àPor André Netto e Maria Laura López
Daniel Dias, o brasileiro com o maior número de medalhas em Paralimpíadas dentre todas as modalidades, completa 30 anos em 2018. O Arquibancada conversou um pouco com o atleta sobre a incrível carreira como nadador e seus projetos para o futuro.
Como tudo começou
Quando Rosana de Farias Dias descobriu que seu filho não tinha os pés nem as mãos, ela jamais poderia imaginar a linda história que se seguiria. Daniel nasceu pesando míseros 1,970 kg e com apenas 41 cm. Trinta anos depois, seu filho tornou-se um ícone do esporte paralímpico brasileiro, servindo de exemplo para milhares de jovens que buscam a superação através do esporte.
Daniel Dias nasceu no dia 24 de Maio de 1988, em Campinas, mas passou sua infância e adolescência na pequena cidade de Camanducaia, em Minas Gerais. Desde pequeno, seus pais, Rosana e Paulo, incentivaram seu filho único para que sua deficiência não o impedisse de realizar as atividades que queria. Assim, a malformação congênita dos membros superiores e da perna direita de Daniel nunca foi considerada um empecilho para ele. Em entrevista, o nadador relatou: “Desde criança tentei encarar como algo natural. Meus pais me mostraram que eu poderia fazer tudo e que havia igualdade, aprendi a viver assim”.
Dessa forma, ele sempre praticou os mesmos esportes que seus amigos, como futebol, basquete e vôlei. Esse vigor apresentado pelo menino fez com que ele quebrasse inúmeras próteses na escola, e as ligações da diretora avisando os pais que Daniel havia “quebrado a perna” eram frequentes.
E foi aos 16 anos, vendo Clodoaldo Silva, o tubarão das piscinas, competindo nas Paralimpíadas de Atenas em 2004 – ganhando nada menos que 6 medalhas de ouro – que Daniel Dias começou a se imaginar nas raias. Na mesma época, seu pai assistiu a uma palestra sobre esporte para deficientes físicos, e conseguiu contatos para levar seu filho para a ADD (Associação Desportiva para Deficientes), onde recomendaram a natação para Daniel.
A carreira
A partir de então, o jovem atleta passou a se dedicar ao esporte. Treinou pesado por dois anos e já em 2006 conseguiu vaga para o mundial de Durban na África do Sul. Daniel demonstrou todo o seu potencial: faturou três ouros (100 m livre, 200 m medley e o revezamento 4×50 m medley) e duas pratas (50 m peito e 50 m borboleta). O brasileiro competiu nas categorias S5, SB4 e SM5, que são feitas para melhor equiparar os atletas de acordo com suas deficiências. Na natação, o “S” significa swimming e engloba os nados livre, costas e borboleta; “B” remete a backstroke (nado Peito) e “M”, medley. Os números representam o grau de deficiência do atleta, sendo que quanto menor o número, maior o grau de deficiência.
No ano seguinte, o nadador disputou o seu primeiro Parapan no Rio de Janeiro, e não decepcionou os torcedores brasileiros: conquistou oito medalhas de ouro, superando inclusive seu ídolo Clodoaldo Silva. Os dois ainda nadaram juntos depois e se tornaram grandes amigos. “Tenho grande respeito por ele e ter conquistado marcas e recordes é uma consequência natural do esporte. Alguém vai quebrar meus recordes também”.
Mas as conquistas do atleta só estavam começando, e foi assim que as pessoas começaram a ter mais conhecimento do esporte paralímpico e de seu potencial: “Acredito que este reconhecimento começou quando as grandes conquistas esportivas chegaram, em 2008, o que ajudou a abrir portas para que possamos transmitir mensagens ao público sobre a valorização da pessoa com deficiência”.
De fato, não se pode ignorar suas conquistas na primeira participação paralímpica: foram quatro ouros, quatro pratas e um bronze, subindo ao pódio em todas as provas que disputou. Ainda, bateu três recordes mundiais e um recorde olímpico, que o levaram a ser conhecido em todo o país. Após grandes participações no Mundial de 2010 e no Parapan de Guadalajara em 2011, conquistando 19 ouros e uma prata, Daniel chegou para as Paralímpiadas de Londres como grande estrela do Brasil. Não conseguiu o mesmo número de medalhas obtido em sua primeira participação, mas, todas as 6 vezes em que subiu ao pódio, ele esteve no lugar mais alto e ouviu o hino brasileiro.
O nadador passou, então, a se preparar para as Paralimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. A vontade de fazer bonito em casa era grande. Nos mundiais de 2013, em Montreal, e 2015, em Glasgow, o atleta conquistou nada menos do que 16 medalhas, sendo 13 de ouro e três de prata. A última grande competição antes da Paralimpíada do Rio foi o Parapan de 2015, em Toronto, no qual subiu oito vezes ao lugar mais alto do pódio.
Nove anos depois do Parapan do Rio, Daniel voltava a uma grande competição em casa, e não decepcionou aqueles que foram assisti-lo: o atleta levou quatro ouros, três pratas e dois bronzes, conquistando medalhas em todas as provas que disputou. Se para os torcedores, sediar esse evento já foi incrível, para o nadador o sentimento foi ainda maior: “A emoção de nadar a competição mais importante, com a minha família na arquibancada, meus filhos e esposa pela primeira vez me acompanhando de perto, e toda aquela torcida brasileira gritando por mim, foi emocionante”. E completou: “Pela primeira vez eu pude escutar a torcida debaixo da água. E subir ao pódio com uma medalha de ouro e ouvir o hino me fez chorar também”.
O nadador ainda falou, ao Arquibancada, um pouco sobre como é ser o maior medalhista do esporte paralímpico dentre todas as modalidades: “É uma grande honra chegar a este título. Me abdiquei de muitas coisas para a carreira no alto rendimento, mas com certeza é gratificante. Levar o Brasil ao topo do pódio e ser referência é muito bacana”.
E revelou também qual a medalha de que mais tem orgulho “Eu gosto muito de falar da minha primeira medalha. Uma de honra ao mérito que ganhei na escola em um concurso de pintura. Naquele momento descobri que eu era capaz, que não existia o preconceito dentro de mim me dizendo que eu não posso fazer”.
Dificuldades do esporte paralímpico
Conseguir patrocínio para atletas olímpicos já é naturalmente difícil por conta da alta competitividade entre eles. No caso dos competidores paralímpicos a dificuldade ganha outro fator: o pensamento preconceituoso da maioria das empresas que ainda não enxergam o esporte paralímpico como boa ferramenta de marketing e, por isso, não investem com patrocínio. “É uma pena, mas é a realidade brasileira”, diz Daniel.
O atleta ainda falou um pouco sobre a falta de engajamento da mídia para divulgar o esporte paralímpico como um todo, não só a natação. “Assim como eu vi o Clodoaldo e comecei a nadar, quantos outros não poderiam começar se tivessem assistido minha prova do Rio, por exemplo?”. No entanto, o medalhista também ressalta o caminho já percorrido em prol da valorização do esporte e que, mesmo em uma velocidade baixa, já melhorou muito.
O que o futuro reserva
Agora, completando 30 anos, o nadador não parece diminuir o ritmo.“Estou me preparando para estar nas Paralimpíadas em Tóquio 2020, e quem sabe Paris 2024?”. Um alívio para o Brasil que pode contar com o recordista por mais um tempo: “Vou me esforçar para melhorar minhas próprias marcas, pois encaro que meu grande adversário sou eu mesmo”, reforçou.
Quando perguntado sobre o pós-carreira, o atleta diz ter vários planos, mas que por enquanto deve continuar focado na alta performance. Dentre o espaço aberto para poucos programas além da natação, está o Instituto Daniel Dias (IDD). Com atuação na cidade de Bragança Paulista, o projeto visa contribuir para que a natação paralímpica cresça e novos talentos sejam descobertos. “O esporte pode abrir portas para que possamos transmitir mensagens ao público sobre a valorização da pessoa com deficiência e desmistificar o preconceito que ainda existe na sociedade brasileira”.