Ser mulher nos anos 1950 não era exatamente a melhor coisa do mundo. Ocupar uma vaga em Direito numa escola tradicionalmente masculina era ainda mais difícil. Essa escola sendo a prestigiada Harvard? Digamos que era a cereja do bolo, em que a receita incluía machismo, preconceitos e opressão. Mas nada disso impediu que Ruth Bader Ginsburg (Felicity Jones) triunfasse. A caminhada até sua grande conquista ‒ a nomeação para o Supremo Tribunal norte-americano, em 1993 ‒ é o que baseia o filme Suprema (On the Basis of Sex, 2019).
Aos 20 e poucos anos, Ruth Bader ‒ ou Kiki, como era chamada por seu marido Martin (Armie Hammer) ‒ já era uma mulher com grandes responsabilidades. Mas mesmo com seus milhares de compromissos, ela se manteve a primeira em sua classe. O que não garantiu, no entanto, uma vaga num escritório de advocacia, após formada.
A discriminação de gênero é posta em evidência no filme (e na vida real) principalmente pelo fato de que seu marido também frequentava Harvard. Sua história, porém, foi um pouco diferente da de Ruth: após concluir os estudos, conseguiu oportunidades ótimas de emprego, que fizeram com que ele ocupasse o papel principal de “provedor” da casa.
Entre dois filhos e o emprego de professora numa faculdade de Direito, Ruth administra sua rotina sempre com certa angústia. É interessante como o longa, dirigido por Mimi Leder, mostra esse sentimento. Ao ir em eventos com seu marido, nos quais as discussões dos homens são sempre sobre suas profissões, Ginsburg é deixada de lado. Mesmo que tenha qualificações iguais ou ainda melhores que todos os homens presentes.
As coisas começam a mudar no momento em que um caso jurídico surge nos noticiários. Um homem solteiro, responsável por cuidar de sua mãe, é multado por sonegação, por ter se declarado cuidador) e, portanto, ter pago menos impostos. Essa dedução na carga tributária é válida, mas com uma condição: apenas mulheres podem ser cuidadoras.
Indignada com outros exemplos de discriminação de gênero no código de leis estadunidense, Ruth vê uma oportunidade de questionar o sistema judiciário sexista, a partir desse simples caso, que todos falam que é causa perdida. Ela então inicia uma cruzada em busca de apoio e base jurídica para ir ao tribunal.
O contexto histórico do filme é bastante relevante para seu entendimento. Em meio aos anos 1970, numa efervescência de demandas sociais e protestos contra a guerra do Vietnã, a atitude de Ruth, como ela própria descreve, é uma tentativa de mudar efetivamente a situação do país.
Um ponto bastante interessante é como o longa mostra a oposição entre Ruth e sua filha Jane (Cailee Spaeny), uma adolescente ávida por justiça social, que exige que a mãe seja mais ativa politicamente. Debates entre as suas são frequentes, mostrando dois lados do ativismo: aquele que pressiona o governo através de manifestações públicas e aquele que tenta mudar o sistema confrontando-o diretamente.
Do início ao fim, vemos a luta de Ginsburg para se consolidar no mundo jurídico e acabar com as barreiras impostas pelo machismo. Desde a cena inicial, em que ela é uma mulher solitária em meio a milhares de homens em Harvard, até o clímax, em que tem que provar seu “valor” para três homens brancos num tribunal de Justiça.
Suprema é um filme relevante não apenas por contar a história de uma mulher inspiradora, mas porque enfatiza todas as batalhas já travadas pelas mulheres para chegarem nesse momento atual da História. A discriminação “on the basis of sex” (baseada no sexo) ainda é gritante e, infelizmente, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Que tenham, então, várias Ruth Bader Ginsburg’s dispostas a mudar o mundo!
O filme chega aos cinemas no dia 14 de março. Confira o trailer:
por Maria Eduarda Nogueira
mariaeduardanogueira@usp.br