Por Natalie Majolo
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Este filme faz parte da 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para conferir a programação completa clique aqui
A importância da água é reconhecida há muito tempo. Quem questionaria os poderes da mama água, que incêndios apaga, e, quando muita, tudo destrói? Neste longa de Patricio Guzmán, que recebeu o prêmio Urso de Prata de melhor roteiro no Festival de Berlim, o poder do líquido sagrado entra num sincronismo incrível: desde a ideia de cosmos, o universo (e tudo mais), até a atual crise hídrica, em que o mundo percebe que esse bem precioso é um recurso finito.
O documentário O Botão de Pérola (El Botón de Nacar, 2015) dialoga o tempo inteiro com o poder da água, e traça uma linha não usual na história chilena. As rédeas começam por abordar uma perspectiva arqueológica, de que os povos andinos há muito ali se encontravam, muitíssimo antes da chegada dos europeus. Tinham culturas e costumes concretos, e que até hoje resistem em pouquíssimos ancestrais. Desde a instalação dos espanhóis, um processo genocida desses povos têm ocorrido; não só foram mortos, como obrigados a terem sua cultura alterada para àquilo que o dominante achava digno. Mas sua raiz permanece funda na terra.
A identificação desses povos não se aplica ao país, e sim, à sua tribo de origem. O Botão da Pérola dá a entender que o Chile tem uma identidade artificial, criada; não é ligada à própria terra, e muito menos ao seu extenso mar. Essa artificialidade abre margem para a aceitação do genocídio indígena. A história do povo ali residente é negada em escolas, desconhecida de sua população. Sua ligação com a água foi extirpada — juntamente com os povos da Patagônia.
Assim como a história e o genocídio dos indígenas são negados e acobertados, o mesmo acontece com a história dos presos políticos durante a ditadura. É feita, inclusive, uma demonstração de como os corpos desses presos eram “apagados” do mapa, afundando pacificamente no azul do oceano. A ligação com o mar é retomada — não como meio, mas como fim.
O Botão de Pérola aborda que as injustiças chilenas são históricas, contínuas. É uma história de extermínio, da qual ninguém é dado como culpado. Uma história que ninguém quer contar. E, justamente por isso, é um documentário incrível, daqueles que alfinetam a normalidade.
Confira o trailer: