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Presa em uma casa de bonecas, ‘Priscilla’ é a protagonista perfeita de Sofia Coppola

No filme biográfico com Jacob Elordi e Cailee Spaeny, cílios postiços e rock and roll são o plano de fundo para o casamento violento de Elvis Presley

O livro de memórias escrito por Priscilla Presley, Elvis & Eu (Rocco, 1986), embasa o roteiro de sua cinebiografia sobre os anos compartilhados entre o “rei do rock” e sua namorada de apenas 14 anos. Em Priscilla (2023), que estreia um ano após o filme-homenagem Elvis (2022), a história do casal é recontada, dessa vez, fora dos holofotes, pelas lentes de Sofia Coppola. Desde o primeiro encontro em uma base militar, até o divórcio na mansão, a nova narrativa desenha a ascensão e queda do sonho americano. Protagonista do filme, mas coadjuvante na história, Priscilla tem sua inocência roubada e idealizada pelo marido, que sai de estrela para abusador em menos de duas horas.

O lado predatório do relacionamento nunca é dito em voz alta, mas frequentemente reforçado pelas imagens. Um dos meios é a escolha do elenco: os 19 centímetros de altura que separavam o casal na vida real são transformados em 45 centímetros entre os atores, o que os faz soar como pai e filha. Após conseguir a transferência provisória da guarda de Priscilla, Elvis confere sua lição de casa e dá pílulas para mantê-la acordada no colégio. Ainda que sob sua tutela, a “mulher-criança ao seu lado” rapidamente se torna a cuidadora do imaturo Elvis, que a conhece em luto pela própria mãe. “Ele se tornou meu pai, marido e quase Deus”, afirma Priscilla no livro, ao mesmo tempo que ela era responsável pela saúde, estabilidade e alimentação dele. A relação se funda na dicotomia madonna-prostituta: Elvis se atrai pela castidade da menina, põe sua pureza em um pedestal e se recusa a consumar a relação. Incapaz de vê-la como adulta, mesmo após o nascimento da filha, ele quer preservar o ‘valor’ da esposa e, para poupá-la do sexo, mantém inúmeros casos extraconjugais.

Capturar o interior da vida feminina é a marca do cinema de Coppola, cuja filmografia rodeia jovens brancas e torturadas. Do ensino médio à Revolução Francesa, da Guerra da Secessão à Tokyo, do subúrbio à Hollywood, sua câmera sempre foca nos grampos de cabelo na penteadeira e detalhes ignorados da adolescência. Não há diretor melhor para fazer justiça com o ponto de vista de Priscilla e sua vida que une a frustração dos ideais americanos à prisão do tornar-se mulher. A estética rosa-pálida que Sofia é criticada por romantizar, dessa vez, é o cenário real da história, que se assemelha à sua própria origem. Ambas foram criadas dentro do showbusiness, à sombra de artistas célebres, afinal, seu pai é o também cineasta Francis Ford Coppola, que ganhou o Oscar com O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972). “Em uma casa com meu pai, essa grande personalidade, um grande artista, muito da nossa vida girava em torno disso. Eu vi nela a vida da minha mãe, como ela estava tentando encontrar seu caminho dentro do dele”, disse Sofia em entrevista ao portal Hollywood Reporter.

Priscilla no meio de várias pessoas
Coppola escreve personagens pela primeira vez após a maternidade e nuanceia as relações, que tendiam a vilanizar a figura materna. [Imagem: Reprodução/Instagram/@jacobelordi]

A trilha sonora conta com Crimson & Clover, Sweet Nothin’s, e I Will Always Love You, mas nenhuma música do “rei do rock”. A Elvis Presley Enterprises, que detém os direitos autorais sobre sua discografia, recusou a licença de uso para Coppola. Sem sua voz magnética para acompanhar a narrativa, a magia do rei é perdida, o que ajuda na redução de sua imagem à apenas mais um homem com problemas de raiva. Até nas cenas de violência, o tom morno e nostálgico é mantido dentro de Graceland, a mansão de Elvis. A casa continua quase fantasmagórica, com as máquinas de fumaça que tiram a saturação das cores. Não há o tom de drama, uma vez que Priscilla, produtora executiva do filme, não se via como vítima nessas situações.

Mesmo assim, à medida que, em Elvis (2022), ele se esconde no papel de vítima do Coronel Tom Parker, em Priscilla, a protagonista se resume à presa do marido. Na versão de Baz Luhrmann, que custou 85 milhões de dólares, o cantor é o super-herói em um filme de ação, cheio de montagens frenéticas, clipes sobrepostos e crash-zooms cintilantes –  a relação do casal mal é mencionada. Os filmes preenchem as lacunas um do outro: a opressão sofrida por Elvis não aparece em Priscilla, mas explica a origem de sua frustração controladora em relação à esposa. Impedido de ter agência sobre a própria carreira, ele cultiva o poder autoritário dentro de casa. A era da brilhantina, na versão de Coppola, que custou 20 milhões, é levada ao ridículo: mesmo na hora de dormir, o zelo extravagante de si faz Elvis vestir pijamas bordados com seu nome.

O desenvolvimento da protagonista é traduzido na mudança de suas vestimentas ao longo do filme, patrocinado pela Chanel. As saias rodadas, com tons pastéis e cardigans felpudos envolvem a adolescente ingênua nos primeiros encontros. Ao passo que sua inocência é confundida com o controle de Elvis, ele a monta feito boneca, de modo a diminuir a discrepância visual entre eles. No momento em que seu cabelo castanho é pintado como o topete preto do marido, entram em cena os salto-altos, cujas cores combinavam com o tom das pistolas que ela portava. O figurino também ilustra a passagem do tempo cronológico, dos vestidos dos anos 1950 até as estampas floridas dos anos 1970. É um prenúncio de sua busca por independência: para abandonar o casamento, Priscilla veste calças.

Priscilla dirigindo em carro
A cena final remete à Spencer (2021), cinebiografia da Princesa Diana, com as protagonistas que dirigem para fora do castelo com os filhos no banco de trás. [Imagem: Divulgação/A24]

Também não foi autorizada a ambientação em Graceland, hoje aberta à visitação. Para a gravação de apenas 30 dias no Canadá, os produtores reconstruíram três casas; os sets limitados envolvem uma atmosfera claustrofóbica e confeitada, que a diretora disse parecer um bolo de casamento. Filmado principalmente entre quatro paredes, o lar é vazio e silencioso, com muitas cenas à meia-luz no quarto do casal. Os portões – sempre rodeados de fãs – enjaulam a esposa, como em uma casa de bonecas, onde a energia só chega quando Elvis retorna dos shows com a “Máfia de Memphis”, sua corja de amigos bajuladores. Em Graceland, só há espaço para a perfeição, o que se manifesta também na aparência de Priscilla. Seu rigor com a maquiagem, inclusive no momento do parto, torna-se uma tentativa de se proteger das agressões, quando ela conhece um Elvis cujas emoções são facilmente descontroladas.

Em Elvis, a caracterização de Priscilla exclui a infantilidade com o figurino da Prada, com quem Luhrmann também trabalhou no artdeco exuberante O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 2013). [Imagem: Divulgação/Prada]

Antes mesmo do início das gravações, o roteiro conquistou uma legião de críticos. Lisa-Marie Presley, filha única de Elvis e ex-esposa de Michael Jackson, foi uma das primeiras a se preocupar com a reputação do pai e se levantar contra a produção. Em e-mails enviados à Sofia Coppola, vazados pela Revista Variety, Lisa afirmou que a proposta era de vingança à figura de Elvis: “Meu pai só aparece como um predador e manipulador. Como filha dele, eu leio isso e não vejo nada do meu pai nesse personagem. Eu leio isso e não vejo a perspectiva da minha mãe sobre meu pai”. No filme, os anos iniciais da herdeira ocorrem em meio a turnês que afastam a família, mas, antes de sua conclusão, Lisa faleceu por uma obstrução intestinal em janeiro.

Apesar do divórcio abrupto na terceira parte do filme, a narrativa é bem construída e vale assistir, principalmente ao lado de Elvis. Nos cinemas brasileiros, a história do casal Presley sob o olhar feminino de Priscilla estreia dia 4 de janeiro.

Confira o trailer:

Imagem de capa: Divulgação/A24

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