Um clássico da ficção científica, Metrópolis (Editora Aleph, 2019) é um romance que concilia elementos geralmente vistos como conflitantes: a distopia das máquinas e o desenvolvimentismo das sociedades com a religião e o místico. Essa combinação pode causar estranhamento e até confusões durante o curso da narrativa, mas ao final fica clara a atribuição dessas ideias na obra.
Escrito por Thea Von Harbou, o livro serviu como base para o roteiro do filme homônimo que a autora adaptou em 1927 junto ao seu marido, na época, Fritz Lang. Tudo começa com um romance um tanto inesperado: Freder, o filho do grande cérebro da cidade-Estado Metrópolis, se apaixona por uma jovem que cruza o seu caminho e o critica, mais especificamente, o estilo de vida da elite. A cena não é muito longa, e se resume à jovem passeando com um grupo de crianças e apontando para os filhos dos abastados, denunciando-os — “Vede, estes são vossos irmãos!”. No entanto, esse momento proporciona reflexões profundas em Freder, acerca da grande importância dada às máquinas na cidade e o descaso com os trabalhadores que as alimentam.
Após questionar Joh Fredersen, seu pai, sobre o assunto, que defende que a natureza dos homens é falha e, por isso, devem ser subjugados a tais trabalhos, Freder resolve usar o seu privilégio para fazer alguma diferença. O jovem ajuda e se alia ao ex-Primeiro secretário de Metrópolis, Josafá, e troca de identidade com um operário durante um turno. Com o decorrer da história e, principalmente, de acordo com o que acontecia com Maria — a jovem por quem estava apaixonado —, Freder não se mantém fiel a sua postura inicial. Isso causa sofrimento a si mesmo e aos personagens próximos a ele, o que pode ser explicado pela frase dita por Maria:
“O cérebro e as mãos precisam de um intermediário. E o intermediário entre o cérebro e as mãos deve ser o coração”.
Além das questões de Freder e da rebelião que se agitava entre os trabalhadores, o livro acompanha outro plano: o de Rotwang, um homem morador de uma casa milenar que aparentemente possui poderes, inventor de máquinas e conhecido de Joh Fredersen. Esse personagem apresenta o lado místico da história e adiciona o ingrediente indispensável para o desenvolvimento dos acontecimentos mais importantes da ficção: a mulher-máquina.
O que de início parece ser uma crítica às máquinas, se desenrola e se mostra como uma crítica à natureza humana. A fé exacerbada nas máquinas, vistas até como divindades, e o total desgosto por elas leva a acontecimentos trágicos, frutos de erros de ambas as classes sociais pertencentes a cidade. Essa crítica é baseada na questão dos sentimentos, como na frase dita por Maria, em que o cérebro seria o Senhor de Metrópolis e as mãos, os trabalhadores que moram na cidade subterrânea em condições precárias. A comparação entre esses dois lados, de modo a entender que ambos cometeram decisões igualmente ruins, esvazia muito da interpretação de que a miséria causada em Metrópolis foi feita por um sistema opressivo, que valoriza as máquinas em detrimento dos homens.
A camada religiosa e mística da história também acrescenta um ponto de vista interessante quando os personagens se voltam às suas crenças para se questionar sobre os acontecimentos, além de serem essenciais para a descrição das máquinas e da figura feminina, comparadas como puras e virgens.
Apesar do cenário distópico, a narrativa da obra é guiada, sobretudo, pelas relações entre as personagens. Freder não simpatiza pelos rebeldes devido aos seus ideais, mas sim pelos ideais de Maria, assim como Joh Fredersen e Rotwang possuem richas que afetam diretamente o destino da cidade. Dessa forma, a história conclui com o desfecho das relações e não com o futuro de Metrópolis e dos operários.
*Capa [Imagem: Divulgação/Editora Aleph]