Por Victória Pimentel e Stella Bonici
vic.oliveira.pimentel@gmail.com e stebonici@gmail.com
Dizer que o cinema vive adaptando histórias do tempo de nossas avós (ou mais antigas ainda) para suas telas não é novidade alguma. As consagradas obras da literatura e até mesmo a história viva são as maiores fontes de inspiração dos cineastas. Eles não se cansam de produzir refilmagens de histórias que sabemos de trás para frente, de frente para trás.
Isso tudo, porém, parece muito chato e entendiante. ‘Puxa vida, mais uma versão de Branca de Neve?’, poderíamos nos perguntar. Mas estaríamos nos esquecendo de algo muito importante. Quando falamos de cinema, é preciso lembrar que a busca pelo novo é mais que constante. Os diretores estão sempre buscando ‘’novos olhares’’, um jeito diferente, inédito e por que não, inusitado de abordar assuntos e roteiros já batidos.
E agora o que antes parecia chato, parece complicado. Como transformar uma história de séculos atrás em um roteiro fresco e moderno, que consiga dialogar com a nossa época sem perder a sua essência? Pensar nisso é tarefa dos cineastas, mas trazemos aqui alguns exemplos que tentam realizar essa façanha.
O Grande Gatsby
O romance do escritor americano F. Scott Fitzgerald, escrito em 1925, nem teve chance de escapar de ser transformado em filme. E mais: a história do misterioso Jay Gatsby foi das páginas para as telas não uma, mas cinco vezes. As mais notáveis adaptações, porém, são a de 1974 (com roteiro de Francis Ford Coppola e atuações de Robert Redford e Mia Farrow) e a de 2013, com Leonardo DiCaprio e Carey Mulligan nos papéis principais.
O longa mais recente, apesar de ter dividido a crítica, foi muito comentado especialmente pela riqueza de seu visual. O diretor Baz Luhrman aproveitou que a história se passava na década de 20, em um cenário de prosperidade e excessos, e elevou a qualidade dos recursos visuais à décima potência. O abuso de cores e detalhes é evidente e dá gosto assistir as fabulosas cenas das festas de Gatsby.
O roteiro ganha modernidade quando as cenas altamente produzidas são alternadas com flashes de filmagens da época, tornando o cenário muito mais real e palpável ao espectador. E não acaba por aí. Apesar de ter boas atuações e bela fotografia, em O Grande Gatsby, a cereja do bolo é, sem dúvidas, a trilha sonora. O filme mistura a aura dos anos 20 com músicas atualíssimas. A trilha conta com a produção de Jay-Z e tem canções de artistas como Beyoncé, Will.i.am, Lana Del Rey e Jack White.
Alice no País das Maravilhas
Alice no País das Maravilhas (2010), com direção de Tim Burton, é uma produção da Disney, assim como a famosa animação de 1951. O desenho conta a história do livro de Lewis Carroll, que tem esse mesmo nome. Alice é uma menina que, ao seguir um coelho branco com um relógio, cai em um buraco e entra no País das Maravilhas.
No filme, Alice (Mia Wasikowska) já não é mais uma menina, é quase adulta e, quando criança, teve um sonho com a mesma história do desenho (e do livro de Carroll). A protagonista está em uma festa, onde um barão vai fazer um pedido de casamento. No meio do pedido, Alice sai correndo porque vê um coelho branco com relógio – o mesmo de seu sonho -, e, o seguindo, cai em um buraco – sim, o mesmo de seu sonho. Lá, ela passa pelo mesmo desafio da primeira vez que visitou o lugar, deve beber um líquido que a deixa pequena para passar por uma porta, e comer um bolo para fazê-la crescer de novo.
Ao abrir a porta, Alice dá de cara com o País das Maravilhas, e alguns habitantes do lugar estavam lá perguntando se ela seria a “Alice certa”. Com o decorrer do filme, percebe-se que o longa é continuidade da animação de 1951. Um oráculo, que é representado pela Lagarta Azul (dubladem de Alan Rickman), mostra um pergaminho que conta o futuro da história de Alice, e mosta o que ela deve fazer de volta ao País.
A protagonista não acredita ser a “Alice certa”, mas o desenrolar do filme que vai revelar os fatos e dar uma resposta definitiva a essa questão. O interessante do longa é que todos os personagens da história original são apresentados, mas com suas devidas mudanças, que vieram devido a influência da Rainha de Copas (Helena Bonham Carter) em toda a população.
Além da inovação do roteiro, a fotografia do filme também é completamente diferente do que se imagina para um filme que conte a história de Alice, com toques que só os filmes de Tim Burton têm. Ao invés das paisagens coloridas do desenho, os cenários do filme são sempre cinzentos e repleto de criaturas estranhas. A Rainha de Copas tem uma cabeça gigantesca, o Chapeleiro Maluco (Johnny Deep) é maquiado de forma que tende ao sobrenatural, e os gêmeos Tweedledee e Tweedledum (Matt Lucas) possuem um arquétipo deformado, quando comparado à estrutura humana usual.
Oz, Mágico e Poderoso
Esqueça Dorothy e os sapatinhos de rubi! Oz, Mágico e Poderoso (Oz: The Great And Powerful, 2013) conta a história de Oz: o mágico que dá título ao romance de L. Frank Baum, e tudo isso muito antes de conhecer Dorothy. Desde o começo, o roteiro já revela algumas peculiaridades que tornam a produção um tanto diferente. Interpretado por James Franco, Oscar é um mágico, sim: mas é um charlatão descaradíssimo. Além disso, é mulherengo de primeira categória. Em outras palavras, um perfeito anti-herói.
O filme começa em preto e branco e só passa para o colorido quando Oscar acaba sendo levado por um furacão para as terras mágicas de Oz. Nesse momento, também marcando essa transição, o áudio ainda muda de mono para surround. Em Oz, o ‘’mágico’’ conhece as bruxas Theodora (Mila Kunis), Evanora (Rachel Weisz) e Glinda (Michelle Williams). Elas e os cidadãos desse mundo fantástico o recebem como o grande mágico de Oz, esperado há anos para derrotar a bruxa má. Oscar sabe que não é o homem esperado, mas de olho em um grande tesouro destinado ao mágico, assume o papel.
Coloridíssimo, o filme conta com um roteiro cheio de diálogos irônicos, além de personagens realistas e modernos. Theodora, por exemplo, surpreende ao aparecer vestindo sobretudo, calças e botas ao invés de vestidos ou mesmo o que esperamos por roupas ‘’de bruxa’’. E não é só isso: o longa é cheio das referências à outras obras (como Ali Babá e os Quarenta Ladrões), e a elementos que não fazem parte do mundo maravilhoso de Oz. Em certo momento, Oscar, exatamente por ser um charlatão, usa e abusa de invenções que ajudam a criar ilusões. Se inspira em Thomas Edison (inventor da lâmpada elétrica incandescente e de inúmeras outras modernidades), utiliza fogos de artífício, projetor de imagens, tudo isso em um mundo mágico, levando o real para dentro do fantástico.
Romeu + Julieta
Existem pelo menos três adaptações para o cinema do clássico shakespeariano, Romeu e Julieta. Mas a mais curiosa delas, com certeza, é a versão de 1996 com Baz Luhrman (o mesmo diretor do Grande Gatsby), que conta com Leonardo DiCaprio e Claire Danes no papel dos protagonistas. A história entre a jovem da família Capuleto com seu amado de uma família rival, Montéquio, permanece a mesma. O que muda, são os elementos que a compõem.
A versão é totalmente moderna nos figurinos, cenário (apesar da história ainda se passar em Verona) e maquiagem, e as músicas ficam em uma mistura de pop com orquestras acompanhadas de coral. A espada, arma usada na peça original, é substituída pelo revólver, os cavalos por carros dignos do Pimp my Ride (aquele programa da MTV de turbinar carros, sabe?), e até drogas acabam rolando no desenvolver do filme. O padre que ajuda Romeu e Julieta na peça, interpretado por Pete Postlethwaite no longa, é apresentado aos telespectadores sem camisa, com uma cruz tatuada nas costas, e falando de botânica. Apenas quando Romeu o chama de padre, e, logo em seguida, quando ele coloca a batina, que conseguimos entender de quem se trata.
Mas o mais curioso de tudo isso é que, junto desses elementos modernos, as falas dos personagem correspondem às da peça original de Shakespeare, com o inglês arcaico e as longas metáforas que, no fim, dizem pouco. A interpretação dos personagens também é bastante teatral, elemento incomum aos filmes, que procuram uma interpretação o mais natural possível.
Espelho, Espelho Meu
A história da Branca de Neve vem dos clássicos de contos de fadas dos Irmãos Grimm, mas se popularizou em 1937, após Walt Disney produzir a animação Branca de Neve e os Sete Anões.
O conto do livro Kinder-und Hausmaërchen (Contos de Fada para Crianças e Adultos), dos Grimm, é bem parecido com a história da Disney, porém, tem suas diferenças. Primeiro, no conto, após descobrir que a enteada ainda está viva, a rainha usa de uma série de artimanhas para tentar matá-la, como um laço para sufocar a princesa e um pente envenenado para seus cabelos, mas os sete anões sempre a salvam de alguma forma. E quando a princesa come a famosa maçã envenenada oferecida por sua madrasta, ela não morre definitivamente, apenas fica engasgada com um pedaço da fruta, e desacorda. Assim, não é o beijo do príncipe que a salva, mas sim, sofrer um chacoalhão que faça a maçã sair de sua garganta.
A adaptação do clássico para o cinema, entretanto, começou antes disso. O filme Branca de Neve, de 1916, já contava a história da princesa no cinema mudo. E depois dele, mais algumas adaptações foram feitas, cada uma com a sua particularidade. Dentre elas Espelho, Espelho Meu (2012), de Tarsem Singh.
O filme não só dá toques modernos à história, como também a muda. No longa, a rainha (Julia Roberts) ainda quer matar Branca de Neve (Lily Collins) por ter inveja da sua beleza, mas ela não pede nada a um caçador, mas sim, que seu servo (Nathan Lane) leve a princesa até a floresta e a deixa ser devorada pela “Fera”. Lá, Branca de Neve consegue fugir, e encontra os sete anões, que não são Mestre, Feliz, Atchim, Zangado, Dunga, Dengoso e Soneca, mas sim, Grimm (Danny Woodburn), Açougueiro (Martin Klebba), Riso (Ronald Lee Clark), Lobo (Sebastian Saraceno), Napoleão (Jordan Prentice), Tampinha (Mark Povinelli) e Rango (Joe Gnoffo). E eles não trabalham em uma mina, são ladrões profissionais que assaltam os transeuntes da floresta.
Além disso, outros elementos que fogem da história original são que a rainha quer se casar com o príncipe encantado da Branca de Neve (Armie Hammer) – que não é tão encantado assim -, a princesa se mostra politizada, porque tenta devolver ao povo parte dos excessivos impostos cobrados pela corte, e o beijo dos protagonistas também não acontece porque Branca de Neve está desacordada, mas sim, porque o príncipe está sob um feitiço.
O filme também é permeado de um humor que, apesar de clichê, faz você soltar algumas risadas. Os cenários, figurinos e os modos da sociedade, apesar de manterem um clima de contos de fadas, são bem modernos.
https://www.youtube.com/watch?v=MAGGx-CJLJU
O roteiro destaca alguns dos rituais da época, evidenciando seu lado cômico e como Maria Antonieta – que na verdade era austríaca e se tornou rainha pelo casamento com Luís XVI, não se encaixava nos moldes da corte francesa. Deslocada, restava à ela se divertir a seu modo: com festas, doces, champagne e vestidos exuberantes. São nessas cenas que a diretora abusa de elementos que tornam a produção moderna e dinâmica. Cores pastéis, como a dos famosos macarons (um tipo de doce francês), que enchem o olhar e mais uma vez: a trilha sonora. Músicas com cara da época são mescladas com músicas completamente atuais – toca The Cure, New Order e até Strokes! – o que ajuda a caracterizar o lado divertido da rainha.
Sem contar, é claro, a aparição mais que inusitada de um tênis All Star, assim, do nada. Jogado, com os cadarços desamarrados, ele aparece entre os sapatos e vestidos da época, e mostra, mesmo que singelamente, que Maria Antonieta não é como os outros filmes de história.