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Há 20 anos, Brasil conquistava sua primeira Copa do Mundo de Voleibol

Campanha invicta contra potências do vôlei marcou a história do país no esporte

No dia 30 de novembro de 2003, se encerrava a primeira Copa do Mundo de Vôlei em que o Brasil foi campeão. A conquista marcou a ascensão de uma era gloriosa no vôlei brasileiro que se firmou entre 2002 e 2004, legado que vive até os dias atuais. Com um time de astros e uma campanha impecável entre os dias 16 e 30 de novembro daquele ano, a seleção brasileira fez história nas quadras e merece ter essa vitória celebrada e relembrada.

A competição

Ao contrário das copas do mundo de futebol e basquete, a Copa do Mundo de Vôlei não é o principal evento competitivo do esporte, muito menos o primeiro a ser criado — no voleibol, o Campeonato Mundial de Vôlei e os Jogos Olímpicos são os torneios de maior destaque. Ambas acontecem alternadamente a cada dois anos e, devido à necessidade de preencher esse espaço, instituiu-se a Copa do Mundo de Vôlei. Dessa forma, a partir do surgimento da copa, em 1965, apenas em um a cada quatro anos não ocorreria um torneio de voleibol de seleções.

O formato da competição é diferente do que é usual nas copas do mundo de outros esportes. Na Copa do Mundo de Vôlei, os times são divididos em dois grupos e jogam entre si, sem eliminatórias, e é declarado vencedor aquele que mais pontuar. “Como a Copa do Mundo foi criada para ser um preenchimento do intervalo entre o Mundial e as Olimpíadas, provavelmente a ideia foi ser um campeonato mais dinâmico, em que os times jogassem mais jogos entre si, para ter maior rotação, ter uma maior quantidade de jogos por dia, para os times jogarem com diferentes níveis de rivais e não dependerem tanto de sorteios”, comenta Nathália Castro, estudante de Jornalismo formada em Educação Física que integra a página QG do Vôlei e comenta vôlei feminino em seu perfil do Instagram.

Muitas mudanças ocorreram durante os quase 60 anos de existência da competição. O país que sedia o evento está automaticamente classificado para os jogos, como ocorreu nas duas primeiras edições, cujas sedes foram a Polônia e a antiga Alemanha Oriental. No entanto, a partir de 1977, todas as edições aconteceram no Japão. Ainda que não haja explicações oficiais para isso, segundo informações de um texto do blog Volleywood que comentava a decisão de manter a sede em 2015 e 2019, o fato se justifica pois o país tem “um público massivo de vôlei, o que torna mais fácil sediar eventos maiores”. Segundo Nathália, a questão infraestrutural também justifica a sede fixa. “O Japão sempre foi um país que investiu bastante no vôlei. Um campeonato como a Copa do Mundo, que mobilizava muitas seleções ao mesmo tempo e tinha muitos jogos por dia precisava de um cuidado maior, até porque tinha versão feminina e a masculina”, explica

Arquibancadas cobertas com bandeirões da figura de Babo-chan, tradicional mascote do vôlei no Japão [Imagem: Divulgação/ FIVB]

Além do país sede, outra mudança foi o caráter classificatório da competição. Se o objetivo da criação da Copa era preencher os dois anos entre os outros torneios, na década de 1990 isso não era mais uma preocupação devido ao surgimento da Liga Mundial e do Grand Prix, que ocorriam nesse intervalo. 

A fim de evitar que a competição perdesse sua relevância para o público e para as federações, a FIVB (Federação Internacional de Voleibol) transformou a Copa do Mundo de Vôlei em um evento classificatório para os Jogos Olímpicos. No início, apenas o time vencedor garantiria sua vaga. Entre 1995 e 2011, o número de classificações subiu para três e, desde a edição de 2015, apenas duas seleções conseguem o passe direto para as Olimpíadas. Em função disso, a equipe que sedia os Jogos Olímpicos posteriores à Copa não participa dela, pois já está automaticamente classificada, como aconteceu com o Brasil na Copa Feminina em 2015.

Os anos de ouro

O ano de 2002 foi o início da ascensão do Brasil como potência no vôlei, representado pela vitória no Campeonato Mundial. Antes disso, a seleção já havia tido conquistas significativas, como o ouro olímpico de 1992 e alguns terceiros e quartos lugares nas principais competições internacionais, com destaque para os bronzes em 1981 e 1995 — ambos na Copa do Mundo de Vôlei Masculino. Porém, foi só nos anos 2000 que o topo dos pódios se tornou algo recorrente, a começar pela medalha de prata na Copa dos Campeões de 2001.

A partir do ouro em 2002, segundo o site oficial que divulgava informações da Copa do Mundo de 2003 na época, o Brasil era “[…] definitivamente um dos favoritos para adicionar o título da Copa do Mundo em sua coleção”. Nathália ainda adiciona que o favoritismo se dava “pelo público geral, não só os brasileiros, e também pela mídia”. A vitória sobre a Rússia no Campeonato Mundial em 2002 foi simbólica pois, poucos meses antes, na Liga Mundial de Vôlei, os brasileiros haviam sido derrotados pelos russos. Além disso, os títulos herdados da antiga União Soviética já faziam da Rússia a maior medalhista do esporte, e desbancá-la era um sinal de que a seleção brasileira tinha muito potencial. 

Nos anos seguintes, o mundo veria o time em seu auge. O título de 2003 classificou o país para os Jogos Olímpicos e a seleção brasileira honrou a vaga conquistando o ouro nas Olimpíadas de Atenas. Essa conquista, apesar de não ter sido a última dessa era de vitórias, marcou o fim de um triênio importante em que o Brasil ocupou o topo dos três principais torneios do esporte: o Campeonato Mundial, em 2002, a Copa do Mundo, em 2003, e os Jogos Olímpicos, em 2004. 

O time vencedor da Copa do Mundo de 2003 foi o mesmo que se tornaria campeão olímpico em Atenas, um ano depois [Imagem: Reprodução/ Twitter @timebrasil]

No total, entre os anos de 2001 e 2006, o Brasil disputou 20 competições internacionais e esteve no pódio em todas, ocupando incríveis 16 primeiras colocações, três segundas e uma terceira. A expectativa do público era sempre alta e, tanto o elenco, como o técnico Bernardo Rezende, o Bernardinho, não decepcionavam.

Time de estrelas

O grupo de doze jogadores que formaram a seleção brasileira de 2003 já apresentava atletas experientes em campeonatos internacionais e muitos que,  posteriormente, ainda ajudariam a alavancar o voleibol brasileiro como um dos melhores do mundo. “Foi uma equipe dominante e apontada por muitos como a melhor equipe de esportes coletivos da história, superando inclusive a seleção masculina de basquete do início da década de 90, o chamado ‘dream team’, afirma Bruno Souza, jornalista e locutor esportivo do portal Web Vôlei.

Seleção brasileira do ano de 2003 [Imagem: Divulgação/ CBV]

As estrelas integrantes da seleção de 2003 não eram poucas, a começar pelo líder do time: carinhosamente apelidado de “eterno capitão”, o jogador Nalbert Bitencourt, na época com 29 anos, já possuía a posição de dirigir a equipe brasileira em quadra. Tendo sido o primeiro jogador da modalidade a ser campeão mundial em três categorias (infanto-juvenil, juvenil e adulto), o ponteiro foi responsável por comandar e incentivar a equipe nos jogos.

Compartilhando a mesma posição do capitão, encontrava-se Gilberto Godoy Filho, o emblemático Giba. Considerado um dos maiores atletas da história do voleibol, era muito conhecido tanto pela força e velocidade surreais de seus ataques, como por seu carisma. Antes mesmo da Copa do Mundo de 2003, Giba já tinha um extenso histórico de conquistas no início dos anos 2000, como o título de MVP (Most Valuable Player) em campeonatos de Mundial sub-19 e sub-21. O jogador teve papel essencial na conquista do primeiro ouro na Copa do Mundo.

Mergulhando nas quadras e trabalhando na defesa, estava o líbero Sérgio Dutra Santos, conhecido como Serginho. Apesar de ter uma carreira internacional recente na época, o futuro herói olímpico foi um atleta de grande destaque durante a Copa do Mundo de 2003. Serginho continuou  a vestir a camisa brasileira por quase duas décadas, e foi o único remanescente da seleção de 2003 que esteve presente na conquista do ouro olímpico dos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016.

Na distribuição e armação de ataque estava Maurício Lima, que jogava na posição de levantador. Era o jogador mais velho e mais experiente da equipe, sendo um dos poucos remanescentes da “geração de ouro”, seleção que conquistou a primeira medalha de ouro olímpica de voleibol em Barcelona, nos jogos de 1992. Além dessas estrelas, o time campeão também era formado por grandes atletas como Giovane, André Heller, André Nascimento, Anderson, Gustavo Endres, Rodrigão, Ricardinho e Dante. 

O talento no esporte também se estendia para a comissão técnica:  Bernardinho atuava como o técnico da seleção masculina desde de 2001. Antes mesmo de alçar o Brasil como uma das potências no vôlei com sua liderança, o atleta da “geração de prata” já possuía o renome de ser um dos melhores em sua profissão. Ele já havia atuado como técnico da seleção feminina e contribuído para diversas conquistas durante o final da década de 1990, incluindo as medalhas de bronze dos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996) e de Sydney (2000).

Campanha invicta

É possível dizer que a campanha brasileira na Copa do Mundo de 2003 foi próxima da perfeição. Com 11 vitórias em 11 jogos, a seleção já era tida como uma das favoritas ao lado de Itália, Sérvia e Montenegro e França. “A Copa do Mundo era o último torneio de seleções daquele ano e o Brasil destacava-se pela velocidade e variação nos ataques e por ter uma das melhores, senão a melhor, linha de recepção do mundo”, diz Bruno. O Brasil venceu um total de 33 sets, perdendo apenas quatro para as três seleções em questão, além da China. 

As grandes emoções e disputas de bolas já se iniciaram no dia 16 para o Brasil: tendo caído no grupo B da competição, a seleção jogou a primeira fase do campeonato na arena White Ring, localizada na cidade japonesa de Nagano. O primeiro adversário foi a Coreia do Sul, que não trouxe muitas dificuldades e foi derrotada por 3 sets a 0. Já na partida contra França, o susto inicial da perda do primeiro set fez o Brasil ficar em alerta, o que se mostrou efetivo para ganhar os três sets seguintes e fechar a partida em 3 a 1. No jogo contra a seleção da Venezuela, o mesmo ritmo da estreia seguiu e o time brasileiro saiu vitorioso por 3 a 0.

Arena olímpica White Ring durante o jogo entre Brasil e Coreia do Sul [Imagem: Divulgação/ FIVB]

Dirigindo-se para o litoral sul de Honshu, principal e maior ilha do Japão, o time brasileiro manteve seu nível de jogo na fase disputada em Hamamatsu. Durante essa etapa o Brasil venceu a Tunísia sem dificuldades e teve o tradicional confronto diante da Itália no torneio. Vale ressaltar que ambos os times estavam invictos no campeonato até aquele momento e eram fortes concorrentes à medalha de ouro. 

No dia 20 de novembro, Nalbert, Ricardinho, Serginho, Anderson, Giovane e André Heller foram escalados para iniciar o jogo contra a seleção italiana, durante o qual as alterações promovidas por Bernardinho foram cruciais. O primeiro ponto da partida, um erro de saque do italiano Andrea Giani, foi um bom indício do que viria pela frente: muitos saques forçados na intenção de dificultar o retorno de bola, o que ocasionava muitos erros — principalmente por parte da Itália que, apenas no primeiro set, concedeu dez pontos para o Brasil por meio de erros técnicos. 

O Japão é conhecido por ter uma grande torcida brasileira, e isso não foi diferente no jogo contra a seleção italiana [Imagem: Divulgação/ FIVB]

A melhora da performance do time europeu com o passar dos sets, tendo inclusive vencido o terceiro, não foi suficiente para superar a investida sul-americana. Ao explorar habilmente o bloqueio italiano na reta final do jogo, a seleção brasileira abriu vantagem no placar e fechou o quarto e último set em 25 a 22. Os destaques da partida foram Anderson, Ricardinho, Giba e Nalbert — esse último eleito o melhor jogador em quadra. “A Itália foi a principal força do vôlei masculino na década de 1990, embora, até hoje, não tenha conquistado o ouro olímpico”, diz Bruno. “Para os italianos, ver o domínio brasileiro nos anos 2000, certamente não foi das coisas mais agradáveis.”

A partir da terceira fase, realizada na cidade de Okayama, o Brasil passou a acumular vitórias e se tornou imbatível nas quadras, passando por seleções como China, Canadá e Egito. Chegando à quarta e última fase do campeonato, que ocorreu em Tóquio, a seleção encontrou desafios em um jogo extremamente disputado contra Sérvia e Montenegro. Com parciais de 25 a 23, 21 a 25, 21 a 25, 21 a 25, a equipe brasileira não apenas conseguiu a nona vitória seguida na Copa, como também praticamente garantiu sua vaga nos Jogos Olímpicos de Atenas com dois jogos restantes.

Em 30 de novembro, um dia depois de o Brasil derrotar os Estados Unidos, algo importante aconteceu: Sérvia e Montenegro ganhou o jogo contra a Itália, único time que ainda poderia ultrapassar o Brasil no ranking. Apesar de já ter confirmado a medalha de bronze, a seleção balcânica acabou com as chances dos italianos de alcançarem o primeiro lugar — o que fez com que a seleção brasileira fosse automaticamente a campeã. Ainda faltava um último jogo, contra o Japão, que também acabou sendo vencido de forma primorosa pelo Brasil, com direito a uma cravada de bola de Rodrigão no match point.

Capitão Nalbert carregando a taça dos campeões da Copa [Imagem: Divulgação/ FIVB]

Além da medalha de ouro e da confirmação da vaga para Atenas, Giovane e Serginho foram premiados, respectivamente, como melhor ponteiro e melhor líbero da Copa do Mundo, enquanto o título de MVP foi para o japonês Takahiro Yamamoto. A conquista do troféu, inédito para a seleção brasileira, fechou com chave de ouro um ano vitorioso do voleibol nacional.

O que veio em seguida?

O último título do Brasil na Copa do Mundo de Vôlei foi conquistado na edição de 2019, quando a seleção repetiu o feito de 2003 e teve uma campanha invicta de 11 jogos e 11 vitórias. “Trata-se de uma outra geração, mas que certamente bebeu na fonte construída pelos atletas de 2003, inspirando-se nas filosofias da cultura de treino, o “saber sofrer” e a consciência de que o Brasil nunca foi a equipe mais alta ou mais forte fisicamente, mas que precisava buscar e aprimorar outras qualidades para se manter competitiva”, explica Bruno.

Na ocasião, o oposto Alan Souza foi eleito MVP e se tornou o segundo brasileiro a vencer esse prêmio, que antes havia sido conquistado somente por Giba, na Copa do Mundo de 2007. A seleção não participou da última edição, em 2023, pois já estava classificada para as Olimpíadas pelo Torneio Pré-Olímpico, que foi disputado em casa, no Ginásio Gilberto Cardoso, o Maracanãzinho.

Como já é usual, para o próximo período pré-olímpico a FIVB propôs mudanças para o torneio. Segundo anúncios da própria Federação Internacional de Vôlei, a Copa do Mundo que deveria acontecer em 2027 — quatro anos após a edição de 2023 — foi substituída pelo Campeonato Mundial. Esse ocorrerá também em 2025, e não mais em 2026, quando deveria ocorrer pela regra do intervalo de quatro anos, já que a última edição foi em 2022. 

O Campeonato Mundial será um dos meios de classificação para os Jogos Olímpicos de 2028 e contará com 32 seleções, oito a mais do que as 24 habituais. “A preocupação com o calendário, o desgaste físico e mental dos atletas existe, e por isso acredito que estas mudanças foram adotadas. É claro que também existem interesses comerciais e esta balança é difícil de ser equilibrada”, comenta o jornalista.

Nesse sentido, o futuro da competição que rendeu tanta glória ao Brasil é incerto e não figura no calendário divulgado até então pela FIVB. Ainda que o fim do evento se confirme efetivamente nos próximos anos, a seleção brasileira masculina, segunda maior medalhista da história do campeonato, já tem mais do que uma história e um legado no esporte para contar.

*Imagem de capa: Divulgação/ FIVB

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