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Observatório I Censura ou regulação da mídia? Entenda a medida do TSE

Em período eleitoral, TSE aprovou resolução que permite à Suprema Corte agir de ofício e gerou questionamentos quanto à possibilidade de censura

Em meio a tensões eleitorais, no dia 21 de outubro, foi aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma resolução que permite à Suprema Corte brasileira agir de ofício — sem ser provocado pelo Ministério Público ou por advogados — e retirar do ar notícias que tratem de assuntos idênticos que já foram julgados condenáveis.

A decisão gerou questionamentos nas redes sociais sobre a possibilidade dessa medida permitir que o Poder Judiciário censure conteúdos veiculados na internet com base em posicionamentos políticos. Em um movimento que já ocorre desde 2019, a legitimidade das Instituições Estatais foi questionada.

Agir de ofício diante do contexto eleitoral 

Em ano de campanha eleitoral, plataformas digitais e redes sociais são palco de desinformação, como os conteúdos que associam o presidente agora eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao satanismo, e Jair Bolsonaro (PL) à maçonaria, ao canibalismo e à pedofilia. Diante disso, o Tribunal aprovou a resolução que permite que o próprio órgão federal aja sem pedido prévio para que as campanhas retirem os conteúdos do ar. 

O professor da Faculdade Cásper Líbero e colunista da Uol Camillo Vannuchi explica que, em razão da legislação ultrapassada no Brasil no que diz respeito à regulação da Mídia, as medidas tomadas em momentos em que há aumento do número de notícias falsas circulando buscam ter conclusões rápidas: “As leis de calúnia e de difamação, que poderiam ser consideradas nesses casos, levam um enorme tempo até uma condenação. Assim, entramos em um vácuo: como lidamos com essas situações faltando cinco dias para eleição? Não há tempo de julgar”. 

As eleições de 2022 foram marcadas pela polarização política. [Imagem: Reprodução/Flickr]

A resolução busca acelerar o processo de retirada de publicações falsas durante o período eleitoral diante do curto espaço de tempo até que os brasileiros se dirijam às urnas. De acordo com o documento, aprovado por unanimidade, o prazo para retirada de conteúdos da internet comprovadamente falsos passa a ser de até 2 horas. “Imediata remoção da URL sob pena de multa de 100 mil reais por hora de descumprimento a contar do término da segunda hora a partir após o recebimento da notificação”, explica o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, diante do aumento do número de fake news em circulação durante a então disputa do 2º turno que elegeu Lula (PT).

Ivan Paganotti, doutor em Comunicação Social pela USP e estudioso no tema da censura, explica que essa prática de ameaçar em caso de reincidência é perigosa. “Isso criou um mecanismo de autocensura do veículo para evitar aquelas expressões ou aqueles termos no futuro”.

Pelo documento, o TSE pode determinar extensão sobre desinformação a partir de decisões prévias sobre conteúdos idênticos. Além disso, a medida também autoriza a suspensão temporária de contas e perfis em redes sociais, em caso de divulgação de conteúdo falso. Também fica proibida a propaganda eleitoral paga na internet 48 horas antes e 24 horas após o pleito.

Repercussão pública diante do 2º turno

Após a divulgação da resolução, houve rumores e opiniões que condenaram a medida do TSE como ferramenta de censura à liberdade de expressão no meio digital. No jornal estadunidense New York Times, o correspondente Jack Nicas escreve: “Ao permitir que uma única pessoa decida o que pode ser dito online no período que antecede as eleições de alto risco, que serão realizadas em 30 de outubro, o Brasil se tornou um caso de teste em um debate crescente sobre até onde ir no combate às ‘notícias falsas’”. Ainda acrescenta que é uma das ações mais agressivas tomadas por qualquer país para evitar informações falsas.

No dia 24 de outubro, a menos de uma semana do 2º turno, o TSE exigiu a remoção de postagens do deputado André Janones (Avante-MG), que relacionam o ex-deputado Roberto Jefferson à campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Jefferson foi preso no dia 24 após atirar em policiais federais no Rio de Janeiro. Segundo os advogados de Bolsonaro, Janones se aproveitou “de forma vil” para conquistar votos através de informações falsas ao apoiar a reeleição do presidente e ser conivente com os “atos criminosos perpetrados contra a Polícia Federal”.

No meio jornalístico brasileiro, a Jovem Pan esteve no centro de debates por ter mencionado a condenação de Lula em um de seus programas. O TSE considerou que as afirmações ditas no veículo sobre a condenação do candidato do PT à Presidência eram falsas diante do processo judicial. Assim, ele restringiu a Jovem Pan de tratar sobre a temática e isso fez com que a Jovem Pan afirmasse, em editorial, que o veículo estaria sob censura. A pedido de direito de resposta da coligação Brasil da Esperança, o TSE determinou que a Jovem Pan deve noticiar sobre as últimas determinações do caso, que o ex-presidente é inocente e que Sergio Moro não é o juiz responsável pelos processos na Operação Lava Jato. Além disso, a Corte Eleitoral abriu uma investigação após o PT pedir apuração para avaliar se houve falta de isonomia no tratamento que a Jovem Pan dispensou às notícias relacionadas a Lula em comparação ao presidente Jair Bolsonaro. 

Paganotti alerta para o efeito contrário que medidas como essa tomada pelo STF podem ter: “Juridicamente, esse caso da Jovem Pan abre espaço para contestação de não ser só um direito de resposta, mas também um dever de silêncio. Politicamente, dá mais visibilidade ao que é censurado. No espaço digital, quando tem tentativas de remoção de conteúdo e censura, maior a proporção que toma: foi o que aconteceu com a Jovem Pan.”

As regras da Mídia

O debate sobre o envolvimento do Estado no meio jornalístico reacendeu as críticas à proposta de Lula de regulamentar a mídia brasileira, iniciativa que já era pauta em seu período como presidente. “Regulação não significa censura”, explica Vannuchi. “Mesmo regulação de conteúdo não significa censura. Regulação são as regras: como o rádio e a televisão são concessões públicas, é necessário e benéfico que haja uma garantia de que não sirvam para outras coisas além da comunicação social”. 

O trabalho realizado pelas mídias apresenta uma regulação que desde 1960 não é atualizada, como foi feito por diversos países do mundo ao longo dos anos 2000 — entre eles Estados Unidos, Alemanha, França, Chile e Uruguai. “Há uma má vontade de discutir esse tema, porque alguns setores são beneficiados pela falta de leis específicas”, afirma Paganotti. “Regular propriedade e tarifa não quer dizer que vai ter uma limitação dos conteúdos que são discutidos ou que são acessados, pelo contrário: pode permitir uma maior pluralidade. O argumento de que toda regulação é censura é muito frágil.”

O professor da Faculdade Cásper Líbero aponta para uma confusão comum — que a liberdade de imprensa seria a liberdade da imprensa. “A liberdade que devemos buscar é a liberdade da informação de circular e das pessoas acessarem informação. Precisamos proteger o jornalista pensando nele como um veículo que tem que ter liberdade para poder encontrar notícias, apurar e levá-las à população. Não pode ser confundida com liberdade para escrever, fazer e falar o que quiser.”

https://www.instagram.com/p/CkZSTMYvr7M/

A veiculação de notícias falsas pelas plataformas digitais — como Instagram, Twitter e TikTok — também entraram em pauta. Paganotti explica que a busca por transparência sobre os motivos que levam algumas publicações e contas a serem excluídas é o objetivo da maioria das propostas apresentadas recentemente. O especialista comentou que seria interessante que o TSE explicitasse o que e o porquê desses conteúdos terem sido removidos, para que haja a possibilidade de contestação. Como essas redes são consideradas empresas de tecnologia pela legislação brasileira, elas têm leis específicas sobre seu uso e controle. Para o especialista em censura, as plataformas não podem ter culpa pelo que seus usuários publicam. É necessário, porém, proteger as informações sobre os usuários para que elas não sejam comercializadas e utilizadas pelas chamadas “fazendas de fake news” para manipular as informações que chegam até eles. 

O debate acerca da existência ou não de censura nas decisões recentes entra em pauta no mesmo momento em que parcela da população pede pela volta da ditadura militar. [Imagem: Reprodução/Flickr]

Paganotti finaliza afirmando que os debates acerca das atitudes tomadas pelo STF e das propostas de regulamentação da mídia são válidos. Porém, deve haver um cuidado para que as instituições que as idealizam não sejam questionadas: “A maior parte dos pesquisadores está apontando fragilidades para melhorar o processo, não para remover a confiança nas decisões do Judiciário. Algumas pessoas aproveitam essas críticas para achar que é necessário remover os ministros, acabar com a corte e ou anular a eleição. Essas não são posturas democráticas.”

Imagem de capa: Reprodução/Flickr

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