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‘Os mortos andam por aí, e eu acho isso normal’: o vampiro explicado pela ciência

A narrativa de Richard Matheson faz da solidão uma entidade que aparece em cada página da obra mais famosa do autor

Em 1975, uma epidemia se espalhou pelos Estados Unidos, transformando cada humano em um vampiro, até que restasse apenas um homem não contaminado – agora, forçado a viver preso em sua casa e isolado de qualquer interação humana. Assim começa Eu Sou a Lenda (Aleph, 2015).

Escrita no início da década de 1950, publicada no Brasil pela editora Aleph e com três adaptações para o cinema (a mais recente protagonizada por Will Smith), a obra mais famosa do norte-americano Richard Matheson é uma referência para grandes nomes do terror, como Stephen King, mesmo pertencendo ao gênero da ficção científica.

A história de Matheson parte de uma perspectiva científica para explicar a origem do vampirismo e torna quase palpável a angústia e a solidão experimentadas pelo protagonista, sentimentos que o levam ao limiar da loucura em diversos momentos.

Robert Neville, personagem principal, levava uma vida sem muitas agitações, trabalhava em uma fábrica, era casado e tinha uma filha. No entanto, uma doença misteriosa, à qual Robert estranhamente era imune, surgiu e se alastrou rapidamente pelo país, infectando inclusive sua família.

Sozinho, Robert mergulhou em uma profunda solidão tendo como único consolo a embriaguez nos períodos em que não estava seguindo sua rotina diária: adaptar a casa contra ataques e caçar vampiros. 

 

“Por que passar por toda essa complicação quando se atirar pela porta aberta e dar alguns passos acabaria com tudo?”

 

Inúmeras vezes, quando a angústia era grande demais, Robert pensou em se entregar às criaturas que diariamente iam a sua casa, ao anoitecer, para esperá-lo. Até que em um dado momento, decide investigar a doença e encontra aí um novo objetivo pelo qual vale a pena sobreviver. Realizar experimentos – a fim de responder questões como a real efetividade do alho, das estacas de madeira e cruzes – passa a ser o foco protagonista. 

Nesse ponto, Matheson desenvolve um dos questionamentos mais interessantes de toda a história, referente ao efeito repulsivo que a cruz e outros objetos sagrados provocam nos vampiros. Um vampiro que era ateu quando humano, por exemplo, não será afetado por nenhum desses itens. A  questão central não são os objetos propriamente ditos, mas sim o que eles significam para as pessoas. 

 

“‒ Quando mostrei a cruz para ele ‒ continuou Neville ‒, Cortman riu na minha cara. ‒ Ela assentiu uma vez. ‒ Mas, quando segurei uma Torá diante de seus olhos, consegui a reação que esperava.”

 

O vampirismo

Ao contrário das clássicas histórias sobre vampiros, o autor justifica, basicamente, o que mais tarde Neville chamará de vampiris, como uma bactéria do tipo bacilo. Inicialmente, a propagação da enfermidade se deu através das tempestades de areia que frequentemente ocorriam na cidade e carregavam esporos das bactérias, que se alojavam em escoriações imperceptíveis a olho nu na pele e posteriormente entravam na corrente sanguínea, dando início ao processo de infecção. 

 

“Todos os séculos de superstição terríveis tinham caído por terra no instante em que viu o germe.”

 

Quanto à imunidade, Robert Neville acredita tê-la adquirido quando foi mordido por um morcego anos antes. O animal, que provavelmente teve contato com um vampiro, contraiu a bactéria e a transmitiu de uma maneira enfraquecida ao protagonista – algo parecido com o funcionamento de algumas vacinas que carregam o vírus atenuado.

Eu Sou a Lenda se afasta das histórias tradicionais sobre vampiros e constrói uma narrativa que prende o leitor do começo ao fim, mesclando terror e ficção científica com uma linguagem simples, o que não ocorre em todas as obras do gênero.

 

*Imagem de capa: Isabella Oliveira

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