Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Muito além do natural: o crescimento da gastronomia orgânica

Capa: Risotto de Shiitake, item de destaque do menu do Le Manjue Organique Comida orgânica. Com certeza você já deve ter ouvido falar sobre isso. Mas consegue explicar do que se trata? Suas dúvidas se encerram agora! Vamos direto ao ponto: tudo aquilo que é produzido e cultivado sem qualquer intervenção de agrotóxicos, agroquímicos, pesticidas e melhoramento …

Muito além do natural: o crescimento da gastronomia orgânica Leia mais »

Capa: Risotto de Shiitake, item de destaque do menu do Le Manjue Organique

Comida orgânica. Com certeza você já deve ter ouvido falar sobre isso. Mas consegue explicar do que se trata? Suas dúvidas se encerram agora! Vamos direto ao ponto: tudo aquilo que é produzido e cultivado sem qualquer intervenção de agrotóxicos, agroquímicos, pesticidas e melhoramento genético, é considerado orgânico. Portanto, podemos dizer que um alimento orgânico é aquele 100% natural.

Os orgânicos ganharam atenção nos últimos anos após diversos estudos e pesquisas apontarem que a utilização de implementos químicos poderiam causar sérios problemas à saúde, tanto do produto quanto do consumidor final. Assim, a conscientização passou a aumentar, e foi acompanhada por um crescimento constante no consumo de alimentos orgânicos.

O Chef de cozinha Renato Caleffi, do Le Manjue Organique, está há algum tempo no ramo de comidas orgânicas. Sendo uma referência nesse assunto, ele lidera seu restaurante e já fez diversos menus para outros estabelecimentos. Em entrevista ao Sala 33, ele nos revelou o que o levou a seguir esse caminho alternativo e mais saudável.

Ele, que teve contato com a gastronomia desde cedo, contou que cozinhava com a avó quando a visitava nas férias. “Ao passar as férias no interior e na fazenda, sempre ajudava minha avó a cozinhar. Mais tarde, passei a cozinhar sempre para família e amigos”.  Suas experiências desde a infância o motivaram a seguir no caminho da culinária.

Renato Caleffi, chef do Le Manjue Organique, trabalha com sazonalidade servindo ao cliente apenas o que há disponível. Foto: Divulgação

Formado na primeira turma de gastronomia da Anhembi Morumbi, o chef se especializou e fez vários cursos específicos de cozinha brasileira e internacional. Foi num estágio na Espanha que Caleffi começou a ter contato com o ramo gastronômico que seria sua especialidade no futuro. Ele conta que o interesse começou quando percebeu que, ali, tudo era orgânico, certificado, e muito fresco também. Quando voltou da Espanha, há 15 anos, trabalhou em outro restaurante orgânico, confirmando de vez seus interesses: “Foi lá onde me aperfeiçoei e me tornei engajado nesse tema.  A cada dia aprendia mais. Um caminho sem volta”

Sobre a utilização dos alimentos no Le Manjue Organique, Renato ressalta a importância da sazonalidade na seleção da comida e até mesmo do cardápio:  o cliente tem que aceitar o que está disponível no dia. “Eu não uso fruta que não seja orgânica. Por exemplo, se tiver só banana, eu só irei oferecer banana. Se não chegar nenhuma fruta, não terei fruta. Não tem couve, mando espinafre ou o folhoso escuro, e assim por diante”.

É basicamente este o ideal defendido também por Naíla Delalana, do Casa Orgânica, primeiro supermercado 100% orgânico e sustentável de São Paulo. Inaugurado em abril deste ano, o estabelecimento já faz muito sucesso, evidenciando que esse negócio está em expansão. É possível notar essa tendência na decisão do supermercado de abrir um restaurante, que será inaugurado em breve e, assim como o de Renato, não terá um cardápio fixo. A pessoa vai comer “o que a natureza te deu, não qualquer coisa que você queira comer”.

Mas já há algum tempo que esses pensamentos passam pela cabeça da comerciante, que costumava atuar como montadora de vídeo. Naíla e seu marido, Alessandro Duarte, despertaram interesse pelo assunto de forma bem interessante: ele surgiu quando seu filho, aos três anos de idade, disse a mãe que não ia mais comer sua sopa, porque a comida estava envenenada. Após esse insight, o casal passou a pesquisar sobre alimentação orgânica e encontrou apenas alguns lugares pulverizados muito distantes entre si, que não tinham qualidade, ou tinham um preço ruim. O desejo de consumir alimentos mais naturais, no entanto, não era algo completamente novo para os dois: “O pai do Alessandro era caseiro de sítio no interior de São Paulo, e ele sempre comeu o que o pai dele plantou, então isso estava na gente de alguma forma”.

Sobre o público alvo desse mercado, Naíla consegue dividi-los em três personalidades diferentes: “O primeiro tipo é aquele cliente gourmet, que vai pelo alimento que tem mais sabor, dura um pouco mais, tem qualidade. Depois tem o cliente militante, que compra porque é sustentável. Esse é aquele que vai reclamar da bandejinha [de isopor], mas tem produtor que só vende com a bandejinha, e a gente só vai conseguir mudar isso quando tiver uma demanda. Por último – e eu não sabia, descobri isso através de um cliente – é aquele que consome por indicação médica. Um exemplo, são as vítimas de câncer. Vários pesticidas interferem na quimioterapia, que passa a não fazer efeito, então é super sério!”

Mais sabor e o quê mais?

Quanto ao sabor, fator que atrai os “clientes gourmet”, o chef Renato confirma que a comida orgânica é, de fato, mais gostosa, e que sua composição química livre de intervenções traz apenas benefícios ao seu sabor: “Eles apresentam fitoquímicos e mais sabor, textura e consistência. Possuem menos água e mais matéria seca, o que os tornam mais saudáveis e saborosos”.

Naíla defende a importância dos orgânicos dizendo que as potenciais melhorias do sabor são sim fundamentais, mas que o ideal vai muito além. Ela acredita que orgânicos são mais do que “alimentos sem veneno”. “Eu acho que o alimento orgânico é muito além disso. Pra gente significa a valorização não só do pequeno produtor, mas também do ser humano, do meio ambiente. E para fazer isso, a gente não tem só que vender o alimento. Porque a valorização do ser humano não é só no alimento, certo?”

Visando a valorização do ser humano, o supermercado propõe também acesso à cultura com exposições de arte. Foto: Gabriel Bastos

Seguindo esse ponto de vista, além da valorização do sustentável em sua estrutura (que não utiliza materiais prejudiciais ao meio ambiente, como gôndolas de plástico), o casal fundador busca promover também o acesso à cultura, realizando exposições de arte e workshops sobre alimentação consciente e sustentabilidade.

Além dos alimentos, o supermercado comercializa cosméticos, maquiagens, roupas, perfumaria, produtos para animais, produtos de higiene pessoal e produtos de limpeza, o que, de acordo com Naíla, abre os olhos do consumidor: “Aí a pessoa entra, vai pegar algo, e descobre que tem muitas outras coisas. Então ela se questiona ‘Por que tem tal produto orgânico? O que tem no meu que é errado, que não tá legal?’ Então são N coisas que ela vai descobrindo e percebendo que devem ser valorizadas”.

A fama do negócio, que não para de crescer

Hoje em dia, os benefícios da utilização de produtos orgânicos não são mais um mistério. Renato explica benefícios que fogem ao óbvio: os alimentos orgânicos proporcionam mais responsabilidade socioambiental e mais sustentabilidade, beneficiando não apenas a saúde do consumidor como o meio ambiente. A isso ele atribui o aumento da fama dos orgânicos: “Todos querem saúde, longevidade e querem proteger o planeta. Isso só se consegue com o consumo de orgânicos”.

A opinião de Naíla dialoga com a de Renato. Para ela “as pessoas estão se conscientizando e começando a pensar ‘o que é que eu to pondo pra dentro?’”. Ela pensa também que a repercussão na mídia de temas como a agroecologia, tal qual na novela Velho Chico, levou esse conceito à massa, que passou a discutir sobre o tema.

No mercado gastronômico, não há mais tantas restrições ou rejeições quanto ao assunto. O chef relata que hoje em dia a comida orgânica é mais bem aceita. Os alimentos de procedência e que se qualificam como orgânicos também ficaram mais fáceis de ser encontrados. “É mais fácil do que no passado. Mas todos os dias ainda brigo por uma logística, qualidade e preço melhor” afirma Renato.

Entretanto, o fator preço é uma das questões polêmicas sobre o assunto. Ainda falta a percepção e consciência de que os custos na produção desse tipo de produto tendem a ser mais elevados, como afirma Naíla: “As pessoas que se interessam pelo modismo ainda não entendem a cadeia: a mão de obra custa mais, o tempo de produção é maior… Vários outros motivos que acabam elevando o custo, e as pessoas acabam achando caro. Mas é uma dificuldade de entendimento. Quando a gente discute sobre isso, as pessoas começam a entender”

O ideal da Casa Orgânica é ser 100% sustentável, fator que fez os proprietários optarem por caixotes ao invés das tradicionais gôndolas de plástico. Foto: Gabriel Bastos

Então, após uma chuva de coisas positivas acerca do assunto, nos resta então uma última dúvida: Já que os alimentos orgânicos são tão bons assim, por que eles ainda não são vistos e considerados o padrão? Naíla aponta a influência do agronegócio no Brasil como o maior motivo:“São empresas que ganham muitos milhões, poucas pessoas que controlam o mundo. Podemos pensar numa Monsanto, por exemplo.” A comerciante acredita que por conta do poder dessas gigantes empresas, a população simplesmente considera tudo o que é colocado à sua frente como aceitável. “E você pode ver aquela propaganda da Globo “Agro é tech, agro é vida” e não é bem assim. A gente sabe que isso está envenenando a população, e o quanto tudo que é transgênico (ou tech) não é vida, pelo contrário, só traz doenças e muitas outras coisas ruins” afirma Naíla.

O que ainda vem pela frente

Apesar dos pesares, ainda há esperanças. Nos EUA, o primeiro mercado 100% orgânico foi criado nos anos 70. Na Irlanda, o cenário mudou e 95% de toda sua alimentação é composta por produtos orgânicos. Estamos atrasados nesse processo, mas antes tarde do que nunca. “É uma longa caminhada e vamos demorar bastante tempo para chegar a esse nível.” coloca Naíla “Nem sei se isso pode acontecer, porque somos tão pequenos para uma guerra tão grande… Mas não sei, vemos tantas ações lindas e tanta gente se ajudando que talvez consigamos mudar as coisas.”

Quando pensamos no futuro desse ramo da gastronomia, nos deparamos com as melhores perspectivas possíveis. O aumento do número de pessoas aderindo ao estilo de alimentação saudável faz desse ramo culinário muito promissor. Assim afirma o chef Renato ao ser questionado sobre quais suas expectativas quanto aos orgânicos no Brasil e no Mundo: “Promissoras, mas depende de engajamento, seriedade e disciplina. Correr para o convencional é mais fácil. É necessário estabelecer critérios rígidos e, sobretudo, éticos”

Não resta dúvidas que o consumo dos orgânicos tende a crescer muito mais. Através dos relatos dos dois profissionais da área, é visível que ainda há muitos campos a serem explorados, e que nós temos, sim, grande potencial para nos desenvolvermos nesse sentido. Renato e Naíla são apenas dois exemplos de iniciativas dentro dessa causa que merecem todos os holofotes possíveis. Essa nova atitude diante da alimentação ajuda o meio ambiente, contribui para o bem estar do ser humano, e ainda deixa nossas comidas muito mais saborosas. Agora cabe a cada um de nós avaliar se todos esses benefícios valem uma mudança de comportamento.

Gabriel Bastos
gabriel.bastos@usp.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima