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Olhos que encantam: os grandes mamíferos da América Latina

Como a simbologia das onças pintadas e dos lobos-guarás ecoa na cultura latino americana
Por Catarina Martines [catarina.martines@usp.br]

A América Latina possui a maior biodiversidade do planeta, com um contingente de espécies de aves, mamíferos, peixes, répteis e plantas endêmicas  da região. Entre esses animais estão os grandes mamíferos, que ocupam uma posição de destaque na cadeia alimentar, por isso possuem uma importância singular. 

A onça-pintada, endêmica da região, assim como o lobo-guará, são exemplos da fauna latina-americana e apresentam relevância não só para os ecossistemas em que habitam. Embora o Brasil concentre mais exemplares desses animais, sua presença também é símbolo em diversos países do continente.

A vida por trás do simbologia

A fauna de um país é uma parte importante da identidade cultural do lugar e está relacionada não só com questões de pertencimento, mas também com à sustentabilidade da região. O Canadá tem os ursos pardos como símbolo, a China, os pandas, e a América, devido à sua diversidade particular, tem inúmeros animais que simbolizam o continente. 

Muitos estúdios de animação já representaram os estereótipos de espécies latino-americanas. As ararinhas-azuis viraram  personagens do filme Rio, da Dreamworks, e a lhama ganhou voz e nome em A nova onda do imperador, da Disney. Porém, para além da fofura e divertimento que esses produtos e filmes promovem, é fundamental perceber que esses animais existem para além das telas de cinema, ainda mais para um continente que, mesmo com os números de desmatamento, é o que possui o maior remanescente de vegetação original do planeta.

No entanto,a escolha da onça-pintada e do lobo-guará para representar a América Latina se justifica pelo fato de esses animais não serem apenas grandes mamíferos, mas os maiores do continente, pois protegem toda a biodiversidade que está abaixo deles na cadeia alimentar. Nessa sequência de seres vivos que servem de alimento uns aos outros, quem está no topo ganha destaque justamente por fazer o papel de regulador ao impedir que as populações de animais menores cresçam descontroladamente.

Os ‘guarda-chuvas’ das florestas latinas

O lobo-guará é considerado o maior canídeo da América do Sul (família de mamíferos que engloba os cães, lobos e raposas). Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação, seu habitat principal são biomas como o Cerrado e o Pampa, sendo mais comumente avistado em áreas abertas. Eles podem ser encontrados desde a região nordeste do Brasil até o sul do Uruguai. 

lobo-guará caminhando
Maior canídeo do continente sul-americano, o lobo-guará está em risco de extinção. 
[Imagem: Reprodução/ Wikimedia commons]

O Cerrado, um dos principais lugares onde o lobo-guará  reside, é um dos biomas mais desmatados atualmente, sendo considerado um hotspot. Assim, essa espécie, ameaçada de extinção, tem sua condição de vulnerabilidade agravada ainda mais por essa destruição. 

De acordo com o site oficial do governo do estado de São Paulo, hotspots são áreas que possuem pelo menos 1.500 espécies endêmicas de plantas e já perderam ao menos 75% de sua vegetação original. No Brasil, a Mata Atlântica e o Cerrado são os biomas que se enquadram nessa definição.No entanto, as consequências por conta do desmatamento promovido pelo homem não se restringem apenas a esses biomas. 

Eleonore Zulnara, professora de biologia da Unicamp e especialista na área de ecologia e comportamento de mamíferos, explica que a presença humana no habitat dos grandes mamíferos ocorre de diferentes maneiras, desde o desmatamento até a falta de construção de corredores verdes em áreas que passam rodovias, o que dificulta a dispersão de espécies e aumenta os casos de atropelamento. A pesquisadora acrescenta que a presença de seres vivos implementados na região pelo ser humano, como galinhas e patos, é prejudicial para as espécies predadoras, pois viciam seus hábitos alimentares.

Já a onça-pintada recebe o título de maior felino das Américas e o maior animal carnívoro da América do Sul.  O ICMBio afirma que seu habitat abrange desde o norte do México ao noroeste da América do Sul, Colômbia, Equador, leste do Peru, Bolívia, todo Paraguai e Brasil até o norte da Argentina. Assim como o lobo-guará, ela é uma espécie ameaçada de extinção, principalmente pela ação humana, como a caça e a destruição de seu habitat natural.

A professora da Unicamp explica sobre a importância de grandes  predadores como a onça-pintada e o lobo-guará para os ecossistemas dos quais fazem parte. “Eles são grandes predadores, precisam de muita área para viver para conseguir presas, e assim fazem o papel de guarda-chuva, protegendo toda a biodiversidade debaixo deles”, afirma Zulnara. Ela ainda acrescenta que as onças, por serem predadoras de topo, “controlam as populações de mesopredadores, como felinos menores, guaxinins e cachorros do mato, por exemplo. Isso ocorre em parte por medo, em parte porque elas se alimentam desses animais e assim protegem a riqueza de espécies. Sem elas, os mesopredadores competem e se excluem.”

Informação como preservação da vida 

Desde a Revolução Agrícola até as diferentes formas de obter energia através de recursos naturais, a evolução da técnica desenvolvida pelo ser humano sempre depende da natureza em suas mais variadas formas. No entanto, o uso descontrolado desses recursos levou a uma crise climática que se intensificou a partir da Revolução Industrial. 

A conservação ambiental é um termo que, devido às mudanças climáticas, passou a conter implícito em seu interior um tom de gravidade e exigência que, muitas vezes é interpretado como algo subjetivo e irreal que reside na cabeça dos mais otimistas, ou até dos mais pessimistas, sobre o futuro do planeta. Embora o caminho para a sobrevivência da crise climática passe pela necessidade da preservação ambiental, o modo de provocar a consciência da indispensabilidade de ações que visem o seu alcance pode ser mais efetivo caso não passe pelo alarmismo. 

Um exemplo de como a falta de conhecimento transforma os animais em alvos  de ódio são as repercussões de casos de ataques a seres humanos. Em  abril deste ano, um caseiro foi morto após ser atacado  por uma onça-pintada em sua propriedade no Mato Grosso do Sul. O ocorrido reacendeu o alerta de moradores locais onde esses animais são encontrados. De acordo com Rogério Cunha de Paula, analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros do Instituto Chico Mendes (ICMBio), que participou da perícia, o medo da população da região cresceu após o episódio, e já há  registros de onças assassinadas. 

Sobre o pânico generalizado que impulsiona a violência contra esse animal, o biólogo explica:  “A onça, por si só, já faz parte do nosso imaginário como algo muito negativo. Toda semana recebemos dois ou três casos de pessoas desesperadas dizendo que as onças vão matar alguém”. Segundo ele, com as redes sociais, as fake news sobre ocorrências como essa aumentam o pânico da população em relação à presença desses animais. 

onça pintada fazendo exames
Onça-pintada que atacou caseiro sendo resgatada para bateria de exames [Imagem: Reprodução Governo do Mato Grosso do Sul]

Cunha trabalha com a relação da fauna com o ser humano, e já escreveu alguns livros sobre suas experiências. Para ele, uma forma de combater a desinformação é capacitar a população, ensinando-a sobre esses animais. “Na serra da Canastra, conseguimos plantar uma sementinha há vinte anos, que me leva a cruzar hoje com pessoas no supermercado falando que se lembram de quando eu dei um lobinho de pelúcia na infância. São essas as pessoas que, atualmente trabalham na prefeitura e decidem a legislação ambiental local.” 

De acordo com Rogério, mudar a mentalidade das pessoas desde cedo é importante, pois ter contato direto com esses animais impacta  a forma como a sociedade percebe a presença deles no mundo. 

Olhos que encantam

O biólogo salientou ainda a importância de iniciativas como a desenvolvida pela pesquisadora Yara Barros. Em março deste ano, a brasileira, ao lado de outros biólogos latinos, foi congratulada com o prêmio Whitley, conhecido como o “Oscar Verde” da biologia, com o projeto Onças do Iguaçu. A premiação prestigia propostas de conservação ambiental no Sul global e, de acordo com o próprio site do evento, homenageia “aqueles que protegem nosso planeta para as gerações futuras”. 

Ao longo de diversas edições, esta foi a primeira vez em que um projeto sobre o maior felino das Américas foi contemplado. A pesquisadora, em entrevista ao programa Repórter Eco da TV Cultura, destacou a necessidade de toda a população não só observar, mas também atuar na preservação dessa espécie.

O trabalho desenvolvido por Yara Barros, em parceria com o colombiano André Link e o argentino Frederico Kacoliris, promove a convivência harmônica entre onças-pintadas e as comunidades locais que residem nos arredores do Parque Nacional do Iguaçu. O grupo de pesquisadores estabeleceu uma relação de confiança com os moradores, além de ajudar a combater crenças populares equivocadas sobre esses animais e orientar os moradores sobre boas práticas que devem ser mantidas com os felinos. 

A equipe também monitora os indivíduos remanescentes da espécie na área com a ajuda de câmeras de movimento. O projeto Onças do Iguaçu é realizado no Parque que se localiza na cidade de Foz do Iguaçu no Paraná e atua em outros 10 municípios da região. Desde a retomada do projeto, em 2009, o número de onças na região mais que dobrou. 

onça pintada e lobo guará representam brasil
Onça-pintada no Parque Estadual Encontro das Águas no Mato Grosso
[Imagem: Reprodução/ Wikimedia Commons]                

O Santuário do Caraça é outro exemplo de espaço de preservação. Localizado entre as cidades de Catas Altas e Santa Bárbara, em Minas Gerais, o lugar é uma reserva ecológica e um local de peregrinação religiosa. Na propriedade há diversas trilhas e um hotel, com uma proposta de turismo ecológico, em que os hóspedes podem  ter contato com os lobos-guarás que vivem na reserva. 

Os animais, durante a chamada “hora do lobo”,  recebem alimento do santuário na escadaria que dá acesso à Igreja. Essa ação, para Cunha, é uma iniciativa importante pois conscientiza não apenas os turistas que frequentam o local, mas também ensina os próprios moradores da região a conviverem com os lobos-guarás. 

hora do lobo-guará
      Através de uma dinâmica de interação, os visitantes do santuário podem ver os lobos-guarás de perto [Imagem: Acervo pessoal/ Catarina Martines]

Políticas ambientais voltadas à proteção desses grandes mamíferos e, consequentemente, de toda a fauna, ainda são insuficientes. No Brasil, no dia 21 de maio, foi aprovada a Lei Geral  do Licenciamento Ambiental que visa facilitar a concessão de licenças ambientais para empresas. Com a aprovação dessa lei, a expectativa de diversos senadores é que o caminho para a  exploração de petróleo na Amazônia seja facilitado.  

dinâmica para ver o lobo-guará
      Através de uma dinâmica de interação, os visitantes do santuário podem ver os lobos-guarás de perto [Imagem: Acervo pessoal/ Catarina Martines]

Com essa decisão, políticas focadas na preservação desses mamíferos são prejudicadas, uma vez que as etapas de fiscalização da utilização de diversos recursos naturais em seus habitats foram simplificadas.

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