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Oakland: Glórias, tristezas e despedidas

A ascensão e queda dos esportes profissionais na cidade de Oakland

A consolidação da profissionalização nos esportes traz consigo diversas vantagens. O crescimento, expansão das cidades e o aumento do afluxo de capital resultam, em longo prazo, em mudanças socioeconômicas de sua população, e que podem gerar benefícios para as políticas públicas locais.

Em especial nas pequenas cidades, a existência de grandes equipes pode elevar o seu patamar, colocando-as em um nível especial, tanto no cenário nacional quanto internacional. Esse é o caso de Oakland, que devido à presença  nas grandes ligas esportivas, conseguiu elevar sua posição e importância na esfera estadunidense.

Mas recentemente a cidade situada na Califórnia observou a saída de duas das suas franquias — o Golden State Warriors e o Oakland Raiders — e as consequências socioeconômicas sobre a comunidade são perceptíveis. A fim de compreender melhor esse atual momento do esporte nos EUA e nesse centro esportivo da Costa Oeste, é preciso começar do início, desde a sua formação como cidade.

 

O que é Oakland?

Oakland view
Vista da cidade de Oakland, com São Francisco ao fundo [Imagem: Reprodução/Flickr]
Oakland é uma cidade portuária situada na Califórnia, próxima a São Francisco, sendo a terceira maior dessa região. Gene Anderson, historiador e autor do livro Legendary Locals of Oakland, aponta quatro principais fatores para o seu surgimento e crescimento: ouro, ferrovias, terremotos e rodovias.

A descoberta de minérios na costa oeste americana foi um responsável pelo crescimento das principais cidades dessa região, como aponta Anderson. Oakland, que se encontrava no caminho das minas de ouro de São Francisco, rapidamente se transformou num centro comercial e urbano, com o estabelecimento de comércios e famílias próximos à região.

O segundo fator, a primeira ferrovia transcontinental, entregue em 1869, teve Oakland como um de seus terminais na Costa Oeste. Aliado à importância comercial da cidade, tida como um importante ponto na região da Califórnia, ela passou a receber um reconhecimento nacional, que duraria por boa parte do século 20.

Já em 1906, Oakland passou por sua primeira grande explosão populacional. Um terremoto na vizinha São Francisco acelerou ainda mais esse crescimento da cidade. Com a cidade devastada, política e socioeconomicamente, diversas pessoas, empresas e indústrias se mudaram de lá. “Mesmo após a reestruturação de São Francisco, boa parte permaneceu em Oakland por conta da infraestrutura e oportunidades que ela passou a oferecer a seus residentes”, como apontou Anderson.

A segunda se deveu à Segunda Guerra Mundial. Oakland e a Califórnia, por conta de suas posições estratégicas no Pacífico, tornaram-se um importante centro para o comando das ações no conflito militar com o Japão. Com isso, a cidade observou um grande avanço em sua economia e uma alteração na demografia étnica, com o aumento da população negra na cidade.

Crescimento populacional de Oakland, em gráfico [Imagem: Arquivo pessoal/Gene Anderson]
Após o fim da Guerra, a prosperidade econômica e política vivida pelos EUA também foi sentida na Bay Area. “Esse avanço da industrialização foi impulsionado, principalmente, pelo seu porto e o terminal da ferrovia”, como aponta Gene Anderson. Ele ainda ressalta: “Consequentemente, ele resultou no aumento da receita fiscal e dos empregos na cidade”.

Entretanto, enquanto a economia seguia crescendo, a marginalização e a desigualdade racial aumentavam, o que resultou no surgimento de subúrbios, na gentrificação e numa renovação do espaço urbano.

Essa urbanização desenfreada, como na maioria das grandes cidades, traz consigo um importante ônus: o avanço da criminalidade. A marginalização de setores da sociedade, como negros e asiáticos, excluía-os de políticas públicas e os negava a possibilidade de ascensão social. Assim, Oakland se tornava, aos poucos, uma das regiões mais perigosas do país, o que contrastava com os avanços econômicos.

Além disso, as discussões acerca das políticas de segregação racial e as Leis de Jim Crow tornavam o ambiente urbano inóspito para esses grupos étnicos em todo os EUA. E não havia como ser diferente em Oakland. “As antigas regiões industriais eram os locais onde a população negra era permitida viver e, até hoje, são onde mais predominam”, relata Anderson. Por conta dessa demografia, a cidade ainda foi berço do grupo Panteras Negras, que lutou pelo fim da política racial e foi essencial para o fim das leis segregacionistas.

Esses fatores somados, ainda que trouxessem benefícios econômicos, resultaram em obstáculos para o desenvolvimento e prosperidade da cidade no aspecto social e humano. Além disso, ainda faltava algo que trouxesse os holofotes para Oakland, que permanecia ofuscada por São Francisco, seu “irmão mais velho”. Esse algo a mais viria a ser os esportes, em especial aqueles a nível profissional, que foram responsáveis por trazer  turismo, capital e, o mais importante, visibilidade à cidade.

Sistema de franquias

Troféu Vince Lombardi, título máximo da NFL [Imagem: Reprodução/Flickr]
Para quem acompanha partidas de basquete, futebol americano ou beisebol, o termo franquias não lhe soará estranho, e também está longe de ser complexo. Diferentemente da ideia que temos aqui no Brasil, em especial em nosso futebol de clubes, compostos por sócios e conselheiros, as grandes equipes americanas visam, além dos aspectos sociais e esportivos, o lucro.

David Feldman, historiador de beisebol e torcedor do Oakland Athletics, explica que, nos esportes americanos, cada uma das franquias possui um dono, seja este um grupo ou apenas um indivíduo. Além disso, não é permitido que múltiplas franquias, de uma mesma liga, possuam um mesmo dono em comum.

Por serem voltadas para o lucro, esse esquema de franquias, da mesma forma que as corporações e indústrias, está sujeito a mudanças de sede e de cargos, de acordo com seus interesses. Por conta disso, é comum que esses times mudem de cidades, em busca de melhores condições, como infraestrutura e incentivos fiscais.

Essas mudanças, por vezes repentina, já ocorreram inúmeras vezes nas grandes ligas americanas, como a National Basketball Association (NBA) e a Major League Baseball (MLB). Na National Football League (NFL), por exemplo, o Los Angeles Chargers, por exemplo, até 2016, atendia pelo nome de San Diego, cidade menor em comparação à movimentada cidade da Califórnia, que ofereceu à franquia uma infraestrutura melhor, maior centro socioeconômico e maior audiência televisiva. No geral, esses aspectos significam apenas uma coisa: mais dinheiro para os donos.

Além dessas características, esses campeonatos têm um sistema muito rígido para o acesso de novas franquias, como conta Feldman. “A liga tem, em casos de venda e aquisição de times, a palavra final nessa decisão, por meio de uma votação entre os membros”, explica o historiador. A depender das regras de cada liga, essa votação deve ter um consenso ou uma maioria simples. Assim, o modelo empresarial das equipes fica ainda mais restrito, numa espécie de oligopólio e “cartelização” do esporte.

Formação das franquias

As grandes franquias de Oakland tiveram em comum os interesses econômicos para o seu estabelecimento na cidade. A expansão industrial dos anos anteriores resultou na entrada e na circulação de capital entre as grandes empresas e a prefeitura. Como citado anteriormente, com a profissionalização do esporte e a formação das grandes ligas, as franquias e seus donos estão atrás, principalmente, de duas coisas: retorno financeiro e visibilidade da marca. E Oakland, em meados do século 20, apresentava as duas coisas.

Ainda, as franquias americanas têm uma certa liberdade para se mudarem de cidades. Assim, um incentivo do Estado, uma nova arena, um novo projeto esportivo, são alguns dos exemplos de fatores responsáveis por atrair as franquias profissionais. No caso de Oakland, todos esses puderam ser observados durante sua história, a seu favor e contra.

A história dos esportes na Bay Area é marcada por três principais franquias: Warriors, Athletics e Raiders. Esses times, juntos com o crescimento da economia e da industrialização, foram responsáveis por chamar atenção para a cidade. Para compreender como eles chegaram a Oakland, é preciso entender suas origens, que passam longe do Oeste.

Para o esporte de alto nível, como o praticado pelas ligas americanas, são necessários investimentos e capital. Por isso, é compreensível que as primeiras franquias tenham surgido nas regiões mais desenvolvidas dos Estados Unidos. Destaca-se principalmente a área do Manufacturing Belt, próxima aos Grandes Lagos, onde se iniciou o povoamento americano. E o beisebol, um dos esportes coletivos mais antigos, foi o primeiro contemplado.

O time de 1905 do Philadelphia Athletics, campeão da World Series [Imagem: Reprodução/Wikimedia]
Filadélfia, 1901. Há mais de um século, era fundado o Philadelphia Athletics, primeira franquia da cidade. O nome remetia a um clube de cavalheiros, famoso no estado da Pensilvânia, e que, ainda na era amadora do beisebol, havia disputado alguns campeonatos. Os A’s, como são popularmente chamados, mostraram sucesso num curto espaço de tempo: em menos de 10 anos, a equipe já havia conquistado duas World Series — o maior título da MLB — e consolidado seu espaço entre as grandes franquias da época.

Os Athletics seguiram dominantes nas décadas de 10 e 20, conquistando mais três títulos, em 1913, 1929 e 1930. Mas, com a Grande Depressão de 29, a franquia passou por dificuldades financeiras durante décadas, amargando temporadas seguidas sem ser competitiva na Liga. A perda de visibilidade da franquia num cenário nacional, somada à possibilidade de ir à falência, resultou em sua venda para Arnold Johnson, magnata de Chicago, e que resultaria na ida da equipe para Kansas City, no Missouri.

Philadelphia Warriors em duelo com o New York Knicks [Imagem: Reprodução/Wikimedia]
Os Warriors, por sua vez, também nasceram na Filadélfia, e chegaram a conquistar títulos enquanto residiam por lá. Em 1946, enquanto ainda não existia a NBA como conhecemos hoje, a franquia foi um dos membros fundadores da Basketball Association of America (BAA), uma liga para rivalizar com a National Basketball League (NBL), a primeira profissional de basquete.  Na temporada inaugural, o Philadelphia Warriors se sagrou campeão, recuperando um orgulho para a cidade em meio aos sucessivos fracassos dos A’s.

Já em 1949, uma fusão entre as duas grandes ligas de basquete, originou a NBA, que existe até os dias de hoje e permanece como o maior torneio do esporte no mundo, e nesta os Warriors não conseguiram repetir um domínio sobre as demais franquias, como os A’s na MLB no início do século. Entretanto, tiveram grandes momentos na Pensilvânia, como a marca histórica de Wilt Chamberlain, com 100 pontos em um único jogo, recorde imbatível até hoje.

Mas até aqui, nenhuma dessas franquias havia ainda se mudado para Oakland, e continuavam próximas dos primeiros locais de povoamento dos EUA, seguindo a rota da antiga industrialização. O ponto de virada, e que desencadearia a sua vinda para a Costa Oeste, só viria em 1960.

Nessa década, com o sucesso cada vez maior dos campeonatos, dos retornos televiso e financeiro, surgiam cada vez mais milionários interessados em integrar esse novo mundo. Entretanto, o empecilho que as ligas impõem para novos membros fez com que esses futuros donos buscassem alternativas àquelas organizações já estabelecidas.

Elenco do Oakland Raiders de 1960, primeira das grandes franquias da cidade [Imagem: Reprodução/Twitter]
Uma dessas, e aquela que obteve o maior sucesso, foi a criação da American Football League (AFL), como resposta para rivalizar com a NFL, que existe desde a década de 20. Essa nova liga pretendia unir novos times que haviam sido rejeitados, a fim de formar uma resistência ao formato original, além de utilizar do sucesso do futebol americano na sociedade para lucrar. Outro fator muito importante que a AFL trouxe, foi a habilidade de explorar novos mercados e, com isso, novas cidades.

Alguns desses centros, até então esquecidos pela NFL, trouxeram resultados positivos para os donos, como Boston, Miami, Kansas City e Oakland, este último com os Raiders, primeira franquia da cidade. O sucesso da liga forçou, antes do fim da década, a fusão entre NFL e AFL, e abriu caminho para a expansão do esporte nos EUA e, especialmente, na Costa Oeste.

Os Anos de Ouro de Oakland

O ponto de partida para o que faltava em Oakland havia sido dado. A fundação dos Raiders mostrou aos donos um potencial novo mercado a ser explorado, e que havia capital e infraestrutura para evoluir o esporte e, principalmente, lucrar.

Ainda na década de 60, os incentivos da crescente indústria, da prefeitura e da sociedade como um todo conseguiram atrair as franquias de beisebol e basquete para a cidade: os Athletics e os Warriors.

Vista aérea do Oakland Coliseum e da Oracle Arena, centros esportivos de Oakland [Imagem: Reprodução/Flickr]
Um fator importante para esse sucesso foram as arenas. Os Raiders, até a vinda dos A’s, não possuíam um estádio fixo para chamar de seu. Seguindo o processo de consolidação dos esportes na cidade, a prefeitura, junto com empresários do setor privado, iniciaram a construção de um estádio multiuso, para o beisebol e o futebol americano, que ficaria conhecido como Alameda Coliseum, a mais moderna de seu tempo.

O estádio, fator limitante para a expansão para Oakland, deixava de ser um problema, e as ligas começaram a analisar a possibilidade de transferência das franquias. A MLB, que buscava desde a década de 50 essa alternativa, sinalizou positivamente para a mudança, e o Kansas City Athletics mudaram para o seu nome de mais sucesso: Oakland Athletics.

Com os Warriors, a história foi semelhante. Com o sucesso do beisebol e do futebol americano, decidiu-se pela expansão para os esportes in doors, como o hóquei e o basquete. A construção, que num primeiro momento serviu por um período ao California Seals, extinto time do esporte no gelo, atraiu o San Francisco Warriors na década de 70 e passou a utilizar a alcunha de Golden State, valendo-se da ideia de que a franquia defenderia toda a Califórnia.

Consolidou-se assim o projeto esportivo para Oakland, o ponto que faltava para o seu sucesso. Uma pequena cidade do Oeste americano passava, de uma década para outra, a ser uma das únicas, ao lado de Nova Iorque e Los Angeles, a ter times nas três principais ligas. Um grande avanço socioeconômico, como detalhou David Feldman: “Essa era colocou um holofote sobre Oakland, colocando a cidade no mapa da cobertura televisiva americana, devido ao sucesso de seus times”.

Além disso, como se planejava, a comunidade adotou os times rapidamente. Paulo Antunes, comentarista dos canais ESPN, apontou o sucesso de público dos estádios, principalmente no Coliseum: “Um inferno de jogar para os adversários, por conta da lotação e da energia que as arquibancadas traziam para a atmosfera do espetáculo”. Foi a oportunidade perfeita para Oakland finalmente sair da sombra de São Francisco, tornando-se ainda mais importante no cenário esportivo.

Já em relação às conquistas, o apoio da comunidade impulsionou e alavancou os esportes em Oakland, criando assim uma “era de ouro” nos anos 70. O retorno financeiro, devido à lotação dos estádios, foi o primeiro objetivo, mas faltavam os resultados em campo.

Ken Stabler, Quarterback dos Raiders na década de 70 [Imagem: Reprodução/Twitter]
“Sempre são jogadores”. Esse é o resumo das conquistas de Oakland nos anos 70, para Feldman. Além do planejamento extracampo, que trouxe visibilidade à cidade, não tem como obter as vitórias sem as grandes estrelas. “Reggie Jackson, Rick Barry, Ken Stabler são só alguns dos grandes nomes do esporte de seu tempo”, aponta o historiador. Quando somados aos investimentos que Oakland recebeu durante esses anos,  os sucessos que os times obtiveram são explicados.

E os triunfos são vários! Oakland observou, entre as temporadas de 1972 e 1976, múltiplos títulos em todos os seus esportes: o Super Bowl com os Raiders, a World Series com os A’s e a NBA Finals com os Warriors. A cidade, em completo êxtase, passou, segundo Feldman, a fomentar o orgulho nos cidadãos e na comunidade, lotando os seus estádios. “Não há como negar os diversos problemas de Oakland, como drogas, crimes, falta de moradia, mas por meio do esporte, Oakland deixava de ser apenas uma cidade na costa oeste americana, vizinha de São Francisco, para se tornar ‘A Cidade’ da Califórnia”, ressalta.

Entretanto, nada é para sempre, e a lua de mel entre a cidade e suas franquias observou, nas décadas seguintes, capítulos de frustrações e despedidas.

A queda e fuga das equipes

Como explicar o retrocesso dos esportes em Oakland, até o ponto em que observamos hoje, em 2021? Para Feldman, se resume a duas coisas: “dinheiro e novas arenas”. Oakland, ainda que entregasse uma infraestrutura decente para o seu tempo, era uma cidade de médio porte dos Estados Unidos e não conseguia seguir o ritmo de construção de outros estados, como Nova Iorque e o Texas.

“Mas em pouco tempo, com o time em decadência, a gente passou a observar muitos assentos vazios. Isso porque, além do esporte, os estádios são muito ruins”, relata Antunes. Arenas antigas e pouco atrativas, ainda mais considerando a localização portuária da cidade, passaram de oportunidades de expansão, nos anos 60 para obstáculos, a partir da década de 80. E as franquias começaram a estudar oportunidades de se realizar novos negócios, longe de Oakland.

O primeiro indício de despedidas se deu ao final da década de 70. Charlie Finley, proprietário dos A’s à época, chegou a se ter um acordo que resultaria na venda da franquia, sua mudança para Denver e na reconstrução do Alameda Coliseum. Devido a empecilhos com a MLB e a prefeitura de Oakland, que não permitiram a utilização do dinheiro para arcar com as reformas no estádio, os Athletics seguiram como parte integrante da Costa Oeste, mas com um estádio ultrapassado.

Mascote do Oakland Athletics, sozinho, no Coliseum [Imagem: Reprodução/Twitter]
A partir desse momento, os torcedores de Oakland, principalmente dos Raiders e dos Athletics, tiveram que lidar, frequentemente, com a possibilidade de perderem os seus times. O estádio, que fora essencial para atrair o esporte para a cidade, passou a ser preterido por seus donos.

Em meio a tantos conflitos de interesses, entre prefeitura e as franquias, os Raiders foram os primeiros a deixar Oakland, ainda na década de 80. Al Davis, executivo do time por quase 40 anos, decidiu priorizar o lucro ao invés do apoio da torcida e de seu povo, e moveu a equipe para Los Angeles, na qual teria camarotes e poderia, teoricamente, maximizar seu capital. A decisão foi contra a cidade e até a própria NFL, que não concordaram com a mudança, e deixa consequências até os dias de hoje.

David Feldman conta que essa saída dos Raiders foi tida como uma traição pela comunidade, e até pelos próprios jogadores. “O time contava com o apoio massivo de sua torcida e a equipe era parte vital de Oakland, frequentemente vistos confraternizando com os fãs após os jogos. O sentimento foi de ter o coração arrancado”, relata.

Ainda que o Los Angeles Raiders tenha conseguido um sucesso esportivo — conquistando o Super Bowl XVIII —, o clima não era o mesmo que aquele de Oakland, e a decisão de retornar ao lar não demoraria a ocorrer. Em 1995, Al Davis, os Raiders e Oakland chegaram a um acordo para trazer a franquia de volta à Bay Area, no qual a prefeitura se dispôs a arcar com os custos das reformas nos estádios, da construção de um novo centro de treinamento e da mudança. Mas, de certa forma, o estrago já havia sido feito: a franquia mostrou um grande crescimento de sua marca, dando indícios que a Baía havia ficado pequena demais…

Ainda que, para os Raiders e, consequentemente, para os A’s, as reformas na estrutura do Coliseum tenham sido benéficas e tenham atraído mais pessoas ao estádio, incrementando o lucro de seus donos, para Oakland esse movimento resultou em um profundo déficit orçamentário nos cofres públicos. Isso impossibilitaria novos movimentos desse tipo no futuro, e que seriam necessários para a manutenção das franquias.

Entrando no século 21, surgiram cada vez mais novas arenas bilionárias ao redor dos Estados Unidos, como o MetLife Stadium, localizado em Nova Jersey. A velha máxima de que “a grama do vizinho é sempre mais verde” vale para Warriors e Raiders, que começaram a estudar novas opções ainda nos anos 2000.

Com estádios e arenas antiquados, é compreensível que as franquias busquem alternativas para melhorar o nível do entretenimento e aumentar os valores de suas marcas. A Oracle Arena e o Coliseum têm, somados, mais de cem anos de história, o que auxilia a explicar a qualidade — ou a falta — de suas infraestruturas. E atualmente, o público não está atrás apenas do jogo, mas sim de conforto e de uma experiência completa.

Mas Oakland, desde a volta dos Raiders, não possui o capital necessário para realizar grandes intervenções esportivas, como relata Feldman. Ainda que os times tentem permanecer com sua comunidade e seus fãs, a evolução do esporte não é capaz de se sustentar apenas com amor e lealdade. É necessário acompanhar esse ritmo, mas a condição financeira da prefeitura não permite.

Oracle Arena, em uma de suas últimas temporadas [Imagem: Reprodução/Wikimedia]
Com isso, o movimento iniciado com Al Davis e os Raiders, foi retomado pelo Golden State Warriors. Em 2014, a franquia iniciou uma reconstrução de marca, no qual surgiu a busca por um ambiente mais favorável a esse processo, e que a alavancasse para outros mercados. Oakland, ainda que tenha uma certa infraestrutura, possui um teto socioeconômico que é incapaz de acompanhar as tendências de mercado..

São Francisco, cidade que já havia sido sua casa, foi tida como ideal pelos seus donos, e foi iniciada a construção do Chase Center, arena que se localiza de frente para a baía. Para Paulo Antunes, essa decisão se deveu às oportunidades que essa nova casa oferece, que não existem, atualmente, em Oakland. “Uma cidade mais atraente, com mais câmbio e muito mais, que vão além de só o jogo”, ele completa.

Allegiant Stadium, nova casa do Las Vegas Raiders [Imagem: Reprodução/Wikimedia]
Já em relação aos Raiders, o movimento foi semelhante. Ainda com Al Davis vivo, a franquia estudava alternativas ao Coliseum, se declarando insatisfeita com a forma como Oakland lidava com o estádio e com a sua infraestrutura. Em 2015, da mesma forma que os Warriors fizeram, o time anunciou sua intenção de voltar para Los Angeles, juntamente com Chargers e Rams. Entretanto, a NFL negou aos Raiders a volta imediata para a cidade, condicionando-a somente caso o San Diego Chargers desistisse de sua iniciativa. Assim, a franquia teve de buscar um novo lugar, visto que Oakland não havia mais capacidade de suportar e arcar com novas empreitadas milionárias..Encontrou em Las Vegas sua nova casa, construindo seu estádio, o Allegiant Stadium, popularmente conhecido como “Estrela da Morte”.

Com as novas arenas prontas e com a decisão tomada, os dois times jogaram seus últimos jogos em 2019 em Oakland, para enfim seguirem os novos rumos. Com isso, a cidade voltava a ter apenas um time nas grandes ligas americanas, cenário vivido no início dos anos 60, e perdia os avanços esportivos ao longo desse tempo. Além disso, esse movimento das franquias deixa, inegavelmente, marcas na sociedade de Oakland, que reverberam por anos a fio.

Luto e o futuro

Campanha dos torcedores dos Raiders, “Stay in Oakland” [Imagem: Reprodução/Twitter]
O esporte é capaz de mudar a realidade de toda uma cidade, como pudemos ver ao longo dessa matéria. Da mesma forma, ele cria vínculos que são indissociáveis, uma paixão entre o homem e seu time, que ultrapassa o racional. A saída de Warriors e Raiders teve consequências duras sobre sua torcida e, principalmente, na economia de Oakland. Como se isso não fosse o bastante, em maio, os A’s e a MLB anunciaram que, caso não consigam chegar em um acordo com a prefeitura para a construção de um novo estádio, há a possibilidade de a franquia ir atrás de “outros mercados”.

Com essas despedidas e notícias, é impossível não notar o misto de emoções presentes nos relatos de fãs e torcedores. Inegavelmente, o principal sentimento é o de tristeza e raiva, como relata David Feldman: “Nós viemos lidando com a possibilidade os A’s deixarem Oakland desde o final da década de 70. Hoje em dia, toda essa situação só faz com que uma cidade já machucada se sinta ainda mais dessa forma”.

Stephen Curry usando a camisa do Golden State Warriors em homenagem a Oakland [Imagem: Reprodução/Twitter]
Outro ponto que o historiador relata é a controvérsia dos Warriors, em manter homenagens à sua antiga cidade enquanto joga em São Francisco. Segundo ele, “o slogan de ‘Oakland Forever’, recentemente utilizado pela equipe, parece um tapa na cara. Em outras palavras, é como se você terminasse com sua namorada, a machucasse, e depois tatuasse o seu nome para se lembrar dela. Que diabos é isso?”

Seguindo essa ótica de traição, Paulo Antunes, que esteve na última partida do Golden State Warriors na Oracle Arena, na qual o time perdeu o título da NBA para o Toronto Raptors, relata que, durante conversas com alguns torcedores, eles lhe contaram que, com a mudança da equipe para São Francisco, não iriam mais acompanhá-los: “eles são de Oakland”.

Ainda há aqueles que entendem a complexidade dos esportes profissionais, como é o caso de Gene Anderson: “Apesar de compreender os negócios que giram em torno, ele admite que gostaria que as franquias mostrassem tanta fidelidade quanto a de seus torcedores.”

Assim, o futuro, como um todo, não é dos melhores. Muito além da decepção e da tristeza, a queda da importância esportiva trará importantes consequências negativas à cidade. Sem Warriors, Raiders e — possivelmente — Athletics, Oakland, que já sofre para atrair pessoas, sentirá um impacto notável no turismo e na economia local. Além disso, a visibilidade nacional, que atingiu seu ápice na década de 70, será praticamente nula. “Oakland poderá ser facilmente esquecida”, finaliza Feldman.

Oakland Athletics: remanescentes até quando? [Imagem: Reprodução/Wikimedia]
Mas ainda há esperanças, como trata Gene Anderson. O aspecto mais importante em Oakland permanecerá: as pessoas. A diversidade cultural, consequência do afluxo de diferentes etnias ao longo de seu mais de um século de história, tornam a cidade especial. Mas além disso, na questão esportiva, a cidade ainda é um celeiro para novos talentos em suas escolas e, com o devido investimento, pode voltar a ser um importante centro esportivo profissional nos Estados Unidos.

Por outro lado, caso os A’s decidam ficar e sendo donos de 50% do Coliseum, há planos para revitalizá-lo, além de ações para a comunidade como um todo. Outro ponto positivo é a venda dos naming rights do estádio para a empresa RingCentral, outra fonte de renda para o projeto que visa manter a franquia na cidade.

Mas para Oakland, infelizmente os últimos 20 anos indicaram a dificuldade de competir com os demais mercados dos Estados Unidos. Entretanto, suas glórias do passado certamente não devem ser esquecidas, por terem sido responsáveis por modificar e marcar uma era nos esportes. Afinal de contas, a história não pode ser apagada.

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