Foto de capa: Letícia Vieira Santos
Já pensou se os estudos de campo da faculdade incluíssem viagens no tempo? É essa a realidade do ano de 2054 em “O livro do juízo final” (Suma de Letras, 2017). No romance de Connie Willis, Kivrin, graduanda em história, resolve se transportar para a Idade Média, mais precisamente, para um vilarejo da Inglaterra em 1320. Para isso, a estudante precisa se preparar muito bem para encarar uma realidade muito diferente da sua.
Ela aprende inglês médio, confecciona vestimentas condizentes com as utilizadas na época e toma todas as vacinas necessárias para se proteger das doenças mais graves que afetaram a população local naquele tempo. Há, ainda, a preocupação com o retorno da estudante. Então, Kivrin também estuda registros cartográficos, pois precisa saber retornar ao local de chegada, e escolhe viajar três dias antes do Natal, a fim de utilizar os rituais religiosos para identificar a data de sua volta.
Ao acompanhar todo esse processo, o leitor é introduzido aos costumes do período e também passa a conhecer os sintomas, a evolução e os mecanismos de prevenção das enfermidades da época.
Apesar de todo o preparo da estudante, alguns aspectos ainda tornam a viagem de Kivrin arriscada. Dunworthy, professor que a orienta, se mostra extremamente preocupado com a decisão da aluna, já que ela se transporta para uma época muito complicada para as mulheres, comumente vítimas de abuso sexual e atiradas a fogueiras por qualquer comportamento incomum. Além disso, aquele era o tempo da temida peste negra, enfermidade que dizimou metade da Europa, e as pessoas ainda estavam sujeitas a uma infinidade de doenças bacterianas incuráveis, uma vez que os antibióticos ainda eram desconhecidos.
Apesar de todos esses riscos, Kivrin viaja no tempo. Isso, graças à insistência de Gilchrist, um professor um tanto quanto imprudente e extremamente ambicioso para realizar grandes feitos. Assim se inicia uma aventura cheia de complicações e mistérios. Ela é norteada pelas relações que se constroem entre Kivrin e aqueles de seu convívio próximo: a equipe que a auxilia na viagem e aqueles que a acolhem durante a Idade Média. Esses laços de amizade se fortalecem enormemente nos momentos mais críticos e demonstram o quão grande pode ser a generosidade humana em tempos difíceis.
A maior parte dessa história é narrada na forma indireta, mas também a compõem alguns depoimentos gravados por Kivrin durante sua viagem. São esses relatos que dão profundidade à personagem, explicitando seus sentimentos e suas opiniões sobre aquilo que presencia. É por meio deles, também, que o leitor é imerso nesse lugar desconhecido de maneira bastante sensorial, uma vez que as descrições são embasadas nas impressões e experiências da personagem.
Por mais que os acontecimentos tragam detalhes históricos bastante ricos, que merecem a leitura, a história peca por alongar demais situações de suspense e apresentar desfechos previsíveis para a maior parte delas. Mas, ainda assim, as relações de amizade que se desenvolvem entre as personagens centrais e as ambientações muito bem elaboradas, tanto do passado, quanto do futuro, conseguem manter o enredo interessante.
Por Letícia Vieira Santos
leticiavs@usp.br