Por Clara Viterbo Nery (claravnery@usp.br)
Estreia nesta quinta-feira (6) o novo filme de ficção científica estrelado por Robert Pattinson e dirigido e roteirizado por Bong Joon-ho: Mickey 17 (2025). A trama é uma adaptação da obra literária Mickey 7, escrita por Ashton Edward, que segue a história de Mickey Barnes, um jovem que, para fugir da perseguição de agiotas, aceita participar de uma missão espacial inédita e com uma função ainda mais inusitada — ser um funcionário “descartável”, cujas memórias são restauradas em um novo ser a cada vez que morre.
Ambientado em um futuro distópico em que uma tripulação espacial busca colonizar o planeta Niflheim, o “descartável” Mickey é exposto a diversos experimentos para “salvar a humanidade”, mas que o levam repetidamente à morte. Com uma premissa que mistura ficção científica, romance e toques de humor sombrio, a trama promete uma grande reviravolta a partir de um momento no qual um novo clone, Mickey 18, é criado, embora a versão atual do protagonista continue viva.
Antes mesmo da estreia, o filme já vinha chamando a atenção da mídia por ser o primeiro trabalho de Bong Joon-ho desde Parasita (Parasite, 2019), filme que conquistou grande reconhecimento internacional e chegou a levar Melhor Filme no Oscar de 2019. Além de Pattinson, o elenco do filme também conta com grandes nomes, como Steven Yeun, Naomi Ackie, Toni Collette e Mark Ruffalo, o que contribuiu para sua popularidade. E, com um elenco de peso, um bom filme era o mínimo esperado.

De forma geral, a experiência de Mickey 17, acima de tudo, foi feita para divertir o público. O humor ácido, em sua maioria inserido nas grandes sátiras que o filme propõe, conduz a história para gerar reflexões e risadas além do panorama científico.
As críticas políticas, religiosas e éticas são tão contundentes que o foco do filme se distancia da ciência e das implicações que essa poderia ter — o que não é ruim, mas traz uma nova perspectiva sobre a abordagem do gênero sci-fi (sigla em inglês para ficção científica).
A impressão que se tem é que o diretor não quis adaptar apenas “mais uma história de ficção científica”, mas trazer um peso sentimental e identificável a ela. As histórias que se desenvolvem paralelamente aos experimentos, seja acerca das atribuições políticas ou o envolvimento romântico entre dois personagens (e cópias), falam muito mais sobre a moral de Mickey 17 do que a ficção interfere no seu andamento. E mesmo que a contextualização espacial e das criaturas seja bem introduzida na trama, a verdadeira marca que Bong Joon-ho deixa no filme ainda é política.
Nos aspectos técnicos, a classificação de blockbuster que o filme recebe reflete na tela. Com um orçamento de U$ 118 milhões de dólares, a produção não poupa esforços nos efeitos visuais, que são extremamente bem feitos e realistas, e no design de produção, contribuindo para a imersão do público no contexto futurístico da obra.
A fotografia e a trilha sonora se apresentam bem consistentes e entregam bons resultados, enquanto a edição cresce em seus méritos pela presença simultânea de diversos elementos em um único frame. O único aspecto que talvez caia na crítica é o roteiro. Mesmo que adaptado, a trama assinada por Bong Joon-ho é feita no modelo tradicional de blockbuster e, para conseguir entregar uma história concisa, acaba caindo em clichês e perde a oportunidade de desenvolver subtramas com dilemas morais e científicos, como a própria discussão de clonagem humana.

Além de seus efeitos visuais, outro grande mérito do filme vai para a performance dos atores. Robert Pattinson, que dá a vida as 18 diferentes versões de Mickey, brilha trazendo nuances distintas para cada nova vida do seu personagem. O ator cria microexpressões, postura e até vozes diferentes para Mickey 17 e 18, o que demonstra seu ótimo empenho em entender como as memórias afetam cada versão do protagonista.
Steven Yeun, como o melhor amigo trapaceiro de Mickey, e Naomi Ackie, interesse amoroso do protagonista, também são ótimos em seus papéis, mas, o verdadeiro destaque vai para a dupla de vilões. Toni Collette e Mark Ruffalo criam personas tão desprezíveis que é impossível não compará-los com versões caricatas de figuras políticas reais e comparar ainda mais a situação da trama com o cenário do mundo atual.
As tramas e implicações são diretamente trazidas do mundo real para ficção, como uma maneira de fazer o público enxergar a crítica política do filme através de uma olhar comicamente sombrio. Fica evidente que Bong Joon-ho soube aproveitar o espaço que ganhou e tornou seu aspecto crítico ainda mais universal para o público. Mesmo que a ficção científica perca um pouco do espaço que deveria ter, Mickey 17 vai muito além do gênero para trazer um bom filme.

Mickey 17 já está em cartaz nos cinemas brasileiros. Confira o trailer:
*Imagem de Capa: Reprodução/IMDb