A antiga Hollywood é um sonho glamouroso revestido à vaselina. Um devaneio protagonizado por astros magnéticos, por uma certa elegância inatingível que cria seu próprio universo. Ryan Murphy, criador e produtor da nova minissérie, sabe muito bem disso, assim como sabe do grande pesadelo que era uma indústria construída sobre uma ideia de perfeição. Em Hollywood, seu novo projeto em parceria com a Netflix, o criador ousa fantasiar e criar sua própria história – uma em que tal sonho possa ser realidade vibrante e diversa.
A minissérie retrata a produção de uma cinebiografia sobre sonhos despedaçados e rejeição na indústria, que atrai vários ambiciosos artistas. Na amálgama de ambições apresentada, a constante é o sonho do cinema, que se torna escapismo e esperança nos Estados Unidos pós-Guerra. Logo no começo, Raymond Ainsley, personagem de Darren Criss, diz a um produtor que “filmes nos mostram como o mundo pode ser, e se mudarmos o jeito com que são feitos – se você se arriscar e contar uma história diferente – podemos mudar o mundo”, sintetizando o idealismo que permeia a história de começo ao fim.
![Raymond (Darren Criss) e o roteirista Archie (Jeremy Pope) conduzem uma leitura de roteiro [Imagem: Reprodução]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2020/05/hollywood_netflix_2.png)
Por muitas vezes, a série limitada, que se estende por sete episódios, parece um resumo de sete temporadas: repleta de narrativas centrais e periféricas em diálogo, mas sem rumo claramente definido. Certos desenvolvimentos parecem acessórios demais para o espaço de tela que ocupam, ao passo que outros carecem da atenção necessária. O tom flutua entre a gravidade que marca as empreitadas mais maduras do autor, como American Crime Story (2016-presente), e o humor jovial dos episódios mais exagerados de Glee (2009-2015). Os desdobramentos melodramáticos também marcam a série e causam estranhamento, em especial no drama familiar mal trabalhado do aspirante a ator Jack Castello (David Corenswet). Hollywood parece carecer da autoconsciência que é o mote de sua proposta metalinguística.
Mesmo assim, a minissérie vem de uma linda e tenra imaginação, que mescla integralmente personalidades reais e o que poderia ter sido. É uma reparação histórica fictícia, em que o consagrado ator Rock Hudson (Jake Picking) pode ter sua sexualidade representada ao invés de viver uma vida enclausurado, um grande estúdio pode ser comandado por uma mulher genuinamente preocupada com a arte e jovens negros podem ser estrela e roteirista. É reconfortante observar um universo em que talvez grandes filmes possam ser produzidos em nome do poder da cinematografia, e não do mercado. É agridoce imaginar que Hattie McDaniel (Queen Latifah), primeira mulher negra a vencer o Oscar de atriz coadjuvante (em 1940), faleceu relegada pela indústria, mas poderia ter testemunhado a ascensão de Camille Washington (Laura Harrier) ao protagonismo. Nesses sentimentos residem os melhores momentos do roteiro.
![Camille Washington (Laura Harrier) é mentoreada por Hattie McDaniel (Queen Latifah) [Imagem: Reprodução]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2020/05/hollywood_netflix_3.png)
Que texto incrível! Críticas pontuais e extremamente finas. Eis aqui um poço de sagacidade e brilhantismo