por Amanda Manara e Victória Pimentel
apmanara@gmail.com e vic.pimentel.oliveira@gmail.com
Há quase 30 anos, os irmãos Joel e Ethan Coen lançavam Gosto de Sangue (Blood Simple, 1984), primeiro filme em que dividiram a produção, o roteiro e a direção. Em dezembro deste ano, é lançado Inside Llweyn Davis – Balada de Um Homem Comum (Inside Llewyn Davis, 2013), décimo sexto longa de parceria da dupla. Ao longo de três décadas e dezesseis filmes, os Irmãos Coen revitalizaram o cenário do cinema contemporâneo, conquistando a crítica e o público com seus filmes sarcásticos e originais.
Descendentes de judeus, Joel David Coen e Ethan Jesse Coen nasceram na cidade de St. Louis Park, no estado de Minnesota, EUA. E o talento para a produção e direção de filmes já aflorava desde pequenos. Joel chegou a economizar todo o dinheiro que ganhou cortando grama para comprar uma câmera: uma Vivitar Super 8. Os irmãos também costumavam refilmar produções que viam na televisão, como A Prova do Leão (The Naked Prey, 1966). Em sua versão, Ethan chegou inclusive a atuar.
Após se formarem – Ethan, na Universidade de Princeton e Joel, na Universidade de Nova York – os irmãos começaram a se envolver cada vez mais no mundo do cinema. Joel havia se tornado assistente de produção em algumas produtoras e desenvolveu um gosto especial na edição de filmes. Foi aí que ele conheceu Sam Raimi – diretor de filmes como a trilogia Homem Aranha (Spider Man) e Oz: Mágico e Poderoso (Oz: The Great And Powerful, 2013). Raimi procurava um assistente de direção para seu primeiro filme, Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (The Evil Dead, 1981), cargo que ficou para Joel.
Assim, em 1984, os irmãos Coen escreveram e dirigiram seu primeiro filme, Gosto de Sangue. O longa se passa no Texas e conta a história de Julian Marty (Dan Hedaya), dono de um bar que desconfia que sua mulher o está traindo com um de seus empregados. Após contratar um detetive, que acaba confirmando suas suspeitas, Julian propõe que o investigador mate o casal enquanto fica fora da cidade.
Ainda que sempre bem recebidos pela crítica, seus filmes só começaram a conquistar grande reconhecimento na década de 1990 com Barton Fink – Delírios de Hollywood (Barton Fink, 1991). Barton Fink foi a primeira produção da dupla de diretores a arrebatar um prêmio tão estimado como o Palma de Ouro, no Festival de Cannes. O longa narra a história de um escritor de peças de teatro que é contratado por um produtora hollywoodiana para escrever um filme de luta livre. Em meio a um bloqueio de criatividade, Barton Fink (John Turturro) conhece Charlie Meadows (John Goodman), seu vizinho de quarto de hotel, e sua história ganha rumos inesperados – e inimagináveis pelo espectador.
Lançado cinco anos depois, Fargo (Idem, 1996) conquistou o primeiro Oscar da carreira dos Coen, por Melhor Roteiro Original, e o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes. O longa mistura um enredo dramático – que envolve desde um marido planejando o sequestro da própria esposa a uma série de assassinatos misteriosos – com pitadas de um humor bastante particular. Essa mistura do thriller com a comédia é bastante presente nos trabalhos da dupla. Sobram roubos, sequestros, serial killers e suspense. Mas sobra também sarcasmo e muita ironia, o que torna seus filmes muito mais irreverentes. É o caso de Arizona Nunca Mais (Raising Arizona, 1987), E Aí, Meu Irmão Cadê Você? (O Brother, Where Art Thou?, 2000) e O Grande Lebowski (The Big Lebowski, 1998), hoje considerado um clássico cult.
Os crimes, sempre constantes nos enredos, retomam outro elemento muito comum em suas produções: a inspiração nos filmes Noir. Os filmes Noir são suspenses, em geral romances policiais da década de 40. Características deste gênero, como o uso de ângulos de câmera não convencionais, finais deixados em aberto, fracasso do protagonista e, em alguns casos, o uso de narração, aparecem com frequência nas obras de Joel e Ethan. Bons exemplos desta influência são Gosto de Sangue, Ajuste Final (Miller’s Crossing, 1990) e O Homem Que Não Estava Lá (The Man Who Wasn’t There, 2001), que foi filmado em preto e branco, assim como eram os filmes noir.
Versáteis, os Coen se arriscaram também no universo dos remakes. Em 2004 lançaram uma nova versão de Matadores de Velhinhas (The Ladykillers, 1955). A refilmagem, que conta com a atuação de Tom Hanks, no entanto, foi bastante criticada por ser pouco fiel a história original. Já em 2010, a dupla de cineastas surpreendeu ao desenvolver uma segunda adaptação do western Bravura Indômita (True Grit). A primeira adaptação, de 1969, foi estrelada por John Wayne, famoso por seus papéis em filmes de faroeste. O filme narra a aventura de Mattie Ross (Elizabeth Marvel), jovem garota que busca a ajuda de Rooster Cogburn (Jeff Bridges), um caçador de recompensas, para vingar o assassinato de seu pai. Bem recebido pela crítica, o longa foi nomeado a 10 Oscars.
Foi em 2007, porém, que os Irmãos lançaram aquele que seria considerado o melhor filme de suas carreiras: Onde Os Fracos Não Tem Vez (No Country For Old Men). O thriller é baseado no romance homônimo de Corman McCarthy e conta a história de Llewelyn Moss (Josh Brolin), veterano da Guerra do Vietnã. No cenário do que seria uma negociação de drogas, ele se depara com uma maleta cheia de dinheiro e resolve ficar com ela. A partir de então, o protagonista passa a ser perseguido por Anton Chigurh (Javier Bardem), um assassino que faz de tudo para recuperar o dinheiro.
É um filme pouco comercial. Tem o ritmo lento, é silencioso e conta com grandes reviravoltas no enredo – uma das características mais marcantes nas obras dos Irmãos Coen. Mesmo assim, o longa agradou ao público e à crítica e conquistou não apenas um, mas 4 Oscars: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Diretor e Melhor Ator Coadjuvante, pela atuação de Javier Bardem. Arrebatou ainda dois Globos de Ouro – Melhor Roteiro e Melhor Ator Coadjuvante – e dezenas de outros prêmios, sendo o longa mais reconhecido da dupla.
Além disso, os dois cineastas também participaram do filme Paris, Eu Te Amo (Paris, Je T’aime, 2006), conjunto de vinte curtas que se passam em Paris, desenvolvidos por diferentes diretores. Eles são também bastante conhecidos por trabalharem com os mesmos atores em várias de suas produções. John Goodman e John Turturro são veteranos, tendo trabalhado em seis e quatro filmes respectivamente, e em três deles juntos. Steve Buscemi, George Clooney, Jeff Bridges e Josh Brolin também marcaram presença nos longas de Joel e Ethan.
Em dezembro, a dupla lança mais um filme: Inside Llewyn Davis – Balada de Um Homem Comum, desta vez narrando uma semana na vida de um cantor de folk nova-iorquino que busca o sucesso. O longa, que já arrebatou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, promete dar continuidade ao trabalho dos Coen, tão elogiado e significativo para a geração do cinema atual.
Há 30 anos, suas narrativas pouco convencionais e humor ácido vêm contagiando milhares de cinéfilos pelo mundo. Suas histórias cheias de reviravoltas conquistam o público e, sobretudo, surpreendem. Por isso quando se trata de um filme dos Irmãos Coen, é preciso sempre lembrar que, como disse o narrador nos primeiros minutos da primeira obra da dupla (Gosto de Sangue): “Nada vem com uma garantia… Algo sempre pode mudar’’.