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Violent Cases e o papel fantástico da memória

HQ de estréia de Neil Gaiman e Dave McKean explora a lembrança como fator fundamental Por: Bruno Carbinatto (brunocarbinatto@gmail.com) “Uma obra de rica complexidade”. É assim que o renomado escritor de quadrinhos Alan Moore, criador de V de Vingança e Batman: A piada mortal, define Violent Cases (Editora Aleph, 2014), escrito por Neil Gaiman e …

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HQ de estréia de Neil Gaiman e Dave McKean explora a lembrança como fator fundamental

Por: Bruno Carbinatto (brunocarbinatto@gmail.com)
foto: Letícia Tanaka

“Uma obra de rica complexidade”. É assim que o renomado escritor de quadrinhos Alan Moore, criador de V de Vingança e Batman: A piada mortal, define Violent Cases (Editora Aleph, 2014), escrito por Neil Gaiman e ilustrado por Dave McKean. O conto é narrado por um homem já adulto, que nos revela o episódio da sua infância em que, devido a um acidente (ou violência?) com a família, tem que se consultar com um misterioso médico osteopata que trabalhou para Al Capone, o famoso gângster americano do período da Lei Seca.

A partir daí, somos conduzidos a uma mistura de relatos da infância do menino e do universo criminoso dos gângsters, permeados pela imaginação e inocência das crianças. Uma singela festa de aniversário se torna um paralelo à um massacre cruel e bastante gráfico conduzido por Al Capone; uma apresentação de um mágico serve como espelho para a os “shows” de violência que ocorriam nos porões dos criminosos. É com metáforas geniais que Neil Gaiman intercala os casos banais da vida do menino – como brigas com os pais, conversa com os avós e brincadeiras inocentes – com os relatos do médico osteopata que serviu ao crime.

A confiabilidade dos fatos relatados está sempre sendo questionada, afinal, nem mesmo o narrador sabe o que realmente aconteceu e o que é fruto da sua mente. O contexto de violência constante é abordado na obra, inclusive no título, propositalmente não traduzido para manter a ambiguidade: Violent Cases pode significar tanto “casos de violência” como “estojos de violência”, como explica a nota do tradutor presente na edição. Mesmo com o tema aparentemente pesado, o fato do conto ser escrito em diálogo direto com o leitor nos aproxima da história e ativa a empatia inerente do ser humano. O narrador nos traz a tona sentimentos de tristeza, nostalgia e curiosidade, a ponto de querermos “conversar” com o mesmo para saber mais. Até o final, que é misterioso, contribuí para a construção do clima enigmático da obra, ao mesmo tempo que desconstrói nossas expectativas para com as personagens.

O visual do quadrinho é incomum e levemente confuso. Em grande parte do tempo, vemos através dos olhos do protagonista, de forma difusa, o que reflete o jogo de memórias do narrador, além do fato do traço misturar desenho com fotografia, reforçando a dicotomia real/imaginário que perpassa todo o conto. As cores são de tons sépia ou preto e branco, dependendo do momento da história, fazendo-nos emergir nesse ambiente histórico e, ao mesmo tempo, onírico.

Foto: Letícia Tanaka

Violent Cases retrata como a memória pode transformar fatos aparentemente banais em histórias fantásticas e complexas. A simples visita a um médico se desdobra em reflexões sobre violência, relações familiares e infância. Não é a toa que Violent Cases se tornou um dos clássicos da história dos quadrinhos, alavancando as promissoras carreiras de Gaiman e McKean e marcando sua presença na época de ouro do gênero, juntamente com Maus, Watchmen e Cavaleiro das Trevas.

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