Por Samuel Amaral (amaral.samuel@usp.br)
No dia 12 de julho de 2006, chegava ao Brasil a notícia que a economia nacional esperava: a descoberta de petróleo abaixo da camada pré-sal. O êxito foi alcançado pela Petrobras no litoral carioca, dentro da delimitação técnica conhecida como Bacia de Santos, que se estende desde o norte de Santa Catarina até o sul do Rio de Janeiro. Análises mostraram que o óleo era leve e considerado de ótima qualidade, uma informação que agitou o debate público e o mercado brasileiro dos anos 2000.
O desafio era trabalhoso, foi necessário um maquinário extenso e inovações tecnológicas para que a situação geológica única do caso nacional fosse solucionada. A estrutura em camadas demorou milhões de anos para se arquitetar, mas tinha a configuração ótima para a formação de hidrocarbonetos e já chamava a atenção dos cientistas. Sendo assim, navios sonda, plataformas petrolíferas, tubos complexos, robôs e, atualmente, laboratórios virtuais, foram e são utilizados para a realização da extração dos óleos subaquáticos.

O tesouro do passado
A formação da atual disposição geológica do litoral brasileiro e do pré-sal ocorreu há 180 milhões de anos, no período Jurássico da história da Terra. Tudo começa com a separação do supercontinente Gondwana, que incluía a América do Sul e a África, em pedaços menores, por meio de um processo denominado rifteamento. Após a fissura, as massas de terra começaram a se distanciar, o que abriu um grande vale entre elas, este foi preenchido de água marítima, espaço que futuramente se tornaria o Oceano Atlântico.
“Quando o rifteamento estava em seus estágios iniciais, a área era um ambiente marinho raso, rico em vida marinha”, expõe o Geólogo Sênior da Petrobras, Rafael Rubo. Nesse local de pequena profundidade, com características semi-pantanosas, microorganismos como fitoplânctons e zooplânctons se proliferaram. Os pequenos seres se depositavam no leito do mar e, com o passar do tempo, se acumularam, cobertos por sedimentos, e formaram camadas de rochas impregnadas de matéria orgânica.

Acima desse sistema misto, uma crosta de sal se estabeleceu devido ao regime climático daquele período. Denominado Aptiano, o clima era árido e a evaporação da água marinha presente nas depressões lacustres entre os dois continentes fez com que os sais se acumulassem, gerando assim uma camada de rochas conhecidas como evaporitos. A oscilação do nível do mar no decorrer dos milhões de anos foi adicionando camadas à essa estrutura.
O sistema petrolífero estava montado. Os microrganismos sedimentados formaram rochas geradoras, as estruturas porosas ao redor funcionaram como reservatórios e a espessa camada de sal realizou o trabalho de um selo natural. Assim, o arranjo geométrico foi favorável para a formação de uma “armadilha”, termo para a configuração geológica propícia à presença de petróleo. Nela, a alta temperatura e a pressão extrema quebram o material orgânico complexo em hidrocarbonetos mais simples: o óleo e o gás.
Como resultado final do processo gerador, os reservatórios petrolíferos do pré-sal se estendem por uma área de 149 mil km². O composto presente neles é considerado de baixa viscosidade, ou seja, de fácil refino e de alta qualidade para o mercado.

7.000 metros submarinos
A fase inicial para descoberta desse material abaixo da lâmina d’água, das espessas rochas e do sal foi feita pelos geólogos da época por meio da medição de ondas sísmicas. “A primeira etapa crucial foi a realização de levantamentos sísmicos tridimensionais (3D). Esses levantamentos utilizam ondas sonoras geradas na superfície do mar, que penetram na subsuperfície e retornam, criando imagens detalhadas das camadas geológicas”, explica Rubo. O mapeamento foi analisado e a equipe científica constatou que era possível a presença de petróleo na região, o que levou à segunda etapa: as plataformas de perfuração.

A primeira tentativa ocorreu no Campo de Parati, onde um navio sonda foi enviado para realizar a abertura do poço. O processo durou 15 meses, a lentidão teve como principal causa a natureza plástica do sal, que é de difícil perfuração e tem altas chances de desmoronamento. O resultado foi desanimador, a quantidade de gás se sobrepunha à de óleo, o que fazia da extração contínua desse material um empreendimento inviável.
“Durante a perfuração, os fragmentos de rocha provenientes do poço são analisados em tempo real, e são realizadas medidas de diversas propriedades das rochas, uma atividade chamada de perfilagem de poços. Isso permite avaliar o sucesso geológico do poço”, informa o geólogo.
Porém, novas perfurações foram feitas até que a equipe chegou no Campo de Tupi. Agora, com o equipamento aprimorado, a sonda de perfuração foi enviada para além do fundo do mar e a operação durou 5 meses. O apuramento foi um sucesso e, no bloco BM-S-11 – Tupi, houve a confirmação de que a exploração de hidrocarbonetos no litoral sul brasileiro era viável.

O navio sonda foi substituído por uma Unidade Flutuante de Armazenamento e Transferência, ou FPSO na sigla em inglês (Floating Production Storage and Offloading). No dia 1º de maio de 2009, a FPSO BW Cidade de São Vicente foi instalada no Campo de Tupi em regime de Teste de Longa Duração, com a capacidade inicial de processamento diário de 30 mil barris de petróleo. A Unidade também era responsável por recolher informações técnicas para o desenvolvimento de novas tecnologias e maior conhecimento dos reservatórios explorados.
Em 11 de novembro de 2012, o teste chegou ao fim e a FPSO Cidade de Angra dos Reis substituiu a antiga Unidade Flutuante e iniciou seu funcionamento no BM-S-11 – Tupi. A nova estrutura tinha a capacidade inicial de processar 100 mil barris de óleo por dia e 4 milhões de m³ de gás natural. Com maior maquinário e preparada para manter-se por uma longa duração, ela está em operação até os dias de hoje.

As dificuldades de se perfurar um poço
Após a entrada da sonda, muitos processos ocorrem em conjunto para que o óleo seja extraído da melhor forma possível. A broca não desce apenas verticalmente, mas tambémsim é comandada de forma remota para que faça um trajeto conhecido como perfuração direcional, que proporciona angulação ao caminho dos dutos e permite uma maior precisão no procedimento.
Durante a descida, uma substância denominada fluido de perfuração tem múltiplas funções. Ela resfria e limpa a broca, reduz o atrito entre a haste de perfuração e as paredes do poço, mantém a estabilidade da cavidade e transporta os detritos das rochas perfuradas para fora.
Os tubos têm uma estrutura mosaica, na qual várias peças exercem funções variadas em sua extensão. Os drill pipes são feitos de aço sem costura e realizam o trabalho comum de apenas transportar a substância. Já os Heavy Weight Drill Pipes são feitos de aço forjado e com o mesmo diâmetro dos tubos de perfuração, mas com espessura maior e reforço central no corpo. Essa mudança de rigidez entre os tubos evita pontos de concentração de tensão que podem causar falhas no processo de abertura dos poços.

Com focos mais funcionais, os estabilizadores são tubos que contêm lâminas em sua parede externa. Elas auxiliam na redução da flambagem (flexão da peça devido à compressão axial), estabilizam a coluna de fundo, controlam o desvio do poço, reduzem a vibração lateral e os desgastes resultantes dos comandos de direcionamento da broca. Além deles, há os drill collars, que são pesados e têm alta rigidez, assim exercem mais peso sobre a broca e fazem o espaçamento entre os estabilizadores.
Mesmo com uma estrutura preparada fisicamente, propriedades químicas das substâncias dentro e fora da coluna de perfuração são levadas em consideração para que a operação seja bem realizada. Para evitar o desmoronamento do sal, o poço é concretado simultaneamente à perfuração, o que lhe confere maior estabilidade.
O petróleo do pré-sal tem como característica a sua natureza parafínica, o que é um problema pois obstrui a tubulação. O óleo sai da jazida a cerca de 70 °C e encontra o leito marinho, onde a temperatura é de 4°C. Mesmo com o isolamento térmico dos tubos, ocorre a troca de calor até que se chega à TIAC, Temperatura Inicial de Aparecimento dos Cristais, em que as parafinas que estavam solubilizadas começam a precipitar e formar cristais.
“Os cristais começam a formar uma rede de gel e vão para a parede. Eles se depositam ao longo da tubulação e cada vez mais vão restringindo o escoamento, isso diminui a produção do óleo”, explica a doutora em química e pesquisadora da CEPETRO (Centro de Estudos de Energia e Petróleo), Vanessa Guersoni. A solução é por meio de intervenções na tubulação, geralmente mecânicas. “É preciso parar a produção, passar removedores e um raspador nesse sólido, que a gente chama de PIG”.
Além da questão com os cristais, o óleo do pré-sal tem alto teor de CO2, cerca de 8 a 12% . Em contato com a água, ele produz ácido carbônico e diminui o pH, o que resulta num ambiente corrosivo e com potencial para danificar os equipamentos. Para evitar isso, os tubos são resinados para resistir ao desgaste.
Ao chegar à plataforma, o gás carbônico não é ventilado, mas entra novamente no processo da extração. O Sistema de Separação de Alta Pressão Submarina (HISEP) permite reinjetar-lo no reservatório, o que auxilia na extração do petróleo e evita a liberação do composto gasoso poluente na natureza.

Novas tecnologias do milênio
Nas quase duas décadas do sucesso da exploração petrolífera no pré-sal, tecnologias foram inventadas para facilitar o processo e manter as plataformas funcionando. Dentre elas, estão os supercomputadores, que servem para processar a quantidade enorme de dados gerados pelas empresas que realizam a extração, além de rodar os softwares necessários para o funcionamento das máquinas em operação.
A inteligência artificial é utilizada para antecipar cenários, construir réplicas digitais e otimizar a concepção de projetos futuros. Junto dela, os Uniformes Inteligentes, nomeados de Anjos da Guarda, usam o conceito da Internet das Coisas (IoT) para trabalhar a favor da segurança no ambiente de trabalho. Para isso, sensores são utilizados a fim de identificar possíveis riscos aos colaboradores e captar parâmetros médicos que alertam acerca de sua situação de saúde.
“Os Laboratórios Virtuais estão alinhados à tendência de trabalho remoto, permitindo a interação com os dados e colegas através de metaverso”, expõe Rubo. “A partir da realidade virtual, digitalização do acervo de rochas em alta resolução e usando técnicas analíticas consolidadas, como a microtomografia, amplia-se o caráter quantitativo da atividade de descrição de rochas”.
Para além dos computadores, robôs estão presentes nos campos de trabalho. Os ROVs (Remotely Operated Vehicles, ou Veículos Operados Remotamente) fazem a manutenção das tubulações subaquáticas e realizam monitoramento óptico da situação dos equipamentos. Junto aos trabalhadores, um robô quadrúpede nomeado de Anymal D auxilia na inspeção de áreas industriais e ajuda nos serviços.

*As declarações do doutor Rafael Rubo presentes nessa reportagem não representam a opinião ou o posicionamento da Petrobras.