Logo no início de O Grande Lebowski (The Big Lebowski. EUA. 1998.), uma metáfora visual inteligente dá o tom da ironia fina que o caracteriza: Lebowski (Jeff Bridges, numa performance indefectível desse “bum”, um vagabundo convicto), na antessala do escritório de um homem rico, para diante de um quadro espelhado da Revista Time onde se lê “homem do ano” e vê sua própria imagem refletida, como se estampada na capa da revista americana.
A aventura de Lebowski, ou “The Dude” como ele prefere ser chamado, é deflagrada por um bando de homens que invadem sua casa e urinam em seu estimado tapete, confundindo-o com um outro Lebowski. Ocorre que o protagonista (herói ou anti-herói, é difícil dizer, porque como se questiona o narrador no início: o que é um herói?) tem como homônimo improvável um milionário, o qual se apresenta como seu extremo oposto na sociedade norte-americana. O outro Lebowski aparece para o espectador, de início, como um self-made man, história viva de superação que enriqueceu sendo paraplégico.
O contraste com o xará marca a construção do personagem preguiçoso, o “homem mais preguiçoso em Los Angeles”, uma espécie de pária, cuja existência é uma afronta aos valores tipicamente ianques. Por isso o contexto político colocado pelo narrador no início não é só um detalhe. O fato de se passar no início dos anos 90, em meio à Guerra do Golfo, é o propósito em torno do qual essa figura peculiar é construída (um hippie remanescente? Um representante tranquilão da contracultura na última década do século XX?), e o que distingue esse trabalho dos Irmãos Coen de um entretenimento banal.
Além desse personagem principal, o filme conta com outros tipos caricatos que interferem na jornada insólita pelo tapete: Walter (John Goodman), companheiro onipresente, o veterano do Vietnã de trejeitos exagerados, obcecado por essa experiência; Donny (Steve Buscemi), o outro amigo que compõe o trio, sempre dizendo o óbvio ululante e sendo cortado por Walter; Bunny (Tara Reid), a jovem esposa/ex-atriz pornô do milionário; Maude Lebowski (Julianne Moore), a bela e excêntrica herdeira do ricaço; as gangues ridículas que invadem continuamente a casa do Dude (como alemães com uma marmota numa coleira, só para citar um dos episódios), o próprio narrador, que se mostra em algumas cenas e é uma inconfundível referência western, entre outros personagens que desfilam um tanto dispersos durante o filme. Em alguns momentos, a sucessão de mal entendidos e acordos (além de todos estes personagens na tela) em que Lebowski se envolve torna-se cansativa, e pode fazer pipocar a possibilidade de que o filme fosse mais enxuto.
O protagonista está na esteira de acontecimentos sobre os quais não tem controle, é joguete de todos, apanha, tem sua casa violada, mas não parece se importar muito no fim das contas, desde que vá levando sua vida. Essa se resume aos jogos de boliche, incontáveis copos de White Russian, rock sessentista e “the ocasional acid flashback”, as viagens proporcionadas pelo uso de drogas (na trilha sonora, The Man in Me do Bob Dylan, é uma das canções que coroam muito bem esses momentos).
No fim, as peças do excêntrico quebra-cabeça começam a se juntar, convergindo todos os tipos esquisitos e situações desencontradas, nessa imitação insana de suspense. Apesar de muitos rodeios, O Grande Lebowski ganha pontos pela comicidade leve e pelos elementos nonsense, que agarram aqueles que gostam do gênero. Vale a pena pelo senso de humor e, ao mesmo tempo, pelo tom de ironia e crítica subjacentes, ao mostrar um anti-modelo americano, um rebelde que não tem pretensão de se rebelar: só vive na resistência pacífica ao corolário do american way of life. Lebowski é um fracassado perfeitamente confortável com seu fracasso, e nós o adoramos por isso.
Juliana Lima
juliana.domingosdelima@gmail.com