Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Sobre o parasita e o hospedeiro: a ascensão despretensiosa de Bong Joon-Ho

9 de fevereiro de 2020. Na verdade, talvez seja melhor começar pelo dia 24 de fevereiro de 2019. A 91° edição do Oscar tinha a obra Roma (2018), do diretor mexicano Alfonso Cuarón, como uma das maiores apostas à categoria de Melhor Filme. O mesmo Cuarón que, na 86° edição, vence a categoria de Melhor …

Sobre o parasita e o hospedeiro: a ascensão despretensiosa de Bong Joon-Ho Leia mais »

9 de fevereiro de 2020. Na verdade, talvez seja melhor começar pelo dia 24 de fevereiro de 2019.

A 91° edição do Oscar tinha a obra Roma (2018), do diretor mexicano Alfonso Cuarón, como uma das maiores apostas à categoria de Melhor Filme. O mesmo Cuarón que, na 86° edição, vence a categoria de Melhor Diretor por Gravidade (Gravity, 2013) 𑁋 o filme mais premiado da noite com um total de 7 estatuetas. Seria o primeiro longa estrangeiro a receber o prêmio mais importante do evento em mais de 90 anos de premiação. Não o foi.

O vencedor da noite foi Green Book: O Guia (Green Book, 2018). De um lado, um filme sensível sobre a condição de vida das empregadas domésticas latinoamericanas. Do outro, uma história condenada por seu acentuado complexo de Branco Salvador que, com sua vitória, fez o diretor Spike Lee levantar e dar as costas à premiação.

9/02/2020. 92° edição do Oscars. Favoritos? 1917 (2019) de Sam Mendes e Parasita (Gisaengchung, 2019) de Bong Joon-Ho. “O Oscar não é uma premiação internacional de filmes. Ele é bem regional”, afirmou o diretor sul-coreano em entrevista a Alex Jung da revista Vulture. Por essa razão, houve certo espanto ao anunciar-se o grande vencedor da noite.

And the Oscar goes to… Jane Fonda lê o papel. Quatro segundos de silêncio absoluto. Parasite.

A palavra é seguida de uma ovação imediata da plateia. Seria a mesma comemoração de todas as outras vezes, ou uma barreira foi superada? Uma fronteira foi transposta? Ainda será a mesma premiação regionalista que é o suprassumo da crítica feita pelo diretor meses antes de sua vitória?

Independentemente dessas questões, o diretor 𑁋 que também levou o prêmio de Melhor Diretor 𑁋 causou seu impacto. E tudo isso sob a imagem de um indivíduo descontraído e irreverente. É tempo de conhecer melhor a persona por detrás de uma das maiores transformações no modo ocidental e estadunidense de validar e realizar cinema.

[Imagem: Reprodução/Instagram – The Academy]

Afinal, quem é Bong Joon-Ho?

Nascido no dia 14 de setembro de 1969 em Daegu na Coreia do Sul, Bong Joon-Ho é roteirista, diretor e produtor. Caçula dentre seus quatro irmãos, ele se casou em 1995 com a roteirista Jung Sun-Young, com quem tem um único filho, Bong Hyo-min.

Com aproximadamente 8 anos, Bong e sua família se mudaram de Daegu para a capital do país, Seul. Antes mesmo de entrar para o ensino médio, ele almejava se tornar diretor de cinema.

Matriculou-se em 1988 na Universidade Yonsei para a graduação em Sociologia. Nesse período, iniciou um clube de produção de cinema e teve um primeiro contato com movimentos estudantis pró-democracia.

Em junho de 1987, o estudante de Yonsei, Lee Han-Yeol, foi gravemente ferido e, posteriormente, morto em um protesto contra o governo. Após sua morte, os protestos se intensificaram na universidade e fomentaram também protestos nos subúrbios de Seul. A mobilização popular fez com que o governo realizasse sua primeira eleição presidencial direta em 16 anos. O novo presidente vigente, o militar Roh Tae-woo, que havia sido um dos articuladores do Golpe de Estado de 12 de Dezembro em 1979, fez mudanças consideráveis para a abertura do país à democracia, como a extensão da liberdade de imprensa e o reconhecimento da autonomia das universidades.

É possível que essa seja a época em que a relação de Bong com classe e ativismo tenha se acentuado. Mesmo em um contato pouco direto, a experiência criou a sensibilidade não só nele, mas também em toda uma nova onda de diretores que haviam vivido sob o autoritarismo e agora tinham liberdade para falar sobre os temas de que desejavam.

Ao começo de sua carreira, Bong passou por dificuldades financeiras. Entre filmagens de casamentos para pagar as contas, seu primeiro longa Cão Que Ladra Não Morde (Barking Dogs Never Bite, 2000) vendeu apenas 100 mil ingressos. Entretanto, já no seu próximo filme, Memórias de um Assassino (Memories of Murder, 2003), obteve considerável sucesso e, dele em diante, ele se tornou um dos mais reconhecidos diretores do país.

Frame do filme Memórias de um Assassino. Da esquerda para a direita, Song Kang-Ho (também presente em diversas outras produções do diretor) e Kim Sang-kyung [Imagem: Reprodução/Sidus Pictures]
Porém, quem realmente é Bong Joon-Ho? O diretor, e também sua intérprete Sharon Choi, se tornaram celebridades no início deste ano. Antes, durante e após a premiação do Oscar, as redes sociais cultuaram sua persona por comentários irreverentes, como o supracitado sobre o regionalismo da premiação de cinema mais tradicional e reconhecida do mundo. Mencionou-se, inclusive, a ideia de que a premiação não merecia o diretor 𑁋 e sua personalidade parece concordar com a afirmação.

Vencedor do Globo de Ouro para melhor filme em linguagem estrangeira, Bong realizou a maior parte do seu discurso em coreano (acompanhado de Choi) e professou: “quando você superar a barreira das legendas, você será introduzido a tantos filmes incríveis!”. A afirmação foi vista com certa passivo-agressividade e causou polêmica entre o público estadunidense. Matérias se destinaram a comentar a conturbada relação dos Estados Unidos com filmes legendados e questionar a noção do país em defender a hegemonia do inglês como única língua a ser viável em produções cinematográficas.

No mesmo discurso, ele afirmou acreditar que todos ali presentes utilizavam apenas uma língua: o cinema. E considerar essa noção como correta implica na percepção de que o acervo de filmes do diretor é sua forma de se comunicar com o mundo todo, sem temer qualquer barreira física, cultural ou linguística.

 

Consciência política, humor ácido e Song Kang-Ho

Em seus vinte anos enquanto diretor cinematográfico, Bong Joon-Ho tem uma lista relativamente pequena de produções: apenas sete filmes, com menção honrosa à produção Tokyo! (Tokyo!, 2008), co-dirigida por Bong, Leos Carax e Michel Gondry.

Cão Que Ladra Não Morde é o primeiro longa já produzido pelo diretor. Entrevistado pelo crítico de televisão Inkoo Kang em outubro de 2019, o diretor foi impositivo: “Por favor, esqueça dele [o filme]”.

Na produção, Ko Yun-ju (Lee Sung-jae) é um homem prestes a se tornar pai e vai à loucura devido aos latidos de um cão em seu complexo residencial. Professor universitário frustrado profissionalmente, ele se torna um assassino em série de cachorros em uma obra que faz questão de se iniciar com “nenhum animal foi ferido”.

Vinte anos depois de seu lançamento, o filme era considerado uma raridade e direcionado aos seus seguidores mais dedicados. Entretanto, mesmo sendo uma espécie de filho bastardo do diretor ao ser descrito como filme estúpido, ele foi relançado em 2020 em algumas partes do mundo e também tem muito da marca autoral de Bong.

Em primeiro lugar, se trata de uma comédia de humor ácido, ainda que possua aspectos de terror e comédia romântica. O satírico brinca com críticas à sociedade sul-coreana, como a corrupção no sistema de ensino e o cultuamento de heróis e ídolos. Além disso, há uso de técnicas de filmagens muito reconhecidas do diretor, como as utilizadas em perseguições e em momentos de tensão.

Em primeiro plano, a jovem Park Hyun-nam (Bae Doona) [Imagem: Reprodução/Magnolia Pictures]
Seu segundo longa é Memórias de um Assassino, baseado em um caso real que há pouco tempo atrás voltou à tona por  ser enfim solucionado. Tanto no filme quanto na realidade, uma série de estupros seguidos de assassinato no município de Hwaseong intriga as autoridades.

O assassino, hoje identificado como o homem de quase 60 anos Lee Choon-jae, foi responsável por mais de 10 assassinatos entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 1990 e confessou à polícia mais de 30 estupros ou tentativas de estupro. Trinta anos depois, o homem também admitiu estar surpreso de não ter sido pego mais cedo 𑁋 e Bong Joon-Ho demonstra isso em sua obra.

Expondo uma força policial incompetente e abusiva, o filme conta com a primeira aparição de Song Kang-Ho nas produções do diretor como o inspetor Park. Acompanhado do violento inspetor Cho (Kim Roe-ha) e do novo inspetor Seo (Kim Sang-kyung), pelo qual foi transferido de Seul e é contra algumas das medidas tomadas no local, os três perdem evidências, batem em inocentes e destroem a opinião pública com suas medidas duvidosas.

Nele, Bong se posiciona contra o autoritarismo do governo da época e direciona uma crítica humilhante e clara à força policial sul-coreana. Novamente por meio do humor ácido, ele brinca com o gênero da investigação policial ao apresentar personagens despreparadas e atrapalhadas, que são essencialmente tudo menos o ideal policialesco das produções hollywoodianas.

Em entrevista para Yang Seung-cheol, Bong denuncia que a motivação por detrás de O Hospedeiro (The Host, 2006) veio de uma notícia do ano 2000. Um civil estadunidense que acompanhava o exército estadunidense ordenou o descarte de 470 garrafas da substância cancerígena denominada formaldeído no rio Han.

No filme, o descarte de lixo tóxico no rio pelo governo dos Estados Unidos causa o surgimento de uma criatura marinha gigantesca que rapta a filha do fracassado Park Gang-Doo (novamente Song Kang-Ho). Junto de sua família, o homem está disposto a qualquer coisa para buscá-la.

O longa é considerado um dos melhores filmes de monstros produzidos até hoje, sendo inclusive a maior bilheteria de filme sul-coreano durante muitos anos 𑁋 ultrapassada apenas, obviamente, por Parasita 𑁋 e atraiu muita atenção técnica devido à alta qualidade das cenas de pânico e caos.

Uma das cenas mais emblemáticas e memoráveis do longa é a de alguns planos sequência em que a câmera é posta lateralmente aos acontecimentos e o foco é constantemente trocado entre a criatura e o protagonista. Ela é uma das cenas  mais memoráveis da carreira do diretor e que denota a sua excelência.


A imagem mostra ao centro Park Gang-Doo (Song Kang-Ho) e sua filha Park Hyun-seo (Asung Ko) [Imagem: Reprodução/Chungeorahm Film]
O filme, crítico aos Estados Unidos, às desigualdades sociais e ao capitalismo de maneira generalizada, rendeu polêmicas a Bong Joon-Ho em sua terra natal. Acusado de “propaganda política” por representantes conservadores, suas obras passaram a sofrer censura, sendo impossibilitado de passar na televisão, por mostrar a incompetência do governo e espalhar propaganda anti Estados Unidos e de esquerda.

Entretanto, já em seu próximo longa, o diretor foi escolhido para representar o país no Oscar de 2010. Mother – A Busca Pela Verdade (Mother, 2009) é um thriller em que uma mãe idosa (Hye-ja Kim) tenta livrar seu filho, Yoon Do-joon (Won Bin), das acusações de assassinato de uma jovem.

O que se destaca no longa é a habilidade de Bong em criar ambientação e retratar emoções humanas com extrema sensibilidade. Além disso, a personagem da mãe sem nome também expõe a qualidade do diretor em criar personagens.

Na imagem, a mãe (Hye-ja Kim) [Imagem: Reprodução/CJ Entertainment]
Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2013) foi o longa de estreia do diretor em língua inglesa. Com elenco notório composto por Chris Evans, Tilda Swinton, Octavia Spencer e também Asung Ko (de O Hospedeiro) e o próprio Song Kang-Ho, o filme se trata de uma distopia em que um trem percorre um planeta Terra desolado com o que sobrou da raça humana.

O filme de ficção científica e ação tem críticas específicas e claras ao capitalismo, uma vez que a sociedade que existe no trem é estamental, com as pessoas nos vagões mais distantes vivendo na miséria em contraste à elite dispendiosa dos vagões da frente. Assim, a luta de classes é um tema central da produção, mas há também questionamentos sobre relações familiares, noções ligadas ao livre arbítrio e a conivência com opressões generalizadas.

O filme também foi cenário de desentendimentos entre o diretor e Harvey Weinstein, diretor acusado de abuso sexual e responsável pela viralização do movimento #MeToo. Weinstein, que comprou os direitos de distribuição do filme, queria “mais Chris Evans”, afirma Bong Joon Ho na mesma entrevista para a Vulture. Bong, até aquele momento, nunca tinha passado por um tipo de edição, além de estar acostumado a ter todas as suas produções como Director’s cut. Enquanto Weinstein desejava sempre mais ação, Bong precisou mentir uma história intimista sobre sua família para manter a essência de sua obra.

As personagens Curtis (Chris Evans) e Yona (Asung Ko) [Imagem: Reprodução/Moho Film]
Depois de Expresso do Amanhã, Bong Joon-Ho fez sua primeira produção Netflix. Okja (2017) conta a história de um “super” porco geneticamente modificado que é o melhor amigo da jovem Mija (Seo-hyun Ahn). Um dia, o animalzinho é raptado por uma companhia multinacional de produção de alimentos e a jovem está determinada a salvá-lo.

Com Jake Gyllenhaal, Tilda Swinton, Giancarlo Esposito e outros nomes facilmente reconhecidos, o filme também é uma comédia de humor negro com apelos claros a mensagens de preservação ambiental e veganismo. Ele foi o primeiro filme de um serviço de streaming a concorrer à Palma de Ouro, condição que o fez ser alvo de polêmicas. Em virtude de não ser exibido em salas de cinema, questão controversa até mesmo para o próprio presidente do júri da edição, Pedro Almodóvar, o logo da Netflix chegou a ser literalmente vaiado ao aparecer na tela.

A amizade de Okja e Mija (Seo-hyun Ahn) [Imagem: Reprodução/Netflix]

Parasita: contágio, progresso e fim

Dezenove anos de carreira depois, e mais de uma década como detentor do filme sul-coreano de maior bilheteria, o seu Hospedeiro é enfim superado por sua contraparte.

Parasita é uma verdadeira montanha russa cinematográfica e um dos filmes mais memoráveis dessa década. Seu protagonista é Ki Woo (Choi Woo-sik), um jovem de família pobre, que recebe uma proposta para fazer tutoria domiciliar a uma garota rica. Rapidamente, o garoto e toda a sua família veem da situação uma oportunidade e passam a infiltrar os outros três membros na casa ao convencer os Park a contratarem todos sem que os proprietários saibam de suas relações.

Bong Joon-Ho expõe uma Coreia da desigualdade, do fim do sonho econômico enquanto “Tigre Asiático”. Mesmo com o recorte ao país de origem, o longa ainda pode ser visto como uma reflexão generalizada sobre desigualdades sociais e luta de classes. Com personagens carismáticos, infinitas camadas sobre camadas de conteúdos recheados com muitas doses de drama, humor ácido, suspense e surpresas, é o tipo de filme que seria agradável poder esquecê-lo para assistir novamente tão desprevenido quanto da primeira vez.

A família de Ki-woo, os Kim, é composta por sua irmã Ki-jung (Park So-dam), o pai Ki-taek (Song Kang-ho) e a matriarca Chung-sook (Chang Hyae-jin). A primeira a ser infiltrada no domicílio é sua talentosa e brilhante irmã. Jéssica, filha única, Illinois, Chicago, colega de classe de seu sobrinho. A cena da falsa professora de arteterapia cantarolando uma canção para se recordar de todos os detalhes da personagem criada para enganar os Park se enraizou na cultura popular.

Ki-jung (Park So-dam) se preparando para interpretar “Jessica” junto a seu irmão Ki-woo (Choi Woo-sik) [Imagem: Reprodução/CJ Entertainment]
O próximo é seu pai. Motorista de táxi, os jovens já infiltrados encontram uma forma de fazer com que o senhor Park (Lee Sun-kyun) demita seu motorista particular e contrate-o. A última a ser acrescentada, Chung-sook, substituiria a adorada e aplicada empregada particular da família, Moon-gwang (Lee Jung-eun). A missão mais complexa dentre as anteriores é palco para uma das sequências de takes mais admiráveis do longa.

Em pouco mais de cinco minutos, a narração acompanhada pela música clássica grandiloquente do segundo ato da ópera de Rodelinda une mais de sessenta cenas ao total para criar o suprassumo do perfeccionismo da montagem do filme.

Ki-jung (Park So-dam) e um pêssego [Imagem: Reprodução/CJ Entertainment]
Sobre as filmagens e a fotografia, é comum testemunhar também o desenvolvimento da trama com situações simultâneas ocorrendo em primeiro e segundo plano. Câmeras deslizam horizontalmente e detalhes são explorados na fotografia para separar a família Kim da família Park.

A cena, no entanto, inaugura uma nova etapa do longa, com características e especificidades temáticas antes desconhecidas pelo espectador. Há uma quebra de expectativa arquitetada primordialmente, pela qual introduz uma polissemia ainda maior ao título da obra.

 

Quem ou o que é parasita?

Natural ao questionamento que não exista resposta concreta, mas sabe-se que a tragicomédia de Bong o tornou uma figura adorada na Coreia do Sul, até mesmo por aqueles que o acusavam de propaganda esquerdista e anti Estados Unidos. Na sua cidade natal de Daegu, membros do Partido Coreia Liberdade, conservador, dissolvido em fevereiro de 2020, propuseram construir museus, estátuas e renomearam ruas em homenagem ao diretor.

E tudo isso mesmo considerando que Parasita é, possivelmente, sua obra mais crítica ao capitalismo e à sociedade sul-coreana. Em entrevista ao escritor Steve Rose, Bong denuncia o aumento das disparidades de renda em seu país e a submissão de indivíduos a pontos cegos da sociedade.

A obra também leva muito de experiências pessoais de Bong. Desde a tutoria durante a universidade até a crise alérgica causada por pêssegos, o longa evidencia diversos pequenos aspectos de sua própria história. Diferentemente de uma aparente irreverência contínua, em uma entrevista à repórter de entretenimento Karen Han, o diretor expõe seu lado autocrítico. Ele afirma que reassiste suas obras para compreender melhor a reação da audiência e a prática o faz repensar o que poderia ser aprimorado e encontrar defeitos em todos os seus filmes.

Ou seja, a excelência do diretor é fruto de uma mente perfeccionista e detalhista, diferentemente do que sua personalidade descontraída e indiferente possam veicular, como ao afirmar que parou sua ovação de oito minutos em Cannes por estar com fome e dizer que comemoraria a vitória da Academia “bebendo até o meio dia”.

Mas não só com Parasita, Bong Joon-ho já define e molda as regras do jogo desde Memórias de um Assassino. Ele se encontra na vanguarda há anos, causando modificações tanto no cinema com suas experimentações do gênero em relação a construções narrativas e fotografia, quanto na realidade ao moldar o mundo com seus filmes. E não é necessária a validação da Academia para que se reconhecesse isso.

Na verdade, críticos de cinema do The New York Times afirmam que foi o filme de Bong que salvou o Oscar de suas próprias controvérsias. Ao se demonstrar inovador e tecnicamente impecável, sem se atrelar a especificidade de servir aos gostos da Academia, a admiração de cinéfilos e pessoas ligadas ao cinema foi sentida no dia de sua vitória.

Aqui, possivelmente o parasitismo seja sobre conquistar espaços que não são criados para incluí-lo. É sobre manchar o tapete, depredar a estrutura, estabelecer dominância e se recusar a comer as sobras que são compradas para sobrar, comendo o prato principal em seu lugar.

Também é sobre observar toda essa perversa dicotomia ser avassaladoramente cutucada por alguém que não espera cumprir suas expectativas. Bong Joon-Ho sempre falou por seus filmes e, bom, quase sempre 𑁋 já que não se pode esquecer Cão Que Ladra Não Morde 𑁋 o mundo o ouviu.

O parasita não necessariamente destrói seu hospedeiro, mas lhe causa desconforto. E Bong Joon-ho trouxe desconforto tanto às estruturas de poder sul-coreanas quanto à hegemonia hollywoodiana.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima