Por Mariana Ricci (mariana.ricci@usp.br)
Oito anos após o sucesso do primeiro filme, Moana 2 (2024) estreou na última quinta-feira (28) em todo o Brasil. Com uma animação impecável, a continuação desenvolve-se a partir de um enredo que valoriza a ancestralidade dos povos tradicionais do sul do pacífico, mas traz ao público mais do mesmo.
Inicialmente, a continuação de Moana: Um Mar de Aventuras (2016) foi idealizada como uma série para a recém-criada Disney+. Mas quando a equipe criadora percebeu que a plataforma de streaming e filmes originais não estavam alcançando tamanha rentabilidade e visibilidade como as salas de cinema, o projeto tomou outros rumos. A solução foi produzir continuações de seus grandes sucessos. Com uma história criada e uma equipe formada, Moana tornou-se uma forte candidata.
A data de estreia do foi estratégica: o feriado de Ação de Graças nos Estados Unidos contribuiu para que o filme arrecadasse US$60 milhões em apenas um dia de exibição, superando Wicked (2024) e Gladiador 2 (2024) com, respectivamente, US$ 20 e US$ 6 milhões.
No primeiro filme, Moana buscava seu lugar no mundo, sua vocação. Já na sequência, a jovem é aclamada por seu povo como uma grande navegadora, uma heroína. Três anos após a história inicial, a protagonista novamente reúne-se a Maui para enfrentar uma desafiadora viagem pelos mares com o objetivo de quebrar a maldição que separou os povos do sul do pacífico.
Além de sua carismática galo, HeiHei, Moana segue viagem com uma tripulação completa de novos personagens: Loto, uma cativante jovem com habilidades singulares de engenharia; Kele, um ranzinza agricultor ancião; Moni, devoto de Maui e conhecedor das lendas e tradições milenares de seu povo. E claro, Pua, o porco.
A equipe deixa o vilarejo em busca de Motucatu, ilha que ligava os povos polinésios por meio de correntes marinhas e que foi escondida pela gana de poder do Deus Nalu.
No meio do caminho, a trupe se depara com a misteriosa Matangi. Aliada de Nalu, a excêntrica feiticeira é uma das antagonistas da obra e, em um primeiro momento, dificulta o trajeto de Moana.
O filme entrega o que promete, mas por tratar-se de uma sequência, o espectador sabe exatamente o que esperar. Apesar da originalidade não ser o ponto forte da produção, ela ainda traz uma aventura mais complexa que o primeiro filme, em especial ao abordar questões como amadurecimento, pertencimento, tradição e ancestralidade.
As músicas não alcançam os sucessos de Moana: Um Mar de Aventuras e assim como o restante do filme, não são inovadoras. Os principais destaques são as curtas canções interpretadas em línguas indígenas que trazem um aspecto ancestral de extrema importância ao filme.
A dublagem em português segue a qualidade do filme original, mas o uso de gírias em excesso causam constrangimento e não são “descoladas” como se esperava. A interpretação das canções em português fazem jus a suas versões originais, com exceção de “Além, principal música de Moana. Sua versão em inglês, Beyond, é mais impactante e contagiante e a interpretação de Auli’i Carvalho é impecável.
As canções interpretadas por Moana ofuscam-se quando colocadas lado a lado com as cantadas por Matangi e Maui. Paralelamente, os dois personagens são os mais carismáticos e bem desenvolvidos do filme. Suas aparições são pontos altos da produção e as músicas Só Vai e Quero Ouvir um CheHoo são contagiantes e interpretadas excepcionalmente, tanto em inglês quanto em português.
Os novos personagens que acompanham a protagonista em sua aventura fazem um ótimo papel como secundários, mas nada além disso. Já Moana retorna a nova obra com aspecto mais confiante e maduro, o que é ainda mais desenvolvido ao longo da obra. Mais uma vez, a determinação da protagonista em reunir seu povo é o que cativa o espectador no filme. A protagonista segue o perigoso caminho até a ilha sendo guiada pelos sinais de seus ancestrais.
Representatividade dos povos originários
Os cenários paradisíacos retratados em Moana inspiram-se na região sul do pacífico, conhecida como Polinésia. Os povos que habitam essa localidade são conhecidos, de forma abrangente, como polinésios e é neles que a Disney inspirou-se para a realização do filme.
A área que abrange a Polinésia é composta por uma série de pequenas ilhas que dividem o seu povo em suas tradições e peculiaridades. Entre as variantes de maior população deste povo estão os maoris, os samoanos, taitianos e tonganeses.
Os polinésios foram os primeiros a dominar técnicas de navegação oceânica baseadas em mapas estelares e elementos da natureza para alcançar algumas das ilhas mais isoladas do mundo. Eles partiam do sudeste da Ásia séculos antes de qualquer outra civilização alcançar esses lugares, ainda que essa evolução na arte da navegação tenha se desenvolvido ao longo de etapas.
Historiadores chegaram à conclusão de que há cerca de 3000 mil anos atrás, essas populações alcançaram as ilhas mais próximas do continente, seguidas daquelas mais perto entre si. Havaí, Nova Zelândia e Rapa Nui, separadas por uma enorme porção de água, foram alcançadas após uma longa pausa de mais de mil anos.
A Disney seleciona este recorte da história polinésia para criar Moana e, apesar de jogar luz sobre as tradições dos povos do sul do pacífico, a gigante estadunidense de entretenimento dividiu opiniões. A principal crítica é a simplificação e a superficialidade com que se aborda a cultura dos povos polinésios. A adaptação livre para o desenho foi considerada ofensiva por muitos, sobretudo no aspecto sacro.
O exemplo central é a representação do semideus Maui como uma figura humorística e caricata. Seu jeito sarcástico e fanfarrão na animação contrasta com a mitologia dos povos originários, em que Maui é um homem sábio, equilibrado e corajoso.
Em Moana 2, estes aspectos não são propriamente corrigidos, mas o filme incorpora a essência dos povos tradicionais com excelência.
Dessa vez, músicas cantadas em línguas originárias do sul do pacífico, como o Maori, são comuns no filme, assim como a representação de rituais tradicionais, como o “haka”, dança tradicional Maori. Os personagens conectam-se por inteiro à ancestralidade, tema que centra todo o enredo do filme.
E aí está a grande surpresa da obra: Moana desbrava os mares em busca da união de seu povo, mas faz isso imersa em sua tradição. A Disney, finalmente, ouviu as vozes daqueles que por muito foram silenciados.
Em novembro, o parlamento da Nova Zelândia, terra de origem dos povos Maori, iniciou uma votação de um projeto de lei que visa alterar o Tratado de Waitangi. O tratado foi assinado há mais de 180 anos e estabelece que duas partes devem governar: os brancos e os Maori.
Ao longo dos anos, o tratado foi reformulado para abranger mais direitos para a comunidade Maori. Em 2024, membros do partido ACT New Zealand, de centro-direita, propuseram o projeto de lei em questão que tem como principal intuito “acabar” com as divisões étnicas.
Esse discurso é permeado por uma visão racista que não compreende a importância da distinção de políticas públicas que devem ser formatadas para povos indígenas e a população branca.
A votação foi interrompida pela deputada Hana-Rāwhiti Maipi-Clarke, do partido Te Pati Maori, que juntou-se a outros membros do partido em um “haka”. O protesto repercutiu e desencadeou uma série de manifestações em todo o país. Com as ruas tomadas, o parlamento adiou a votação.
Moana 2 não é um grito de resistência como um “haka” ou um protesto a favor dos povos originários. Mas leva ao mundo inteiro a história dos indígenas do sul do pacífico, dos polinésios, maoris e taitianos. O filme mostra que existe tradição e ancestralidade para além das culturas ocidentais e que elas podem, também, ser vistas, ouvidas e terem suas próprias princesas da Disney ou quase.
O filme está disponível nos cinemas. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Divulgação / Disney