Baseado no livro de crônicas homônimo de Martha Medeiros, que também inspirou uma peça de teatro, Doidas e Santas (2017) é o primeiro filme com a atriz Maria Paula como protagonista, no papel da psicanalista Beatriz. Ele ainda conta com a espetacular Nicette Bruno como a divertida e inspiradora Dona Elda, mãe de Beatriz. O longa é uma produção brasileira e argentina (parte do filme se passa em Buenos Aires, mas não vamos contar o motivo), e tem como cenário principal o Rio de Janeiro – que é mostrado em belas panorâmicas diversas durante o decorrer da produção.
De início, o enredo se baseia no clássico “em casa de ferreiro, o espeto é de pau”: embora tenha lançado múltiplos livros sobre a felicidade e o bem-estar no casamento, a personagem de Maria Paula encontra-se infeliz com seu próprio. Ao ser entrevistada, após citar o humor como um dos ingredientes para a felicidade, recebe a pergunta “qual foi a última vez que você deu uma boa gargalhada?”. Ela não responde.
Beatriz, apesar de ter sucesso em sua carreira, vê sua família tornando-se cada vez mais disfuncional. Ocupadíssima com o processo de escrita do seu novo livro e seus pacientes da terapia de casais, ela mal tem tempo para atender à filha adolescente, cuidar da mãe (que dá ainda mais trabalho que a filha) e ficar com o marido, Orlando (interpretado por Marcelo Faria). Além disso, sua irmã (Georgina Góes), ativista da causa animal, está sempre viajando, deixando todas as responsabilidades sobre a mãe com Beatriz.
No entanto, após a entrevista que abre a trama, a psicanalista inicia uma série de grandes (e pequenas) reviravoltas em sua vida, que movem todo o restante do longa.
Apesar de ser categorizado como uma comédia romântica, “Doidas e Santas” é sutil e eficientemente muito mais que isso. Sim, existem momentos de clichês românticos e humorísticos – um vinho derrubado na roupa, intensificando um clima de flerte; uma personagem num estádio usando as cores do time adversário -, mas eles são essenciais para equilibrar outras de intensa carga emocional. É possível que você chore.
O enredo carrega uma simplicidade e uma sensibilidade que têm sucesso em atingir o espectador mais cético. A atuação de Maria Paula, cujos olhos extremamente expressivos demandam atenção, é impecável e, acima de tudo, genuína. Nicette Bruno dispensa elogios, mas precisamos comentar sobre sua expressividade excêntrica e doce que nos faz construir por sua personagem um carinho tão intenso quanto o que recebe de suas filhas.
As personagens femininas realmente dominam a trama, e é refrescante assistir a um longa em que hajam tantas mulheres envolvidas em tantas diferentes linhas de enredo – e tantas não envolvendo homens, que é um clichê das comédias românticas. Sim, Beatriz passa por um divórcio e tem pequenas experiências falhas com homens, mas todos estes são componentes e detalhes que por vez alguma tiram o holofote do real objetivo de sua mudança de vida – que é ela própria. E sua decisão no final da trama é a maior prova disso.
Existem no enredo, Beatriz, e sua mãe, já citadas, mas a irmã mais nova (interpretada por Georgina) também tem uma presença extremamente importante, que cresce com o decorrer do longa. Embora seja o alvo frequente das piadas, ela claramente se importa muito com afamília, e é uma forte oposição à eventual rigorosidade de Beatriz. Há ainda a vizinha e amiga Valéria, que aparenta ter uma vida amorosa perfeita (mas está totalmente infeliz com isso), ao contrário da protagonista, traz à cena diálogos divertidos e leves, em que os assuntos do filme são tratados de maneira mais casual. Merece nota a breve aparição de Samantha Schmutz durante um churrasco na Mangueira que, de alguma forma, Beatriz e sua irmã experienciam.
Mas o que realmente destaca o filme entre outras comédias/dramas/produções de autoajuda é a despretensão. O longa não deseja ser extremamente engraçado, ou extremamente dramático; ele mantém um equilíbrio que não é fácil de produzir. Dificilmente encontram-se cenas que pareçam forçadas ou artificiais, apesar dos lugares-comuns presentes. Tudo se dá de maneira crível, provocando uma maior empatia e, com ela, maior engajamento na trama. Apesar de contar com reviravoltas um tanto dramáticas, a emoção não é usada cansativamente, mas sim apresentadas com uma certa naturalidade, como se o filme lhe dissesse: isto ocorre na vida, infelizmente, mas o que aprenderemos disto? Ele nos ensina que, como dito pela atriz Maria Paula, “a vida é movimento, transformação”; e isso é bom. Aliás, isso é maravilhoso.
Por esta impressão é que “Doidas e Santas” é uma experiência tão positiva. Ele é um retrato realista-otimista da vida real, que nos faz sentir emoções que nos são familiares e com as quais podemos nos relacionar. No entanto, ele não é uma autoajuda. Nem tudo que traz o final é como gostaríamos que fosse, e nem todas as coisas acabam perfeitamente bem, mas, ainda sim, saímos da sala de cinema com o sentimento de satisfação e leveza.
“Doidas e Santas” é sincero, despretensioso, e extremamente tocante. Se você procura um respiro de ar puro no seu dia, definitivamente vá assisti-lo quando estrear, em 24 de agosto. Mas antes, confira o trailer:
por Juliana Santos
jusantosgoncalves@gmail.com