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Representatividade política na forma e no conteúdo

A presença de grupos minoritários na política e a importância da representatividade concreta

O termo “representatividade” diz respeito à expressão dos interesses de determinado grupo social na figura de um representante. Por isso, seja em ambientes profissionais, no cinema, no esporte, na música ou mesmo na política, o termo sempre carrega um sentido político e ideológico.

Nas últimas eleições municipais, as mulheres representavam 52,5% do eleitorado. Conforme o site Nexo, dos vereadores eleitos em 2020, 16% são mulheres, ao passo que 6,3% são mulheres negras. 

Vivi Reis, eleita a vereadora mais votada de Belém e deputada federal pelo PSOL, avalia que esse aumento do número de parlamentares mulheres, em especial mulheres negras, é uma vitória, mas que ainda há muito pelo que lutar, não só pela representatividade como também pela proporcionalidade. “Se a maioria da população brasileira é negra e composta por mulheres, nós também precisamos ser maioria nos espaços de decisões e de construção de política pública”, afirmou em entrevista à Jornalismo Júnior.

 

O conceito de representatividade na política

A mestra e doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, Beatriz Rodrigues Sanchez explica que o conceito de representatividade pode ser considerado uma das dimensões da representação política. “Ele está relacionado à dimensão mais simbólica da representação, em que os representados se identificam com os atributos pessoais dos representantes.”

A representação política surge com as democracias representativas e, no Brasil, a sociedade civil vota e elege seus representantes – presidente, governadores, prefeitos e senadores através do sistema majoritário; deputados e vereadores através do sistema proporcional. Wescrey Portes Pereira, sociólogo e doutorando na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explica que a ideia é que esses representantes sejam um reflexo da escolha dos eleitores e de seus interesses políticos.

“É talvez, neste contexto, que surge essa ideia de representatividade”, comenta Pereira. Ele  aponta que a representatividade está no conjunto de expressões coletivas que entram na cena política e reivindicam mais espaço no Estado para levar suas demandas, como no caso das mulheres, negros, indígenas e LGBTs (grupos politicamente minoritários). Para isso, é necessário questionar se a composição política do parlamento reflete os interesses dos eleitores.

Para o sociólogo, não é possível definir o que leva uma pessoa a ser apresentada como representante de um grupo social, ou seja, alguém que fale em nome do coletivo. Grupos sociais não são homogêneos, pelo contrário, são diversos, com pessoas de variadas ocupações profissionais, religiões, bairros, cidades e estados, por exemplo. Tais grupos têm suas identidades políticas construídas ao longo do cotidiano e, como Pereira explica, existem pontos de diálogos construídos na própria dinâmica política que articulam a possibilidade de surgimento de representantes dos grupos.

 

A importância da representatividade 

A representatividade é fundamental para a política. Como colocado por Sanchez, se os representados não se sentirem identificados com os seus representantes, eles podem passar a questionar a legitimidade das instituições políticas. “No limite, a ausência de representatividade pode gerar uma crise da representação e, mais amplamente, da democracia, como vem acontecendo no Brasil há algum tempo.”

Para Vivi Reis, estar no meio político não é fácil, “porque a todo momento nós, que somos mulheres, jovens, negros e negras, LGBTs, do norte do país, somos questionados e colocados à prova”. A deputada avalia que a representatividade é importante para disputar consciências na construção de uma sociedade que possa romper com qualquer forma de desigualdade social e de opressões. 

Vivi Reis [Imagem: /Instagram]
A jornalista e ativista nos movimentos Negro e Feminista Ana Claudia Mielke foi candidata a vereadora de São Paulo pelo PSOL em 2020. Na sua opinião, a dificuldade de se estar no meio político envolve a conquista de espaços. Ana enxerga que, ainda nos dias de hoje, algumas pessoas tacham as candidaturas negras de candidaturas ‘de nicho’, “como se ser negra não nos capacitasse para representar o conjunto da população”.

Apesar de afirmar que seu compromisso principal é com as demandas das pessoas vulnerabilizadas, enquanto mulher negra, Ana relembra que, em geral, “nosso papel é discutir e atuar em todas as agendas, disputar em especial o orçamento público, porque sem ele não se faz ações para mudar as exclusões históricas com as quais convivemos”.

Ela aponta que, desde os resultados das eleições em 2020, muitas mulheres eleitas têm sofrido ameaças, atentados ou ofensas racistas. A maior parte delas são negras e muitas delas, mulheres trans. Por isso, ela acredita que uma das pautas fundamentais para garantir a participação e a representatividade de grupos historicamente minorizados nos espaços políticos eletivos é a garantia da integridade psicológica e física dessas pessoas.

 

 

A simples presença de mais pessoas de determinadas minorias sociais em cargos políticos não necessariamente reflete a representatividade de conteúdo, porém, para Pereira, parece insuficiente que um parlamento não reflita os principais grupos sociais na sua composição política.

Como exemplo, o sociólogo cita a Lei 12711/2012, que estabeleceu ações afirmativas raciais nas Instituições de Ensino Superior Federal e que será revista em 2022. A baixa presença de pessoas negras no parlamento produzirá um debate limitado, uma vez que o grupo social que será atingido diretamente por essas políticas públicas está sub-representado. Entre os deputados, 24% se declaram pretos ou pardos. Dos senadores, 3 se declaram pretos e 13, pardos, de acordo com dados compilados pela Folha de S. Paulo.

É nesse sentido que Sanchez afirma que a presença de grupos marginalizados nas instituições de representação é uma dimensão importante da representatividade, além de ser uma questão de justiça. Uma vez que representam mais da metade da população e do eleitorado brasileiro, seria de se esperar que as mulheres estivessem representadas na mesma proporção nos parlamentos. O mesmo vale para outros grupos, como pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+, etc.

A cientista política destaca que, no caso das mulheres, a discussão sobre representatividade tem ganhado cada vez mais força e isso se deve em parte à existência da Lei de Cotas. Tal medida prevê que cada partido ou coligação tenha, no mínimo, 30% das candidaturas preenchidas por mulheres nas eleições para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, assembleias legislativas e câmaras municipais. A Lei de Cotas também prevê a reserva do tempo de propaganda eleitoral, tanto no rádio quanto na televisão, para as candidaturas femininas.

A presença de mais candidatas não garante a eleição, apesar de configurar uma melhoria no cenário. De acordo com o Mapa Mulheres na Política 2020, um relatório da Organização das Nações Unidas e da União Interparlamentar, o Brasil ocupa a 140º posição em relação ao número de mulheres no parlamento, em uma lista de 193 países. Na América Latina, o Brasil está à frente apenas de Belize (169º) e Haiti (186º).

 

Conteúdo também importa

Algumas pessoas apontam a existência de representatividades “vazias” ou “sem conteúdo”. Para Beatriz Rodrigues Sanchez, esse é um dos maiores desafios da representação política. A representatividade por si só, quando não acompanhada do conteúdo da representação, torna-se insuficiente.

Ao contrário do que o termo sugere, Pereira entende que toda representação é nutrida de conteúdo, mas o ponto de tensão seria se uma mulher eleita para o Congresso Nacional irá defender o interesse das mulheres. No caso de não defender, teríamos algo como uma representatividade simbólica, porque a figura política faz parte de um grupo minoritário, mas, em seu cargo de poder, não está atuando na defesa de pautas que possam romper com a lógica de opressão.

Um exemplo na política nacional é Renata Abreu. Em 2019, a deputada pelo Podemos de São Paulo apresentou um Projeto de Lei que acabaria com a obrigatoriedade de cada partido ou coligação reservar 30% de candidaturas femininas, sob alegação de que a discriminação de gênero não impede o exercício de mulheres na política a ponto de precisar de “medidas extremas” como essa.

Outro exemplo é a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro, Damares Alves. A ministra é uma articuladora da inserção de mais mulheres em cargos políticos, desde que elas representem a ala evangélica e conservadora da política partidária, defendendo pautas que destoam da luta pelos direitos das mulheres.

Ministra Damares Alves [Imagem: Marcello Casal Jr/Agência Brasil]
Os exemplos deixam claro que não basta eleger mulheres, por exemplo. Por outro lado, Sanchez aponta que também não é suficiente que o representante defenda as pautas dos representados, porque, nesse sentido, seria possível termos um parlamento inteiro composto por homens cisgênero, brancos e heterossexuais defendendo pautas de grupos minoritários. 

É importante que o conteúdo da representação política venha acompanhado da presença dos grupos que compõem a população, promovendo uma maior pluralidade na política institucional através do protagonismo. “Para isso, os movimentos sociais são fundamentais, porque são capazes de influenciar a opinião pública e, portanto, pressionar a atuação dos representantes”, diz a cientista política.

Vivi Reis acredita que no caminho para garantir uma representatividade de conteúdo no Brasil está a defesa da luta dos trabalhadores, das mulheres – sob a perspectiva de um feminismo antirracista – dos LGBTs e dos povos amazônidas, além da defesa do Sistema Único de Saúde, lembra a deputada, que é também fisioterapeuta. Bem como Sanchez, ela enxerga a necessidade da atuação dos movimentos sociais nos mandatos políticos, nas figuras públicas e em suas equipes, porque “assim, é possível fazer a defesa das pessoas que estão à margem das políticas públicas e das decisões da política institucional”.

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