Márcia Scapaticio
O documentário “A margem da linha”, de Gisella Callas é corajoso. Sua proposta é construir um diálogo com o espectador sobre aspectos da arte moderna e contemporânea. Para isso, reune artistas e críticos, mas três deles são o ponto de partida e dão respaldo às discussões: Regina Silveira, Sérgio Sister e José Spaniol.
A diretora divide o documentário em seis blocos, seis questões em aberto a serem trabalhadas. Como olhamos e pensamos esse universo tão conflitante e belo que é a produção artística, o papel do atelie, da idéia, do famoso embate entre “inspiração e transpiração”. É interessante como todos os entrevistados reforçam o trabalho como um processo, um ritual que não conta apenas com a intuição: “Não há idéias, mas sim desdobramentos.”Apontam, também, para uma das motivações que fundamentam a arte: “Se você não tem perguntas também não tem nada a dizer.” As opiniões dos artistas plásticos esclarecem e, de certa maneira, mitificam esse trabalho, Callas serve-se de conceitos práticos do fazer atístico e dialoga com seus autores, contrastando pontos de vista, o que torna o documentário muito enriquecedor para quem assiste.
A discussão mostra o que ocorre em qualquer tipo de arte, o tecnicismo, a suposta morte de um conceito ou de um fazer artístico para a existência de outro e, o mais relevante, não apresenta, de forma alguma, um tipo de resposta. O documentário é realizado tendo como base entrevistas e depoimentos, não apresentando nenhuma novidade no modo de se realizar uma obra documental, porém, reflete os objetivos do próprio fazer artístico, uma vez que reflete em si mesmo seus conceitos e dualidades.
Há uma parte reservada para debate sobre o passado, o presente e o futuro da arte, contextualizada em sua pseudo elitização e na busca pela interatividade entre a obra e o público e um ponto delicado, a especularização da arte e sua preservação em contraste com sua efemeridade. A exposição dessas indagações de forma linear ajudam na construção das idéias; isso é confirmado pelos artistas que acreditam na transcendência da arte e atribuem a isso seu caráter universal e não elitista. O que cerca a arte é elitista, mas ela em si não o é? A arte existe em cada um e está ligada ao cotidiano, por isso é acessível ao olhar de quem estiver disposto a aceitar o desafio?
A proposta da diretora e dos artistas é louvável, afirmando a necessidade humana do simbólico como forma de conhecimento e de vivência. Como diz José Spaniol: “A arte como forma de colocar o vazio do sublime no mundo”. Só esse pensamento já é um bom motivo para prestigiar o documentário e deixar-se levar pelos questionamentos e perturbações do fazer artístico, sua teoria, beleza e complexidade.