Numa sexta feira 13, você e seus amigos se reúnem para assistir filmes. Tudo parece bem, até que começa uma tempestade, e a energia cai. Um raio ilumina a janela, e delimita a silhueta de um homem empunhando um machado. O telefone toca – e, quando você atende, uma voz séria avisa que todos ali estão fadados a morrer nesta noite.
Esse é o típico clichê de qualquer filme de terror, repetido à exaustão. E, apesar de sabermos exatamente como a história termina, algo nos faz querer ficar até o fim. Mesmo que o medo pareça uma sensação desconfortável, muitas pessoas encontram grande prazer em assistir a um filme aterrorizante, ou em andar em montanhas russas que te viram de ponta-cabeça, e até em jogar games recheados de jumpscares. Outras, no entanto, têm enjoos e pesadelos só de pensar. E se perguntam: por que essas pessoas gostam tanto de se assustar?
Para muitos, parece um mistério, mas a ciência fornece explicações. Nesta reportagem para o Laboratório, vamos entender o que acontece no nosso corpo e mente quando tomamos um susto – e por que isso pode ser tão prazeroso.
O que acontece no corpo quando tomamos um susto?
De acordo com Marcelo Paes de Barros, doutor em bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Cruzeiro do Sul, a principal substância envolvida em um susto é a adrenalina. Ao se assustar, uma enorme quantidade da substância é liberada de forma brusca na corrente sanguínea. Essa liberação, por sua vez, estimula o uso das principais reservas de energia do organismo. “Glicogênio hepático, glicogênio muscular, gorduras do tecido adiposo… Tudo isso é disponibilizado em preparação para uma alta demanda energética, o princípio conhecido como ‘lutar ou fugir’”, diz Marcelo.
Para além do aspecto biológico, a psicóloga clínica Mariana Vieira explica que essa cadeia de reações bioquímicas tem uma finalidade: a autopreservação. “O corpo fica em estado de excitação, com os sentidos e a percepção muito mais aguçados, para que a gente possa se defender. O problema é que não agimos só para preservar a espécie. Quando perdemos essa característica de animal puro, nossos sentimentos começam a ter uma complexidade maior.”
O prazer no desprazer
O desconhecido, o calafrio, o susto: essas e tantas outras coisas nos despertam curiosidade e fascínio, e nos prendem numa tendência à repetição. “A gente tende a se atrair por coisas que nos deixam inquietos”, aponta Mariana. “Sejam elas boas ou ruins. É como se o nosso psiquismo não conseguisse muito bem distinguir uma excitação da outra.”
Do ponto de vista biológico, funciona quase como um vício – buscamos ativamente aquilo que nos estimula e causa excitação. “Você tem aquele estímulo, que na primeira vez foi bastante forte, e causou uma reação exacerbada no seu cérebro”, diz Marcelo. “Com o tempo, você se acostuma, porque os neurotransmissores atingiram um estado de saturação. Aí, você precisa repetir, e com estímulos cada vez maiores.”
A tendência à repetição também tem relação com uma tentativa de “elaboração”. Em psicanálise, a elaboração é o processo de organizar de forma racional aquilo que sentimos. Assim, por vezes, nos submetemos repetidamente a uma mesma situação, para tentar compreender melhor as nossas próprias reações. “Há uma vontade de enfrentar e repetir; é uma compulsão à repetição”, analisa Mariana. “Querer se ver naquela situação angustiante de novo, só para ver se é possível passar por ela.”
Todos temos o impulso de nos provar corajosos, de “lutar” numa situação de “luta ou fuga”. Mas, às vezes, esse impulso pode representar um risco à nossa integridade física: é o caso de esportes radicais. Para alguns, é uma paixão; para outros, extremo demais. Por isso, existem outras formas de elaboração mais seguras – por exemplo, a arte. De acordo com Mariana, “esse é o prazer da alienação: de poder passar por uma situação, que é hipotética, e sair ileso. Ao assistir um filme, se você sentir muito medo, pode pausar e voltar a ele em outro momento. Se uma foto está te causando muito desconforto, você pode parar de vê-la, e assim por diante”.
O eu e o outro
Uma parte significativa do público de filmes de terror e esportes radicais são, sem dúvida, os adolescentes. Essa fase da vida traz muitas mudanças – corporais, mentais e emocionais – e nem todas elas são confortáveis ou bem vistas pela sociedade. Assim, recorrer a fortes emoções e à transgressão das regras é uma maneira de lidar com essa realidade inquietante.
“É na adolescência que entramos em contato com alguns desejos e vontades que são perversos, cruéis, fora do tom, e não muito aceitos socialmente”, diz Mariana. “Essas coisas começam a entrar em ebulição dentro de nós, e causam medo. [O filme ou o esporte radical] acabam ficando tão atrativos porque nos identificamos com essa angústia.”
Na identificação reside grande parte da graça de se assustar. A verdade é que gostamos de tomar susto não apenas para nos entreter, mas porque enxergamos algo de nós naquilo que está nas telas do cinema, por exemplo. Em seu texto Das Umheimliche (em português, “O Estranho”), o psicanalista Sigmund Freud fala do fascínio acerca daquilo que é diferente, mas ao mesmo tempo, também familiar. “É aquilo que eu vejo no outro, que eu acho um horror, mas que eu também vejo em mim”, explica Mariana. “Se a gente consegue assistir [um filme de terror], é porque ali tem algo de identificação, de prazer para nós. Caso contrário, eu não consigo assistir, porque é só desprazer.”