No ano de 2013, o prédio Rana Plaza desabou em Daca, capital de Bangladesh. O edifício abrigava uma fábrica de confecção de roupas destinadas às lojas varejistas H&M, Walmart e Gap. Os trabalhadores já haviam informado à administração sobre rachaduras no prédio, mas a falta de outras oportunidades os forçavam a voltar ao trabalho. Mais de 2000 pessoas ficaram feridas e 1134 morreram no desmoronamento. A tragédia incentivou a produção do documentário The True Cost, lançado no ano de 2015, crítico do atual sistema da moda conhecido pelo termo fast fashion.
Na década de 70, a indústria da moda – assim como outros setores industriais – passa por uma significativa reformulação. Com a crise do petróleo e do modelo de produção utilizado na época, os produtos, antes de grande durabilidade, são inseridos em uma nova lógica econômica. Esta vê, na baixa qualidade das mercadorias, a chave para a manutenção do consumo e dos altos lucros. Hoje, esta mudança é notável na maneira como se produz e se consome roupas.
Até os anos 1960, as roupas comercializadas nos Estados Unidos eram fabricadas no próprio país, o que correspondia a 95% das peças. Atualmente, esse número caiu para 3%. O restante da fabricação, 97%, foi terceirizada para países em desenvolvimento, que oferecem menores custos de produção. É o caso de Bangladesh: seus baixos salários e leis trabalhistas insuficientes fazem com que o país seja o segundo maior exportador de roupas, perdendo apenas para a China.
Com a consolidação do novo modelo de produção, a publicidade passa a transmitir a mensagem de que comprar é um tipo de solução para problemas pessoais. A aquisição de bens é associada a um maior nível de felicidade, assim, o fast fashion, como sistema gerador de altos lucros, constitui uma espécie de consolo para a classe média. A ideia de que o indivíduo pode comprar roupas, que correspondem às tendências da moda, por $15 encobre as reais necessidades da população, que não é capaz de pagar por moradia, estudo e saúde. Ainda que pobre, a população se sente rica em lojas varejistas.
A indústria da moda é a segunda mais poluente, ficando atrás apenas da indústria petrolífera. Isso por conta do volume de produção e descarte das roupas, mas também pelos materiais utilizados nas confecções. É diante deste cenário que, em 2008, surge o movimento slow fashion. Kate Fletcher é o nome por trás do termo. A inglesa, consultora de design, é pioneira no movimento de moda sustentável, que tem por objetivo estimular o consumo consciente no setor. Isso envolve a produção de peças com maior qualidade e em pequena escala, visto que o movimento é contrário ao modelo de produção em massa das grandes lojas de fast fashion.
As principais críticas feitas pelo slow fashion giram em torno do caráter descartável das roupas e da desvalorização da mão de obra. O modelo sustentável não significa, necessariamente, abrir mão da lucratividade. Trata-se de dar mais atenção aos impactos ambientais e às questões sociais envolvidas no processo de fabricação, em busca de harmonia entre produção e consumo.
As roupas criadas de acordo com os princípios do slow fashion visam maior durabilidade, utilizando-se de modelagens atemporais e tecidos naturais. Porém, existem também outras maneiras de atender ao movimento e evitar desperdícios, como através de brechós e reforma de peças vindas da produção em massa.
O preço de venda das peças é outro fator de diferenciação entre o fast fashion e o slow fashion. Este, apesar de possuir um preço coerente com a categoria, não é tão acessível à população com menor poder aquisitivo. Comparando duas camisetas básicas, uma oriunda do fast fashion e outra do slow fashion, é possível notar uma diferença considerável no preço final.
Fast fashion
Camiseta Básica Justa
A camiseta acima é vendida por R$29,90. Sua composição consiste em: 64% poliéster, 32% algodão, 4% elastano.
Slow fashion
Camiseta Leolinda
Esta camiseta é vendida por R$129,90. Sua composição se dá por 98% algodão e 2% elastano. De acordo com a Política de Preço Aberto disponível no site da loja, é possível esclarecer melhor o preço final. No caso da camiseta Leolinda, R$58,05 corresponde aos custos da produção, R$32,25 da administração, R$19,35 da comunicação e também R$19,35 do lucro e reinvestimento.
O poliéster é um tecido sintético derivado do petróleo muito utilizado no fast fashion por sua durabilidade, maior fixação da cor e baixo custo. Entretanto, gera um resíduo problemático para o meio ambiente: o microplástico. Durante sua produção, são emitidos compostos orgânicos voláteis, que podem ser nocivos à saúde. Os resíduos microplásticos são lançados ao ambiente a cada lavagem da peça de roupa confeccionada com poliéster, sendo um componente prejudicial aos ecossistemas e à saúde humana.
O algodão é uma fibra natural, mas em seu cultivo são utilizados pesticidas que também impactam o ambiente através da contaminação do solo e da água. O algodão orgânico, alternativa que atende com mais precisão aos ideais do slow fashion, ainda carece de fornecedores e de demanda local que incentive essa cadeia de produção. É o que afirma uma funcionária da loja Conceito Ada: “por enquanto, os fornecedores de matéria-prima brasileiros ainda são poucos, devido à baixa demanda, por isso acabamos pagando um valor mais alto na hora de produzir”. O nome da loja remete à inventora do primeiro algoritmo a ser processado por uma máquina – Ada Augusta Byron King –, além de homenagear a história de outras mulheres através das peças de roupa. Utiliza tecidos orgânicos, pet reciclado, upcycling (final de coleção ou retalhos antigos), entre outros.
A loja Coletivo de Dois, também no setor do slow fashion, é formada pelos estilistas Hugo Mor e Daniel Barranco, que receberam o prêmio EcoEra em novembro de 2018. Não é utilizada mão de obra externa na confecção das peças, que são criadas a partir do uso de retalhos e reutilização de todos os tipos de tecidos. Em entrevista ao Sala33, os estilistas explicam que o preço das peças depende do custo de material e do tempo que levam para serem produzidas. As peças que demandam um material mais caro são fabricadas apenas sob encomenda, visando “manter um preço compatível e acessível com a média do mercado de moda sustentável.”
.O tipo de tecido e o custo de produção não são os únicos elementos responsáveis pelo preço final. Hugo e Daniel esclarecem que “muito do valor das peças de uma marca tem a ver com o posicionamento de público que ela deseja, do que só com os custos de produção”. Além de retomarem que a exploração de mão de obra é quem torna possível preços baixos, dizem que é preciso “ter consciência da origem e de quem faz nossas roupas.”
A questão do slow fashion vai além do valor no mercado, é preciso avaliar e questionar o preço que estamos acostumados a pagar por peças do fast fashion ao custo de danificar os ecossistemas e explorar mão de obra. Considerando os impactos causados pelo sistema atual, repensar a velocidade e a maneira como consumimos roupas é o primeiro passo para propagar uma moda com preços justos.