos africanos (ontologia é estudo do ser enquanto ser, é uma ramo da metafísica, estudando a realidade de tudo que é inerente ao homem como razão e formação da consciência). Tornando universal o particular, quebrando assim as demais perspectivas.

Claro que isso gera a dúvida: onde encontrar esses outros autores? como diversificar o pensamento que consumimos? A resposta é bem direta: tem que correr atrás. Esse conhecimento está sendo produzido, ainda que enfrente problemas de crédito e financiamento, e que não esteja nas publicações proeminentes, isso já não é desculpa. Se você quer lê-lo, tem de buscá-lo. É o que Mamadou diz: “Tudo que pode mudar o mundo é custoso”.
Essa lógica não é só para os estudos africanos, mas também vai da valorização da produção de conteúdo brasileiro e sulamericano.
Para exemplificar o ponto acima, Sueli Carneiro, a mediadora, diz que isso acontece porque o racismo é real. Ela conta que quando foi a uma palestra, na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), havia apenas apresentações produzidas por professores brancos acerca da comunicação, o que é grave. “Existem estudos feitos por negros sobre comunicação, a exemplo de Muniz Sodré”, mas esses não eram levados em conta. Finaliza dizendo: “essa ausência é uma negação do nosso saber em produção de conhecimento”.

Dentro da discussão sobre o universalismo, Amy Niang vê a tentativa de encaixar o pensamento africano nessa corrente como uma armadilha, uma distração. O universalismo não faz parte do pensamento africano, “não foi feito para nós”, não há porque buscar legitimação dentro da lógica ocidental, “é necessário possibilitar e levantar nossas próprias perguntas e debates, distante do que é pensado pelo europeu”.

Para o colonizador, o debate sempre foi se as pessoas de pele negra tinham alma, se podiam pensar, não faz sentido tentar provar algo tentando se incluir na filosofia criada por eles e para eles, finaliza ela.
Já Mamadou Ba vê na questão do universal uma oportunidade para enfatizar o que temos em comum: a humanidade. “Não sou universalista, mas sou universal”. Para isso, é necessária a já citada ênfase nas culturas locais. “Nossa singularidade é essencial para pensar um universal com perspectiva global. Sem particular, não há universal”.
Ao final do encontro, em meio a tanto conhecimento trocado, vindo de tantos países diferentes, Amy busca uma lição final dessa visita ao Brasil. O que a sul-africana tenta sintetizar é que o que vale não é apenas estudar o pensamento africano por fazê-lo, mas pensá-lo e tentar vê-lo como uma arma para a luta dos afro brasileiros, um instrumento de força.