Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

A presença LGBTQIAP+ no futebol

Como a comunidade LGBTQIAP+ está inserida no ambiente pouco inclusivo como o futebol e quais os caminhos necessários para a alcançar a democratização do esporte mais popular do Brasil

Reflexo na sociedade brasileira

A homofobia no futebol é estrutural porque está inserida na sociedade brasileira. É isso que o jornalista João Abel traz em seu livro “Bicha! A Homofobia Estrutural no Futebol”. O esporte mais popular do mundo foi inserido no Brasil em 1894 e desde então, o país passou a ser o “do futebol”. 

Bandeirinha com as cores da bandeira LGBTQIAP+ em São Januário
Bandeirinha em comemoração ao mês do orgulho LGBT [ Imagem: Reprodução/Twitter @FluminenseFC]
Com uma base extremamente masculina que está relacionada à proibição da prática do esporte por mulheres por quatro décadas a partir de 1941. O futebol foi moldado nos parâmetros sociais vigentes na época e, até hoje, está longe de ser o mais democrático dos esportes. 

A homossexualidade se insere no ponto em que o futebol deixa de ser para todos. A marginalização de atletas LGBTQIAP+ é reflexo da sociedade brasileira pautada em concepções ditas tradicionais, por ser um país majoritariamente cristão, masculino e pela anterior estipulação da OMS, que considerava a orientação sexual não heteronormativa uma enfermidade

A perpetuação da figura do “boleiro” estereótipo, hétero, pai de família e portador de uma masculinidade forte, também é barreira para esses atletas ocuparem espaços em campo. “Tudo isso acabou sendo colocado numa caixa que a gente chama de cultura do futebol”, diz João Abel.

Isso que é chamado de cultura do futebol, desenvolveu-se no decorrer da construção da sociedade brasileira nos parâmetros tradicionais. Inserido nesse contexto, o futebol não foi isento de toda carga sociocultural existente no país, que conta com estereótipos, machismo e normalização da LGBTfobia. 

Com esses impeditivos, a falta de atletas gays, trans e outros provém de diversas camadas de homofobia e machismo velado, incorporadas na construção da sociedade de um dos países que mais mata LGBTs no mundo. E, devido ao afastamento deles, o futebol perde em talento, qualidade e em cifras. 

“Para ser um time do povo, precisa ser de todos”, diz a Fiel LGBT em um posicionamento no Instagram. Esse é o patamar que deve ser atingido pelo futebol em sua potência política e democrática, já que o esporte alcança um grande número de espectadores em função de sua popularidade. 

Um dos meios para tornar o futebol mais democrático é a ocupação popular e melhorias na administração no interior dos clubes. Uma torcida abarca qualquer pessoa, de qualquer classe, gênero, etnia ou orientação sexual, assim, se ela tiver poder dentro da equipe, consequentemente ele terá maior representatividade. Uma boa governança, ao lado de coletivos e torcidas engajadas, podem encaminhar o futebol brasileiro para a superação de preconceitos históricos e sistêmicos do país.

 

Jogadores LGBT’S 

 O futebol nunca será só futebol. Assim como na sociedade, a cultura do futebol é regida pelos mesmos padrões. Embora os detentores de poder e influência manifestem um desejo de desvinculação do esporte com a sociedade, cultura ou política, não é possível que se faça essa distinção.

Em seus princípios, esse esporte era praticado apenas por homens, brancos e de classes econômicas mais elevadas. Sobretudo no Brasil, essas características sempre fizeram-se marcantes em suas origens. A população mais pobre, mulheres e negros conquistaram seus direitos no esporte muito tempo depois, após inúmeras lutas. 

As chamadas minorias, mesmo agora que não sejam cerceadas da prática esportiva de maneira explícita, ainda possuem diversos impedimentos intrínsecos ao meio do futebol. Além disso, casos de racismo e machismo no esporte da bola redonda mantêm-se recorrentes.

Com isso, o futebol não é tão belo quanto parece, pessoas que são excluídas de certa forma da sociedade, são ainda mais impedidas nesse esporte. A comunidade LGBTQIAP+, muito marginalizada em diversos contextos sociais, passa ainda mais longe, se falarmos de ativos diretos nos clubes de futebol, como atletas, treinadores ou em cargos administrativos. 

Antes de tudo, é necessário apontar que esse estigma em relação à comunidade está diretamente ligado ao futebol masculino. Na modalidade feminina as atletas expõem sem problemas sua orientação sexual e posicionam-se efetivamente na luta por um esporte mais democrático. Inclusive, Marta, a maior jogadora da história, é aberta acerca de sua sexualidade, além de Rapinoe, Cristiane, Nadine Angerer, grandes atletas da modalidade.

O futebol masculino possui raros exemplos de jogadores LGBTQIAP+ que tornam pública a sua orientação sexual. É possível dizer que não há nenhum jogador em atividade de notoriedade mundial que fale abertamente sobre, muito por conta de um conjunto de fatores que atrapalham essa liberdade. Por que no cenário de esportes como o futebol, praticado majoritariamente por homens, não há atletas, treinadores, diretores LGBTQIAP+? 

Os poucos exemplos do futebol ou outros esportes que têm sua cultura extremamente masculina possuem, não são encorajadores para quem deseja tornar pública sua orientação sexual que seja diferente da heterosexualidade. Talvez o mais simbólico deles seja o de Justin Fashanu

Justin Fashanu [Imagem: Reprodução / Flickr]
João Abel explica a relevância de Justin: “Ele foi o primeiro jogador homossexual, o caso dele é muito emblemático. Quando você pensa o que sofreria um jogador quando assumisse a homosexualidade […] Ele sofreu rejeição nos clubes por técnicos, colegas e teve a carreira bastante prejudicada.”

Justin Fashanu foi um jogador promissor inglês, que surgiu e despontou no mundo do futebol atuando pelo Norwich City. A vida de Justin nunca foi fácil, muito novo foi abandonado pelos pais e, por ser negro, sofreu muito com o racismo durante a sua vida. Além disso, foi o primeiro atleta inglês a dizer que era gay.

Justin começou muito bem a carreira atuando pelo Norwich, até ser contratado pelo Nottingham Forest pelo valor de £ 1 milhão, tornando-se o jogador negro mais caro do futebol inglês. Naquele momento, o time de Nottingham havia acabado de vencer 2 vezes a Champions League, comandados pelo técnico Brian Clough, que viria a ser um pesadelo na vida de Fashanu.

Nesse momento da carreira, o jovem atleta estava envolvido em diversos rumores da imprensa inglesa, e alegações que ele frequentava boates gays, além dos comentários e “piadas” presentes no ambiente do futebol. Em conjunto disso, o garoto não rendeu o que se esperava e oscilou muito no seu primeiro ano na equipe.

O técnico Brian Clough, muito conservador em seus costumes e sem paciência para o desenvolvimento técnico do jovem, decidiu afastar o atleta. Por conta dos boatos sobre a vida pessoal, o treinador proibiu-o até mesmo de treinar com o restante do elenco profissional do Nottingham Forest. Após isso, Justin Fashanu passou a rodar por diversas equipes.

Justin tinha muito potencial e era muito carismático, mas o racismo e rumores sobre sua sexualidade sempre perturbaram a vida e carreira do jogador, a sociedade inglesa era muito dura com ele. No esporte, não conseguiu destaque em mais nenhum outro clube, além de sofreu com lesões. Em sua vida pessoal, buscou refúgio na Igreja após essa queda.

Fashanu sempre esteve na mídia por conta do questionamento sobre sua orientação sexual, no entanto, nunca havia admitido algo concreto. Em 1990, o jogador decidiu conceder uma entrevista ao famoso jornal The Sun. Foi aí que ele se tornou o primeiro jogador inglês assumidamente gay, indo de encontro com toda a cultura presente no meio do futebol.

Após isso, Justin sofreu muito com a homofobia no meio futebolístico e da sociedade como um todo, nem mesmo seu irmão o apoiou. Vale lembrar que ele e o irmão John eram muito próximos e, principalmente pelo abandono dos pais, sempre estiveram juntos. 

Se a carreira de Justin já estava em declínio, depois de ele expor abertamente que era gay, ela praticamente chegou ao fim. Anos depois, após rodar por mais alguns clubes pouco relevantes, mudou-se para os Estados Unidos para tornar-se treinador. O que poderia ser um recomeço para a dura vida de Justin Fashanu, só antecipou seu fim.

Em 1998, Fashanu foi acusado de estupro por um jovem de 17 anos. Além disso, é necessário apontar que em Maryland, o estado em que estava, a homosexualidade era considerada um crime na época. Antes mesmo da acusação perpetuar-se, Justin fugiu para a Inglaterra temendo ser incriminado pela justiça norte-americana.

Na Inglaterra, pouco tempo depois, o ex-jogador foi encontrado morto em sua casa, foi constatado um suicidio. Antes de partir, Justin Fashanu deixou uma carta, nela, ele disse que não agrediu sexualmente o jovem e que tudo tinha sido consensual. Entretanto, sabia que já havia sido considerado culpado e que não havia outra saída.

Justin comenta ainda que fugiu porque nem sempre a Justiça é justa e sentia que seu julgamento seria afetado por sua homosexualidade. Esse foi o fim de uma história conturbada de alguém que teve sua vida e carreira cerceadas pela falta de liberdade.

Outros jogadores merecem destaque. Um deles é o Thomas Hitzlsperger, o meio-campista alemão com passagem notória pelo Stuttgart. Thomas, só falou abertamente sobre sua homosexualidade em 2014, após ter se aposentado, evitando sofrer no mundo do futebol.

O posicionamento de Hitzlsperger é importante porque o atleta chegou a disputar a Copa do Mundo de 2006 com a seleção alemã, ainda que tenha tido sua carreira abreviada por conta das lesões. O ex-atleta disse ter tomado a decisão de expor sua sexualidade esperando que essa pauta avance no meio esportivo profissional.

Os norte-americanos Collin Martin e Robbie Rogers são mais alguns exemplos de jogadores que falaram publicamente sobre suas sexualidades. Rogers logo se aposentou após seu pronunciamento e Martin segue atuando profissionalmente, no modesto San Diego Loyal.

No Brasil, um dos poucos jogadores de futebol masculino LGBT conhecidos publicamente, se não o único, é Messi, um goleiro que tem passagem por pequenos clubes do Rio Grande do Norte. É importante ter algum exemplo de atleta que fale sobre sua homosexualidade, mas também é necessário que o contexto seja considerado.

Messi atua discretamente no campeonato potiguar, alternando entre as divisões. É um contexto muito pequeno, longe da grande exposição midiática e distante dos grandes clubes e torcidas fervorosas. O jogador é emblemático por ser o único conhecido em solo brasileiro, mas ainda é muito pouco.

Recentemente, uma situação chamou atenção dos holofotes da mídia inglesa e mundial. No ano de 2020, uma carta anônima foi publicada pelo jornal The Sun, da Inglaterra. No documento, um atleta que atua pela Premier League, mais alto escalão do futebol inglês, discorre sobre o sofrimento e insegurança que perpassam sua vida, além do medo da recepção do meio futebolístico sobre sua sexualidade.

Na carta, o atleta revela como essa questão impacta seu psicológico, ao passo que o futebol sempre mostrou-se muito restrito à comunidade LGBTQIAP+. Poucos amigos e familiares sabem sobre isso, o jogador afirma ter medo de como seria a visão dos treinadores, outros atletas e da torcida e diz não se sentir pronto e acolhido para tornar pública sua orientação sexual.

“Ele é um jogador da primeira divisão do futebol inglês, que é um campeonato que anualmente faz uma campanha de apoio à comunidade LGBT, e mesmo assim ele não sente esse acolhimento suficiente para dizer que é gay”, diz João Abel, sobre a intensidade do problema. 

Os atletas LGBTQIAP+ sofrem muito nesse contexto, a carta ainda revela os problemas que o jogador tem de manter um relacionamento ou conhecer outras pessoas por ter de viver em segredo. “Por que arriscar tudo?”, é o que sempre passa pela cabeça do esportista quando ele pensa em dar esse passo, evidenciando o meio pouco inclusivo que é o futebol.

 

Combate a LGBTfobia no futebol 

Em 17 de maio de 1990, a homossexualidade deixou de ser considerada uma patologia pela OMS. A partir de então, o décimo sétimo dia de maio é dedicado ao combate à homofobia. Aos poucos, cada vez mais times brasileiros passaram a se posicionar contra a LGBTfobia, em relação aos anos anteriores. 

O engajamento nas redes e a necessidade de conscientização resultaram em posts com frases do tipo: “O futebol veste todas as cores”, “Amor de verdade não tem divisão” e ainda, “O Galo é o time do amor.”. Mas, foi só a partir de 2017 que os times da elite do futebol brasileiro passaram a desenvolver os posts e os posicionamentos nas mídias. 

Após o episódio de LGBTfobia dirigido ao economista e ex-BBB Gil Nogueira, a discussão se fez mais urgente. A homofobia partiu do conselheiro do Sport Club do Recife, que criticou um vídeo em que Gil aparece dançando no gramado da Ilha do Retiro e disse “1,2 milhão de pessoas achando que o Sport só tem viado’’, o que só reforça o fato de ser uma questão estrutural. 

A popularidade do futebol não impede que indivíduos da comunidade sejam discriminados devido a fatores como o machismo e a imposição do padrão heteronormativo. A naturalização desses comportamentos reverbera na maneira como a homossexualidade é vista dentro e fora dos campos. 

E mesmo com as pautas sociais sendo mais frequentemente abordadas no futebol, a inclusão dos atletas LGBTQIAP+ ainda é um tabu, e eles dificilmente ocupam posições em campo nos times masculinos. 

Xingamentos, músicas, cânticos, o desprezo e o não reconhecimento de pessoas LGBTs, convergem para a normalização da violência e o consequente afastamento de atletas e torcedores dos estádios. Isso é bastante prejudicial no que se refere à saúde psicológica dos jogadores, que são impedidos de serem quem eles realmente são, por ainda não haver total possibilidade de expressão das individualidades no ambiente do futebol sem os estigmas e o preconceito. 

Para suprir a deficiência da inclusão de atletas LGBTs, algumas ligas foram desenvolvidas. A LGNF ou LiGay foi criada em 2017 e já possui 4 edições. Com mais de 45 equipes filiadas e com aproximadamente 1500 atletas — de acordo com Josué Machado, presidente da Ligay — ela faz sucesso por possuir os campeonatos regionais e brasileiro. Com times como o Barcemonas, o Pará é o estado com mais equipes inscritas na competição. 

Chaveamento dos confrontos entre os times da Ligay [Imagem: Reprodução/Instagram @ligaybr]
A atitude de jogadores como a do atacante argentino Germán Cano de levantar a bandeira LGBTQIA +. Posicionamentos de grandes jogadores como Manuel Neuer e Antoine Griezmann contra a homofobia. A venda de camisetas de times estampadas com as cores da comunidade LGBTQIAP+. A responsabilidade social de se posicionarem nas redes pelo fim da LGBTfobia e a inclusão desses atletas.

 

O papel da torcida

A torcida, como porta voz e incentivadora dos times, possui responsabilidades sociais.. Só que o quadro observado está longe de ser favorável para a comunidade, já que os comportamentos agressivos e homofóbicos ainda se fazem presentes nas torcidas brasileiras. 

O maior exemplo disso é a utilização de termos pejorativos por parte dos torcedores com intuito de atacar torcidas rivais, a arbitragem, os jogadores dentro e fora de campo e a comissão técnica. Isso somado a “brincadeiras” e “trocadilhos” resultam no ambiente pouco receptivo e inclusivo do futebol. 

A necessidade da aceitação e fim do preconceito vai de encontro com casos “naturalizados”, como é de praxe a torcida gritar “bicha” quando o goleiro oponente vai bater o tiro de meta ou quando o jogador vai cobrar escanteio. No microverso do esporte mais popular do Brasil, essas são atitudes que acabam se estendendo em partidas internacionais. 

O caso da partida pela Copa América 2019 entre Brasil e Bolívia, que resultou na multa da CBF, de apenas U$ 15 mil ou R$ 79.062,00 na cotação atual do dólar, depois de a torcida brasileira no Morumbi ferir o regulamento disciplinar da Conmebol, é um exemplo da repercussão de tais atitudes no macro do futebol. 

A época de normalização de xingamentos e outras formas de violência direcionadas aos jogadores e aos torcedores do time oponente está longe de ser superada. Por isso, hoje, espera-se a advertência desses atos, já que um Projeto de Lei 81/20 — com a finalidade de multar clubes caso os torcedores pratiquem a conduta criminosa — tramita na Câmara. Além de já existir a decisão do STJD (Supremo Tribunal de Justiça Desportiva) de punir condutas homofóbicas. É assim que, aos poucos, a homofobia passa de uma atitude corriqueira, para ter sua devida correção. 

Porém, se, por um lado, aproximadamente 64 atletas da série A são favoráveis às punições, alguns clubes argumentam contra a generalização do crime de homofobia. E nesse cenário, o lugar de fala dos coletivos LGBTs é instalado. As torcidas engajadas potencializam a luta contra a lgbtfobia e são meios que o futebol encontrou para reverter a situação dentro e fora de campo. 

A relevância histórica da torcida Coligay — pioneira em levantar pautas sobre orientação sexual durante a ditadura militar —, é destaque no papel das torcidas e na importância delas para a democratização do esporte. A primeira aparição do coletivo ocorreu num jogo entre Grêmio e Santa Cruz-RS em 1977, e contou com aproximadamente 60 torcedores. 

Foto da Coligay [Imagem: Reprodução / Instagram: @coligaymemoria]
Seis anos depois, a torcida organizada teve seu fim, porém seu legado influenciou a organização de outros grupos defensores de causas LGBTs. Um exemplo é a Flagay, do Flamengo, que em 1979 seguiu os mesmos passos da pioneira torcida organizada do Grêmio. 

Mais recentemente, através das redes sociais, o Galo Queer liderou manifestações favoráveis às causas homossexuais. Outros grupos também se utilizam desse meio, que é o caso do coletivo Fiel LGBT, o qual denuncia discriminações e atitudes lgbtfobicas, além de buscar pelo ambiente inclusivo e seguro não só para atletas, como para torcedores LGBTQIAP+. Além do coletivo LGBT Tricolor do Bahia, que já apresenta pautas mais sociais e públicas, indo além da inclusão de gays, ao abordarem algumas questões voltadas à democracia e ao movimento “ANTIFA”.

“Futebol é para todes! […] temos uma longa jornada pela frente na luta contra o preconceito e a LGBTfobia no futebol, mas temos dado passos importantes!”, diz o coletivo LGBT Tricolor do Bahia em um tweet. 

Lista de clubes com coletivos LGBTQIAP+ no Brasil
Lista de times que possuem coletivos LGBTs [Imagem: Reprodução / Twitter: @lgbtricolor]
 

Estrutura dos clubes

O futebol é construído por diversos aspectos, atores e organizações que culminam em algo maior e mais completo. Cada fator tem certa predominância e influencia diretamente o esporte, seja atleta, torcida, clube, confederação, todos têm seu valor e impactam na construção da cultura do jogo.

É evidente que os clubes, sobretudo brasileiros, também são responsáveis pela exclusão de atletas, treinadores e torcidas LGBTQIAP+. Se há uma ilusória visão de que o futebol é um esporte democrático, de união e inclusão, essa visão tem os clubes como grandes agentes. Afinal, nos dias atuais, qualquer clube quer ser “O Clube de Todos”.

Os clubes de futebol perdem, e muito, com a falta de inclusão de LGBTs em sua estrutura. Diversos talentos são desperdiçados pelo futebol, que nunca mostra-se convidativo e aberto para jogadores não heteros. Muitos atletas que fogem desse padrão de masculinidade e heteronormatividade  não se sentem confortáveis para seguir essa carreira.

Além disso, há o questionamento sobre quantos atletas podem ter sido boicotados antes mesmo de ingressarem no esporte pela exclusão dos clubes. Até mesmo nos profissionais, existem os que mantêm sua orientação sexual em segredo, mas não são livres psicologicamente. A carta do atleta da Premier League ao The Sun exemplifica isso, o desempenho do jogar futebol pode ser afetado ou o que é pior, sua sanidade mental.

Os clubes também perdem uma parcela da torcida, excluída dos estádios ou má representada pelo time que torce. As arquibancadas nunca foram livres e esses torcedores podem ser retaliados pelo restante da torcida, que talvez não seja reprimida pelo clube.

Os times de futebol prezam pelo lucro e muitos deles atuam praticamente como empresas. Essas políticas restritivas perdem muito em não direcionar algo para a comunidade LGBTQIAP+, seja pela visão de mercado em ações afirmativas ou por não venderem produtos com maior apelo à essa parte da torcida. “Os clubes estão perdendo dinheiro, porque eles estão deixando de lado uma parcela do torcedor que sempre gostou de futebol”, relata João Abel

O Vasco da Gama, que lançou uma camisa especial no mês de orgulho LGBT é um exemplo disso. Além de abraçar parte de sua torcida e chamar a atenção da comunidade para o clube, pelo sentimento de representatividade, o cruzmaltino vendeu as unidades das camisas em um tempo extremamente curto.

Camiseta em comemoração ao mês do orgulho [Imagem: Reprodução / Instagram: @vascodagama]
Se os clubes são grandes responsáveis por essa cultura restritiva do futebol, eles também podem ser grandes expoentes para reverter esse cenário. Os times têm o poder de abrir as portas e fazer ações para tornar o ambiente mais inclusivo de diversas formas, seja pela aproximação com a torcida e comunidade LGBTQIAP+, ou  ao incentivar atletas a se manifestarem.

“Além das quatros linhas, os clubes profissionais e as pessoas que comandam o futebol precisam mudar sua postura, reconhecendo que o futebol é um esporte machista, homofóbico, misógino e racista”, diz Josué, sobre como  é o ambiente do futebol, e completa: “Detectando isto, é necessário fazer campanhas educando seus torcedores e incentivar a tolerância e o respeito à diversidade dentro e fora de campo.”

Já é possível notar uma melhora, mesmo que gradativa. Nos últimos anos, os clubes vêm aumentando aos poucos seus posicionamentos, como retrata o levantamento do Canarinhos LGBT no ano de 2021.

Lista de times que se posicionaram ou não no dia do orgulho LGBTQIAP+
Mapeamento dos clubes brasileiros que se posicionaram [Imagem: Reprodução / Twitter: @Canarinhoslgbt]
Esses números ilustram um pouco sobre essa ligeira mudança, e servem como um pequeno fio de esperança. Mesmo que lentamente, os times parecem entender o papel deles para tornar o esporte mais livre, apesar de ser necessária a pressão e mobilização. 


Cenário atual, projeção e possíveis mudanças
 

O mundo aos poucos parece entender que não há mais espaço para discriminação e preconceito e os movimentos que visam tornar uma sociedade mais justa crescem a cada dia. Desse modo, em conjunto de muita resistência e luta, em pequenos passos a mudança está sendo feita. Josué relata como o trabalho realizado pela Ligay é importante para gerar reflexões, mas entende que  : “Ainda é um caminho longo a ser trilhado, que ainda existe muita homofobia no futebol e que isso não acabará tão cedo.”

O esporte segue esse rumo, mesmo em um ambiente tão fechado e masculino. Algumas pequenas manifestações e ações estão acontecendo mais do que em qualquer outro momento da história do futebol, a utilização de faixas de capitão com as cores da bandeira LGBTQIAP+ e posts em redes sociais. Embora sejam simples, representam um pouco dessa mudança. Apesar de uma parcela dos “boleiros” ainda mostrar-se muito conservadora, a abertura para o posicionamento dos atletas está maior.

Há poucos anos, se um jogador de futebol se posicionasse a favor da causa LGBTQIAP+, muito provavelmente sofreria com retaliações no meio futebolístico, em especial no território brasileiro. Mais atletas têm declarações sobre o assunto, como o goleiro Neuer, que há muito tempo usa sua voz, Deeney, atleta do Watford, o sueco Ekdal e o atacante francês Griezmann, indicando essa alteração no cenário.

Manuel Neuer em uma partida pela UEFA Eurocopa [Imagem: Reprodução / Twitter: @InstantFoot]
A atitude dos jogadores pode ser fundamental, como diz Josué, da Ligay: “Em campo, os atletas precisam falar mais sobre aceitação, apoiar a diversidade, terem atos de mais respeito ou não utilizarem xingamentos homofóbicos com outros atletas, até o simples ato de usar a camisa 24 já faz uma diferença enorme.” 

As atitudes dos atletas e Confederações durante a Eurocopa 2020 proporcionaram esperança para os LGBTs no meio futebolístico. Enquanto na Hungria uma lei homofóbica estava sendo aprovada, os atletas de outros países mostravam-se contrários à essa atitude. Inclusive, a Alemanha teve o interesse de iluminar o estádio em que os alemães e os húngaros se enfrentariam com as cores da bandeira LGBT, o que acabou sendo proibido pela UEFA. Durante o jogo, um torcedor invadiu o gramado com a bandeira e posou em frente aos atletas da Hungria.

Torcedor com a bandeira LGBTQIAP+
Torcedor invade jogo entre Alemanha e Hungria em sinal de protesto  [Imagem: Reprodução / Twitter: @GObservatorio]
Algumas situações que ocorreram em solo brasileiro também promovem novas expectativas. No mês do Orgulho LGBT, o Vasco foi um dos clubes que mais se posicionou no futebol brasileiro, incluindo lançamento de camisa e comemoração marcante de Germán Cano. No entanto, na mesma semana em que o clube se manifestava, o capitão da equipe Leandro Castán, publicou em suas redes sociais um foto com uma legenda sugestiva. 

Na publicação, o zagueiro cruzmaltino utilizou passagens bíblicas que foram interpretadas como opositoras ao movimento que o seu próprio time estava promovendo. A atitude não foi bem aceita pela torcida, que relatou a postura do capitão do Vasco como contrária ao que foi defendido pelo clube. Poucos dias depois, Castán apagou a publicação. 

O desenrolar revela que mesmo que ainda aconteçam situações consideradas homofóbicas, elas não são mais aceitas como já foram um dia, como João Abel confirma: “Que bom que tem uma pressão externa, porque se as pessoas não se conscientizam, ao menos elas entendem que não podem mais agir dessa forma, elas podem se posicionar, mas não de uma maneira preconceituosa.”

No próprio Vasco, houve um exemplo que pode gerar um pouco de esperança, em especial pela atitude ter sido realizada por um jovem. JP (João Pedro Galvão), atleta que ingressou há pouco tempo no elenco profissional, publicou uma foto com suas duas mães — como ele mesmo descreveu. Na legenda, JP apresenta a mãe com sua companheira e expressa o orgulho sobre essa relação retratada pelo amor e felicidade.

Se o esporte reflete o que acontece na vida em sociedade, o mundo fora das quatro linhas está mudando e o preconceito é cada vez menos tolerado, situação que deve ser espelhada no meio esportivo e futebolístico. O processo de mudança não é simples, mas deve ocorrer gradualmente em uma sociedade e futebol mais igualitários e inclusivos. Todos os avanços sociais ocorreram em conjunto da luta e mobilização, para os LGBTQIAP+ estarem mais presentes no esporte, isso não é diferente.

João Abel entende a situação com otimismo: “Hoje, a gente tem um cenário, apesar de todo o contexto político e social do país, de alguns avanços em relação ao que a gente tinha há dez, quinze, vinte anos atrás. Então entendo que a gente tem muitos avanços para conquistar ao longo dos próximos anos.”

Os discursos e posicionamentos de atletas do mais alto escalão do futebol mundial mostram-se mais recorrentes nos últimos anos. É provável que se uma grande estrela declarar apoio mais forte ao movimento o cenário seja alterado positivamente. Além da opinião de um grande nome, se um jogador conhecido internacionalmente falar sobre sua orientação sexual sendo diferente de hétero, algumas portas podem ser abertas.

“O próximo passo, que eu acho que a gente verá em breve, é exatamente a questão do atleta de grande exposição de futebol masculino falando abertamente sobre isso. Não sei quem vai ser, quando vai ser, mas isso pode gerar uma onda de repercussão”, diz João Abel ao projetar algumas próximas ações.

Fugir da heteronormatividade e tornar pública uma orientação sexual diferente é muito difícil em um ambiente como o futebol. Uma possível exposição deve ser pensada e bem trabalhada pelo atleta em questão, não por pressão, mas com o próprio jogador sentindo-se confortável. Uma abertura pode ser delicada no início, entretanto, poderia encorajar outros jogadores e dar início a um grande movimento.

A partir de pequenos passos e conquistas diárias, na sociedade e no esporte, a luta não deve cessar. Com isso, o futebol deve estar o mais próximo possível da união, inclusão e diversidade, que tantas vezes são mencionadas como sua essência, mas historicamente deixam a desejar.

[Imagem: Reprodução/Instagram @vascodagama]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima