No dia 11 de julho, uma série de protestos aconteceu em Cuba. A convocação se deu principalmente através das redes sociais, com o uso das hashtags #SOSCuba e #PatriaYVida, a qual faz referência a uma música dos rappers Maykel Osorbo e El Funky. A cidade de San Antonio de Los Baños, um pequeno município situado a 35 km de Havana, foi o local onde as mobilizações eclodiram.

As causas das manifestações são múltiplas e os principais pedidos dos protestantes são por comida, medicamentos e liberdade. A ilha vive um contexto de tensão social e política como resultado da crise econômica gerada, entre outros fatores, pelo embargo norte-americano e pela pandemia da Covid-19. Em meio ao cenário pandêmico, o turismo, que contribui significativamente para o PIB cubano, tem enfrentado dificuldades. Nos cinco primeiros meses de 2021, houve uma queda de 90% no número de viajantes.
Cuba e a gestão da pandemia
Segundo dados divulgados pelo Ministério de Saúde Pública de Cuba, até o dia 24 de julho, o país contava com um total de 42.147 casos confirmados e ativos de Covid-19. O país, que até então apresentava um número baixo de óbitos e contaminações pela doença, sofre com uma elevação desses números.

Segundo pronunciamento da diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Carissa F. Etienne, essa elevação tem ocorrido em toda a América, como resultado da “instalação de uma complacência”, isto é, do desrespeito de parcela da população às medidas de isolamento e prevenção do vírus.
Por outro lado, Cuba também ocupa o posto de único país da América Latina que produz a própria vacina contra Covid-19 de forma independente. Hoje, o país desenvolve cinco imunizantes, dentre eles a vacina Abdala, cuja taxa de eficácia é de 92,28%. Porém, somente 19,55% da população está completamente imunizada.
Segundo a jornalista, cubanista (estudiosa de Cuba) e professora universitária Vanessa Oliveira, “a questão da pandemia estava muito bem organizada até os últimos meses. Mas a flexibilização do turismo, o surgimento de variantes mais contagiosas da covid-19, somada à falta de medicamentos na Ilha, fez com que a situação se agravasse”.
Aliado a isso, Cuba sofre com a falta de seringas e ventiladores hospitalares. Grande parte dos fabricantes desses insumos apresentam algum vínculo com os Estados Unidos. Devido a isso, as suas relações com a ilha ficam limitadas pelo embargo econômico americano.
O embargo
Criado após o fim da Revolução Cubana, em 1959, o embargo econômico norte-americano foi uma resposta do país à Cuba, em meio ao contexto da Guerra Fria. Chamado de “el bloqueo” pelos cubanos, a medida impõe uma série de sanções à ilha há mais de seis décadas.
Desde 1962, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) vota anualmente contra o embargo norte-americano. No ano de 2021, 184 membros da ONU reafirmaram a sua posição contrária às sanções. Nessa ocasião, os únicos votos contrários foram os dos Estados Unidos e de Israel. Brasil, Ucrânia e Colômbia optaram pela abstenção.
Em entrevista ao Observatório, o professor doutor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, Felipe Loureiro, afirma que “o elemento mais importante é o fato de que os Estados Unidos sancionam outros países e empresas estrangeiras que comercializam ou têm relações econômicas com Cuba, quando eles utilizam alguma coisa norte-americana.” Isto é, se nações que usam o dólar como moeda e indústrias que têm sede nos Estados Unidos comercializarem com a ilha, por exemplo, há possibilidade de uma sanção ser aplicada.
Antes da Revolução, os Estados Unidos eram o principal comprador do açúcar cubano. Após o embargo, a URSS passou a importar o produto, bem como a vender seu petróleo a preços menores para Cuba. No entanto, com a queda do regime soviético, no ano de 1991, Cuba perdeu seu maior parceiro econômico, o que, junto a outros fatores, levou ao chamado Período Especial em Tempos de Paz, alcunha dada pelo governo cubano durante a crise econômica no país.
Nesse momento, devido a uma estagnação econômica intensa, a população se articulou e organizou manifestações significativas contra o governo pela primeira vez desde a ascensão do Partido Comunista (PCC) no poder. As revoltas de agosto de 1994, conhecidas como Maleconazo, levaram à saída de muitos cubanos do país.

As mobilizações atuais, por mais que não tenham terminado, são ainda maiores do que as dos anos 1990. Algo que tem possibilitado e potencializado a organização desses movimentos populares hoje são as redes sociais, além do uso mais amplo da internet como um todo.
Redes sociais e internet na organização dos protestos
Loureiro aponta que apesar da internet em Cuba ser restrita, existem formas que os cidadãos utilizam para driblar as regras e as limitações, sobretudo a VPN. “Sem a internet e o crescente uso de celulares, seria muito difícil imaginar que os protestos tivessem acontecido com a simultaneidade e a força que eles aconteceram.”
Segundo dados do Banco Mundial, em 2002, apenas 3,8% da população de Cuba contava com acesso à internet. No ano de 2019, esse percentual atinge a marca de 61,8%. O acesso tem se tornado cada vez mais amplo e, com isso, os cubanos podem ter uma liberdade maior para atuar nas redes, inclusive politicamente.
Nesse cenário, sobretudo o público mais jovem, que não viveu durante o período da Revolução, constitui a maioria da oposição no país e também dos integrantes dos protestos de julho. Por isso mesmo, a organização dos movimentos tem sido feita especialmente através de redes como Facebook e Twitter.
Oliveira ressalta que as redes serviram principalmente para motivar que outros focos de protestos acontecessem’. No entanto, a jornalista alerta que “depois de 11 de julho, a questão fica mais complexa. As redes serviram tanto para que informações novas chegassem quanto para desinformar e disseminar notícias falsas”.
Repercussões em Cuba e no mundo
Quanto aos desdobramentos no âmbito internacional, Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, reiterou o “apoio incondicional” da nação sul-americana à ilha e afirmou que a melhor ajuda que os Estados Unidos poderiam oferecer era a suspensão do bloqueio. Alberto Fernández, chefe de estado argentino, também reafirmou o seu apoio a Cuba, ressaltando a violência do embargo. “Não há nada mais desumano em uma pandemia do que bloquear economicamente um país”, disse Fernández.
Em um primeiro momento, o presidente norte-americano, Joe Biden, declarou seu apoio aos manifestantes contrarrevolucionários. Contudo, na quinta-feira, dia 24, houve um recrudescimento das sanções, que incluiu o bloqueio de bens de Álvaro López Miera, ministro das Forças Armadas Revolucionárias, e da Brigada Especial Nacional do Ministério do Interior. Além disso, eles também ficam impedidos de utilizar o sistema financeiro estadunidense. Biden ainda afirma que “isso é só o começo”.

Em carta aberta, publicada no New York Times, uma série de figuras públicas fez um apelo contra o embargo econômico. Entre elas, encontram-se o ex-presidente Lula, o ator Wagner Moura, o cantor Chico Buarque e as americanas Susan Sarandon e Judith Butler. “Nós achamos inescrupuloso, especialmente durante uma pandemia, bloquear intencionalmente as remessas e o uso por parte de Cuba das instituições financeiras globais”, dizem os signatários em um determinado trecho da carta.
Internamente, depois de denunciar que as manifestações eram conduzidas pelo imperialismo americano, o presidente cubano Díaz-Canel reconheceu a legitimidade de algumas críticas. Porém, destacou que a única razão para o descontentamento é o bloqueio econômico. Como resposta às manifestações, o chefe de estado também convocou os seus apoiadores às ruas.
Os possíveis impactos no futuro de Cuba
Em meio a um cenário político e econômico complexo, as manifestações cubanas emergem por múltiplas causas, como o embargo norte-americano, o cenário sanitário com a elevação no número de casos de contaminação e a dificuldade de acesso a bens básicos pela população.
Para Loureiro, “é muito difícil imaginar uma queda do governo cubano em um futuro próximo. Aparentemente, a gente não vê uma onda de manifestações. Isso pode mudar, evidentemente, mas não é o que se vê no curto prazo.”
*Imagem de Capa: [Reprodução/ Juan Luis Ozaez – Unsplash]