Jornalismo Júnior

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O labirinto antieuclidiano das tragédias

Tanto devido à natureza humana quanto à institucionalização dos sentimentos e relações, as tragédias deleitam-se com a blindagem social e midiática e se consolidam entre as notícias mais lidas Por Sofia Aguiar (sofia.aguiar@usp.br) Quinta feira, 5 de abril. Era horário de almoço e a Avenida Paulista estava movimentada como sempre. Mas, de longe, avistei um …

O labirinto antieuclidiano das tragédias Leia mais »

Tanto devido à natureza humana quanto à institucionalização dos sentimentos e relações, as tragédias deleitam-se com a blindagem social e midiática e se consolidam entre as notícias mais lidas

Por Sofia Aguiar (sofia.aguiar@usp.br)

Quinta feira, 5 de abril. Era horário de almoço e a Avenida Paulista estava movimentada como sempre. Mas, de longe, avistei um tumulto. Não, não era só um tumulto. Ele estava bloqueando parte da avenida. Me aproximo. Muitas pessoas tirando foto, seguidas de policiais. Lembro que era a estreia de um filme muito famoso e o ator estava em São Paulo. “Sim! Só pode ser ele!” e me aproximo da multidão com a intenção de tietá-lo. Não, não era um famoso. Paradas em frente a um ponto de ônibus, havia duas mulheres, uma segurando a outra por trás. “Claro! É um ato ou alguma manifestação!”. Pergunto a uma mulher da multidão o que aquilo significava: “Essa mulher tentou assaltar um ônibus para roubar um celular, mas ela não conseguiu. E agora está fazendo uma outra de refém”.

Meu corpo paralisa. Essa situação explicaria a presença da polícia, mas não as pessoas congestionando uma das avenidas mais movimentadas de São Paulo e fazendo daquilo um espetáculo, tirando fotos e gravando a cena. Saio desesperada do local e entro em uma loja para não pensar mais nisso. Mas era tarde demais, aquela cena já tinha se tornado o foco de todos da loja. “Vem, aqui dá pra ver melhor!” ouvi, e pessoas indo em direção às janelas como telespectadores ansiosos para o desenrolar de um grande filme.

Daqui a pouco, mensagens chegam no meu celular mostrando a cobertura feita pela televisão: “Mulher é feita de refém na Avenida Paulista”. No Facebook, uma sequência de compartilhamentos dessa notícia. Ouço, pelos burburinhos da loja, que a polícia conseguiu soltar a refém, enquanto a outra tinha sido presa. Vidas voltam ao normal e o tumulto dissipa-se pela Avenida Paulista, cada um seguindo sua vida.

Após algumas horas, não havia mais notícias sobre isso. Não havia mais comentários ou fotos. O fato, que por alguns minutos tinha se tornado um dos mais importantes da mídia paulistana e o foco de atenção de algumas dezenas de pessoas, caíra no esquecimento, assim como as microtragédias sociais por trás dele.

Avenida Paulista, 05 de abril de 2018 (Imagem: Brandon Vincente/Arquivo pessoal)

O gênero da tragédia surge no teatro grego como uma forma de narrar histórias heróicas e dramáticas com um final trágico, fruto das paixões humanas. Com grande tensão e piedade, o gênero ganhou respaldo e interesse da sociedade grega.

Aristóteles originou o termo “catarse”, que descreve a sensação de purificação e compaixão do espectador em relação a um espetáculo de tragédia, liberando uma carga passional. O efeito catártico refere-se apenas à encenação teatral, como efeito da dramaticidade dos atores, e não relacionado às reais. Hoje, as pessoas se encantam e se interessam pelas tragédias factuais como se estivessem assistindo ao teatro.

Segundo Freud, durante o amadurecimento psicológico, costumamos reprimir sensações e ideias consideradas indesejadas, como a morte, a crueldade e a perversidade. São criadas bolhas de realidade, repletas de idealização e filtros de situações. Em contato com as dimensões mais reprimidas pela civilização, o indivíduo, ao mesmo tempo em que se enxerga na história da vítima, sente intensa curiosidade. Uma forma de descobrir e experimentar o novo.

A psicóloga Fernanda Cruz, formada em psicologia clínica e mestre em educação e saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que a psique humana é formada pela subjetividade histórica e social. Segundo ela, quando o cristianismo surgiu, a vida era vista como um dom, dada por Deus – com a garantia da eternidade, melhor e mais justa. Antes, morrer era visto de uma forma natural. A partir de então, viver passou a ser insuficiente. “Alguns pensadores dizem que a Igreja Católica usou a morte como uma forma de controle. Foi uma maneira de enfraquecer a vida e, assim, começamos a temer seu fim”, observou a professora. Temer o inferno.

Com o Iluminismo, havia a ideia substituir os pensamentos religiosos e místicos pela ciência. “Catalogando e categorizando causa e efeito, começamos a lidar com a morte de uma forma curiosa, institucionalizada e cada vez mais distante”. Isso criou tabus, receios e, principalmente, a negação quanto às adversidades humanas. Foi formado um fascínio pelas tragédias e o anseio de aproveitá-las, quando possível.

O gosto não se dá pela tragédia em si, mas pela oportunidade de vivência. Na repressão da própria tragédia, as pessoas a transformam em algo desmedido. Passa a ser obscura. “Por um lado, ficamos civilizados demais, mas esquecemos que não temos essa civilidade toda. A brutalidade humana e essa dimensão violenta estão dentro e muito perto de nós”, explica Dra. Fernanda.  

No entanto, tal desejo de experimentação humana não é novidade para a mídia. Ela reconhece e utiliza-se dessa falha na formação da mente civilizada para se construir. “Se aproveitam da nossa falta de contato e da relação de horror e perplexidade que temos com a morte, transformando isso em produto”, diz a psicóloga. Visando o consumo, como na publicidade, a mídia ganhou consciência de seu poder social na propagação de informações e passou a atribuir significados às notícias e, principalmente, às imagens. “O nosso inconsciente trabalha com imagens, uma vez que a linguagem verbal e escrita foram desenvolvidas com o tempo. Então, elas são algo que nossa mente capta fortemente, é a primeira coisa que observamos em qualquer situação”.

A partir dessa antiga relação do homem com as imagens, elas são digeridas de forma mais natural e espontânea. Isso cria brechas para um metralhamento visual. A mídia molda e remolda os significados por trás das imagens, que adquirem um valor de troca; o valor de gozo. Esse conceito surge por Jacques Lacan e é constituído pelo olhar social sobre uma situação. Ao atrelar ideias a cenas, elas passam a simbolizar um valor para o  indivíduo, que sente um desejo em consumi-la.

Ana Claudia Mielke, jornalista e coordenadora do Intervozes (plataforma responsável pela campanha Mídia Sem Violação de Direitos), acredita que o consumo da tragédia não é em si o problema, mas sim sua abordagem. “Quando essa tragédia, esta dor e este sofrimento são alvo ou objeto de programas televisivos ou radiofônicos de modo geral, passa-se a falar sobre uma massificação desse fenômeno.” Esse é o papel da mídia no conjunto social.

Segundo João Paulo Charleaux, ex-porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (responsável por cuidar de conflito armado), a conexão emocional com o fato violento não é um problema, é uma manifestação da personalidade humana. Porém, isso pode ser explorado de diversas formas. “Se ficamos durante muito tempo nadando numa poça d’água, expondo e reexpondo a imagem do fato em si, cozinhando longamente uma sopa de ressentimentos sociais, de indignação difusa, sem gerar uma reflexão, isso pode ser um uso desonesto das demonstrações humanas para produzir audiência.”

Para obtê-la, passa-se a utilizar o maniqueísmo gerado pelos conflitos e pelas tensões. O intenso acompanhamento das imagens divulgadas aguça a curiosidade humana, fazendo com que o espectador se envolva na situação. A grande audiência dessas coberturas resultou em dar prioridade às tragédias, legitimando-as. O tempo escasso e o bombardeamento frenético das informações sem reflexão fazem a sociedade permear em uma dialética midiática entre a necessidade de ter audiência e a de noticiar. Esses acontecimentos trágicos passaram a ocupar, progressivamente, um lugar irrefutável na comunicação social.

No ano de 2008, divulgou-se o caso da menina de cinco anos de idade, Isabella Nardoni, que foi jogada do sexto andar de um prédio. Em uma morte envolvendo a duvidosa relação entre o pai e a madrasta de Isabella e a crueldade contra uma criança, a tragédia dominou os noticiários por semanas. Com uma cobertura incessante, a especulação tornou-se parte do caso. Hipóteses foram publicadas sobre o assassinato, reconstituições detalhadas sobre o crime e presença de curiosos reforçaram a utilização dos recursos midiáticos sobre os desejos humanos. Cega por um certo encantamento, a sociedade exigia a exploração e a dramatização do caso.

Programas policiais são outro tipo de cobertura que apresenta grande notoriedade social. Mascarados pelo entretenimento produzido, escondem a violação de diversas leis brasileiras e direitos humanos – exposição indevida de pessoas e famílias, incitação ao crime e à violência e discurso de ódio e preconceito -, além de infringirem normas que regem a prática jornalística. Com o respaldo de apresentadores carismáticos, as imagens são apresentadas de forma crua e sem efeito, banalizando situações, vidas. Em que medida toda notícia trágica deve ser transformada em uma tragédia televisiva?

Segundo Ana Mielke, é preciso que haja algum tipo de fiscalização sobre o que está sendo apresentado e difundido. “Estamos falando da formação da opinião pública, da construção do imaginário do que é ser brasileiro, do que é ser mulher, do que é ser negro. Então, essa fiscalização não pode ser somente balizada por um dado de audiência.” Mas, pelo fato da história do Brasil ser intrínseca à televisão massificada, isso acaba acontecendo. Ana acrescenta que a mídia precisaria ter um órgão regulador autônomo para monitorar a produção dos meios de comunicação. “Monitorar o que está indo ao ar, como fazem França, Inglaterra, Canadá e Alemanha”, ressalta. “Não como um ato de censura no sentido de controlar o que vai ao ar ou análise prévia.” Esse órgão garantiria se os conteúdos veiculados estão de acordo com a legislação.

Imersa em uma era de recente avanço tecnológico, a mídia e as coberturas feitas em tragédias traduzem um grande conflito contemporâneo: como usar essa nova plataforma desenvolvida e suas ferramentas? Em uma dicotomia, principalmente de cunho ético, observa-se um mundo dividido entre o cego do oportunismo midiático e os paradigmas éticos jornalísticos. Anteriormente, os veículos tradicionais eram responsáveis por tratar e selecionar as pautas. Com a disseminação de celulares e o acesso à Internet, houve uma possibilidade do público, mesmo que indiretamente, participar das notícias. Fotos e vídeos, frutos de sensações, compaixão, curiosidade e natureza humana, descentralizam o controle do conteúdo e as postagens nas redes sociais. Possibilita uma comunicação interativa.

Desorientado, o mundo assiste ao enfeitamento dado às reportagens, à massificação da imagem e à necessidade de usá-la a qualquer custo. O que inicialmente representa um recurso jornalístico, torna-se produções apelativas, descontextualizadas e não reflexivas, como diz Charleaux: “Se, a partir desse apelo, se estabelece um movimento circular de revisitar os sentimento, reexpor a imagem, reavivar emoções sem oferecer uma reflexão”, seja ela sobre criminalidade, legalidade e ilegalidade dos fatos. “É um apelo que se insere em si mesmo, cozinhando sensações sem produzir um novo conhecimento.”

Enquanto o indivíduo deseja tais notícias, se deleita e purifica com a situação alheia, em uma catarse aristotélica, a mídia corresponde e o alimenta. Uma resposta à “voz do povo”. O consumo é por notícias mais individualistas que abordam tragédias, inicialmente, humanas, mas sem tratá-las sob um olhar social. Estupro, assédio, assassinato, morte à facadas, sequestro: é um gosto e um desejo por aspectos individuais, sem uma reflexão coletiva sobre o resultado de tais tragédias sociais na contemporaneidade.

Tendo a mídia como intercessora entre o eu e o outro, observa-se um processo de perda de pudor, humanidade e empatia, facilitando uma banalização de fatos e tragédias pela não distinção completa entre o real e o imaginário. Se realiza um ciclo reprodutivo de intenso interesse e consumo, podendo agregar tanto valores positivos quanto negativos às notícias. “Está muito na moda demonstrar publicamente que você é um cidadão engajado, preocupado e indignado com a situação do país através da reprodução de informações chocantes”, observa Charleaux. O compartilhamento de informações demonstra uma não alienação social, com a impressão do exercício de cidadania “quando, na verdade, não é. Você fecha o computador, aquele mundo para de existir e aí sim você vai ser um cidadão”. O sensacionalismo utiliza-se da indignação de algumas pessoas para se ascender na sociedade. “O debate começa com a pergunta se o jornalismo está reportando fatos ou contribuindo para aumentar a sensação generalizada de que uma situação em particular é transcendente para uma sociedade inteira.”

Frequência das tragédias nas grandes mídias (Ilustração: Lígia de Castro/ Comunicação Visual)

Em meio a um consumo frenético e inconsciente, o gosto pela tragédia se disseminou na sociedade, em uma relação interdependente entre o papel da mídia e um desejo humano de sentir. “Passamos a buscar uma banalização dos sentimentos ruins. É mais importante você passar sua identidade, ficar reforçando nas redes sociais, tanto por meio de imagem, como de ideia. É uma desconexão”, aponta a psicóloga. As pessoas não se permitem sentir. Negando o próprio sofrimento, as sensações são externalizadas como forma de distração de si mesmo. Como um processo visualizado por grande parte da sociedade, se estabelece, segundo a Dra. Fernanda Cruz, uma “nova maneira de velar o morto. Vamos velando pelo Facebook. Não deixa de ser um ritual, porém é um ritual que não tem presença, não é previsível. Você tem apenas mensagens estáticas”. O consumo da morte satisfaz a sensação de estar melhor que um outro, ao mesmo tempo que possibilita o não envolvimento, em um cinismo contemporâneo.

No ano de 2008, o Brasil vivenciou o mais longo sequestro em cárcere privado de sua história. Eloá, de 15 anos, foi mantida como refém, junto a uma amiga, pelo ex-namorado, por 100 horas. O episódio ganhou grande repercussão na mídia tanto nacional quanto internacional, sendo alvo de intensa cobertura durante o acontecimento. Não houve apenas o noticiamento do crime, houve uma exploração: repórteres e imprensa ligavam para o sequestrador e realizavam entrevistas, prejudicando o trabalho da polícia. Especulavam os possíveis desdobramentos e romantizavam o crime. Esperavam em frente ao prédio para captar um furo de notícia, à espera de uma imagem de Eloá gritando ou uma cena do sequestrador.Vidrada, a mídia não dormia.

Eloá foi morta. A intensa cobertura jornalística fez nascer a pergunta “Quem matou Eloá?”, indo de encontro com o papel invasivo da imprensa e do público no passo a passo do crime, espetacularizando e glamourizando a tragédia. O questionamento do papel da mídia nesta cobertura permaneceu até que a abordagem massiva saiu dos holofotes, e então, caiu no esquecimento social.

Há cinco anos, ocorreu, em Santa Maria, um incêndio em uma casa noturna. Foi responsável pela morte de mais de 240 pessoas, sendo a maioria por asfixia, e mais de 630 feridos. A dimensão da tragédia da Boate Kiss fez com que ela se tornasse o centro dos principais meios de comunicação. Houve grande movimentação dos repórteres até o local, como o apresentador do Jornal Nacional, William Bonner. No entanto, seguida desta cobertura massiva, tal episódio foi alvo de intensas críticas aos veículos midiáticos. Foram acusados de uma cobertura incessante e nem sempre informativa, repetindo as mesmas notícias constantemente, sem novidades e entrevistas com especialistas, sem informações concretas sobre o caso. Alguns analistas da mídia e estudiosos denominaram a cobertura como insensível e sensacionalista, por reavivar a dor das vítimas e familiares em intensa especulação e espetacularização do caso. Observou-se um desvio do foco principal dos responsáveis do ocorrido, sendo substituído pelo exagero midiático. O apresentador José Luiz Datena, da Record, comparou as vítimas e as imagens obtidas do incêndio com as mortes nas câmaras de gás nos campos de concentração.

Em 2015, um menino sírio de três anos apareceu morto em uma praia, na Turquia. Aylan Kurdi tornou-se conhecido mundialmente. A foto de sua morte foi compartilhada de forma compulsiva. Aylan tornou-se um símbolo, mas o significado por trás desse símbolo foi sendo perdido. Não mais enxergavam uma vida interrompida, a morte de um menino de três anos, fruto de uma guerra que destrói, diariamente, uma nação. Tornou-se uma foto que desperta compaixão e tristeza, mas que não propõe, necessariamente, ao mundo repensar nas decisões humanas feitas na Síria.

Isabellas, Eloás, Boates Kiss e Aylans aparecem diariamente na sociedade e, consequentemente, na mídia. Aparecem e desaparecem em um ciclo de tragédia vicioso. No entanto, por trás de uma tragédia, há sempre microtragédias que a desencadearam. Por que não damos visibilidade a tais fatores? Segundo Charleaux, “não é ficar dizendo como essa pessoa sofre, mas é entender as causas, o contexto, qual caminho a situação pode tomar. Isso é jornalismo.”

Tais microtragédias que antecedem o espetáculo principal precisam ser noticiadas, consumidas e entendidas pelo público. Nada é um grande espetáculo sem a ideia por trás da peça, o figurino, os fatores que desencadearam a obra. A mídia contribui para eternizar o episódio e as vítimas, fazer pressão aos culpados e levar à visão pública outras realidades. Mas que tal consciência seja constante e transformadora.

Sérgio da Silva é presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria. Ele acredita na grande importância da imprensa como ferramenta de denúncia, propulsionadora da ação da justiça, uma forma da tragédia não cair no esquecimento. “Só vamos lembrar agora na próxima tragédia. Poderia estar em casa dormindo, chorando, esquecendo e não me preocupando se vão queimar mais uma boate, se mais 200 pessoas vão morrer.” A mesma mídia que metralhou informações, foi a que esqueceu. A responsabilidade de lembrar caiu nas mãos de familiares e moradores da cidade. “Ainda estamos brigando para que isso [esquecimento] não aconteça, quando deveríamos ser as últimas pessoas a fazer isso”.

É preciso discutir o feminicídio de Eloá, a exploração midiática do assassinato, a romantização do evento, o descaso do governo no caso da Boate Kiss, a situação das casas noturnas no Brasil, a liberação de 24 acusados no caso, a guerra desencadeadora de Aylan, a disputa pelo poder econômico na Síria, as embarcações no Mar Mediterrâneo à mercê da sorte. É preciso falar sobre a insegurança, a violência e suas causas primárias, o analfabetismo, os índices de criminalidade, o preconceito, o pensamento social por trás do estupro e do assédio diários, a questão da moradia. É preciso debater sobre o jornalismo.

Tragédias têm de ser televisionadas e consumidas, mas em um processo de desespecutarização midiática, devolvendo ao centro questões sociais e as vidas envolvidas. Como dito por Sérgio, “se cai no esquecimento, favorece que aconteça de novo. As pessoas voltam a fazer o que faziam e o ciclo continua”. A tragédia deveria retornar aos palcos apenas como apreciação à arte, não mais como uma perversa catarse aristotélica pela mídia. Olhos se fecham e a indignação e o repúdio se dissipam com o comodismo do sofá e do controle remoto, que escolhe outro canal para reiniciar a curiosidade e a comoção humanas. Acrítico e passivo.

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