Por Clara Viterbo Nery (claravnery@usp.br)
Originalidade. Talvez essa tenha sido a palavra mais utilizada para descrever a Pixar ao longo dos anos. Um estúdio de animação que começou fazendo apenas curtas e comerciais revolucionou completamente o mercado cinematográfico com o lançamento de Toy Story (1995), o primeiro filme de animação completamente computadorizado em 3D. O seu estilo e suas narrativas únicas fizeram tanto sucesso que se transformaram em uma das maiores referências para filmes animados em todo o mundo, reforçando a ideia de originalidade que o estúdio passava ao público.
No entanto, com o passar dos anos e das inúmeras inovações que surgiram no setor de animação — especialmente após o lançamento de Homem-Aranha no Aranhaverso (Spider-Man: Into the Spider-Verse, 2018) — o estilo do estúdio deixou de ser revolucionário e atrativo ao público como antes. Com poucos sucessos pós-pandemia e a dificuldade de emplacar histórias originais em meio a um mercado de animação cada vez mais diverso, uma dúvida surge: Qual é o futuro da Pixar?
O começo de uma revolução
Fundada em 1986, a criação da Pixar Animation Studios veio da aquisição, por parte de Steve Jobs, da divisão de efeitos especiais da Lucasfilm, juntamente com a equipe de animadores sob o comando de John Lasseter, que assumiu o cargo de diretor criativo do estúdio. Como uma empresa independente que ainda não tinha capital suficiente, a Pixar começou a trabalhar com o CGI e outros efeitos especiais. Esses recursos já eram utilizados pelos funcionários desde a Lucasfilm, quando começaram a produzir comerciais animados para alcançar o seu primeiro grande objetivo: a produção do primeiro longa animado completamente computadorizado.
Mesmo com diversos trabalhos e parcerias nos seus primeiros nove anos de existência, um acabou tornando-se essencial para o verdadeiro sucesso do estúdio. Pixar e Disney começaram sua colaboração ainda no primeiro ano da empresa, quando o Walt Disney Studios fechou uma parceria para utilização do CAPS (Computer Animation Production System), sistema computadorizado de animação da Pixar. Desde então, as companhias se tornaram grandes parceiras e passaram a ter suas trajetórias intrinsecamente ligadas em 1991, quando a Disney fechou um contrato de distribuição para um filme de animação computadorizada.
Com a distribuição já garantida e com a verba necessária, Toy Story, o primeiro filme da Pixar, chegou aos cinemas dos EUA quatro anos depois do acordo entre as duas empresas, em 22 de novembro de 1995. O longa foi um verdadeiro sucesso de público e crítica e conquistou três Oscars: Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Sonora em Comédia ou Musical e, o mais importante, o Oscar de Contribuição Especial em nome de John Lasseter, diretor do filme. Esse prêmio, que não é recorrente ou sequer tem indicados, é uma honraria da Academia para grandes conquistas no mundo do cinema e Toy Story, definitivamente, foi uma dessas.

O método de animação computadorizada em 3D introduzida pelo estúdio se popularizou rapidamente e tomou conta do mercado de animações ainda no final da década de 1990, o que criou uma verdadeira revolução nas técnicas animadas. Nos anos 2000, diversos estúdios, como DreamWorks e Walt Disney Pictures, também passaram a investir na tecnologia e deram início à Era das Animações Computadorizadas. Além de atrair cada vez mais público ao cinema, ela passou a receber reconhecimento da Academia com a criação do Oscar de Melhor Animação em 2001.
A Pixar não só deu início à revolução na animação digital como também conquistou fama além das tecnologias de seus computadores. Em meio às narrativas que misturavam o mundo real e o fantástico, o estúdio conseguiu criar histórias originais e capazes de cativar espectadores de todas as idades. As obras passaram a ser conhecidas por tratarem de temas divertidos e que levavam o público da risada ao choro em questão de minutos, o que levou o estúdio a começar a ter o seu verdadeiro reconhecimento.
Aquisição e sequências
Depois do acordo fechado em 1991 ter sido um verdadeiro sucesso para ambas as partes, a Disney estendeu o contrato para a distribuição de mais seis filmes animados pelo estúdio — entre eles, Monstros S.A (Monsters Inc., 2001) e Procurando Nemo (Finding Nemo, 2003). Embora a parceria tenha sido muito bem sucedida, a expectativa de que o estúdio se desconectaria da Disney e teria mais liberdade na produção de seus originais surgiu em 2006.
A vontade do estúdio era de explorar novos temas e histórias não tão voltadas para o público infantil, como em Ratatouille (2007) e Wall-E (2008), que começaram a ser desenvolvidos sem a aprovação da Walt Disney Company, quando o contrato foi encerrado. Mesmo assim, as negociações acabaram mudando de rumo e, em vez da renovação de distribuição, a Disney comprou e fundiu os estúdios Pixar à sua empresa.
O período que se segue a partir de 2010, após a compra, pode ser chamado de Era das Sequências. A fusão com a Disney tirou muito da autoridade dos próprios diretores criativos do estúdio, que, para se encaixarem na política de seus novos donos, tiveram que produzir muitas sequências e longas que fossem comercialmente atrativos, especialmente para o público infantil. A grande quantidade de obras derivadas parecia um alerta para o público de que a Pixar andava sem ideias, embora isso não tenha impedido que filmes originais chegassem ao público no período, como Divertida Mente (Inside Out, 2015).

Durante os anos seguintes, os filmes lançados pelo estúdio mantiveram a técnica animada usada desde 1995 e, mesmo com a evolução das tecnologias, pareciam presos ao mesmo modelo. Mesmo que quase todas as animações do mercado também a utilizassem, a Sony Pictures lançou Homem-Aranha no Aranhaverso em 2018, que misturava técnicas 2D já conhecidas com o estilo de quadrinhos, o que revolucionou o novo mundo das animações. Ele foi um grande sucesso, chegando a desbancar Os Incríveis 2 (The Incredibles II, 2018), filme da Pixar do mesmo ano, e a criar uma nova tendência dentro do mercado.
A Era das Sequências foi economicamente lucrativa para o estúdio, mas, ao mesmo tempo, gerou um esgotamento dentro das salas de roteiro e desenvolvimento. As técnicas e as histórias que a companhia desenvolvia não eram mais novidades e nem ideias originais. Enquanto outras empresas investiram em novos estilos e atrativos para o público, a Pixar ficou estagnada dentro das suas próprias invenções.
Dois passos para trás, um para frente
Em resposta a esse movimento, o então presidente da Pixar Jim Morris concedeu uma entrevista em 2019 em que dizia que, a partir daquele ano, a empresa colocaria seus esforços na produção de histórias originais. O que não se esperava era que a pandemia de Covid-19 aconteceria em meio a essa nova fase.
Com os cinemas fechados entre 2020 e 2022, os filmes do estúdio foram lançados diretamente no Disney+, serviço de streaming da Disney, e suas histórias originais acabaram passando despercebidas por boa parte do público. Obras como Soul (2020), Luca (2021) e Red: Crescer é uma fera (Turning Red, 2022) receberam inúmeras críticas negativas por uma parcela dos consumidores, o que só agravou a situação.

Além de não serem bem recebidas pelas suas histórias, as produções lançadas diretamente no streaming tiveram uma baixíssima arrecadação, o que deixou a Pixar em uma verdadeira crise financeira. A esperança de que a volta aos cinemas trouxesse retornos só gerou ainda mais quebra de expectativa quando Lightyear (2022) se tornou o maior fracasso da história do estúdio. No ano seguinte, o lançamento de Elementos (Elemental, 2023) conseguiu levantar bilheteria, mas não o suficiente para encobrir tantos prejuízos. Nesse cenário, a Pixar acabou tendo que recorrer a sua velha aliada: a sequência.
Com poucos sucessos e em meio a uma crise, Divertida Mente 2 (Inside Out 2, 2024) chegou aos cinemas com a difícil missão de reerguer os caixas de estúdio e cumpriu isso — e muito mais. A partir de pouco mais de um mês do seu lançamento, o longa se tornou a maior bilheteria da história de uma animação e trouxe à tona a antiga discussão sobre a produção de sequências. É inegável aos executivos que as sequências são muito mais lucrativas do que filmes originais, por isso, ainda haverão várias continuações chegando aos cinemas através dos estúdios nos próximos anos.
Isso não significa que os diretores criativos deixarão a situação chegar a um nível extremo. A estreia de originais deve ser intercalada com a de sequências, de acordo com o último calendário do estúdio. Na última D23, convenção da Disney para divulgar seus próximos lançamentos, a Pixar anunciou que entre seus próximos projetos estão duas séries originais para o Disney+: Ganhar ou Perder (Win or Lose, 2024) e Dream Productions (2025), série derivada de Divertida Mente; duas continuações: Toy Story 5 (2026) e Os Incríveis 3 (The incredibles 3), ainda sem previsão de estreia; e duas produções originais: Elio (2025) e Hoppers (2026).

Para criar histórias originais é preciso que os diretores voltem a pensar fora da caixa. Com as novas tendências de animação para Hollywood e a crescente popularidade de outras técnicas, a Pixar pode ressurgir nos próximos anos e voltar ao triunfo de suas narrativas emocionantes se souber desenvolver bem suas ideias. A volta das sequências, por outro lado, é necessária para que o estúdio consiga se reerguer financeiramente até poder se recriar. Balancear todos os itens para uma reinvenção é uma escolha complicada, mas, diante dos fatos, talvez o público conheça uma nova Pixar nos próximos anos.
*Imagem de capa: Reprodução/IMDb