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Denis Villeneuve: o próximo grande cineasta

Com sua abordagem minimalista, seu intento de explorar o existencialismo da mente humana e seus grandes filmes de ficção científica, Denis Villeneuve se tornou o mais proeminente diretor da atual Hollywood

Quem viu a cerimônia do Oscar esse ano pode ter sido pego de surpresa pelo grande vencedor da noite, Duna (Dune, 2021). Foram ao todo seis prêmios entre dez indicações. No entanto, para os fãs do diretor Denis Villeneuve, a grande mente por trás do filme sucesso de crítica e público, esse feito não é nada surpreendente. A trajetória do diretor revelou aos poucos o seu potencial para grandes feitos no mundo do cinema. Afinal, como chegou até aqui o diretor do tão comentado, estrelado e oscarizado filme Duna?


Início da carreira

Denis Villeneuve começou sua carreira como diretor de longas no Quebec em 1998, com o lançamento de 32 de agosto na Terra (Un 32 août sur terre, 1998), filme que conta a história de Simone (Pascale Bussières), uma menina que, após sofrer um acidente de carro, decide que a única forma de dar sentido a sua vida é ter um filho. Ela então pede para seu amigo Philippe (Alexis Martin) ser o pai da criança. O filme tem um tom de comédia romântica, por vezes interrompido por momentos mórbidos e de suspense, adicionando à história um humor ácido e inusitado típico dos filmes da nouvelle-vague francesa. A influência dessa corrente artística também se vê nos movimentos de câmera frenéticos presentes na obra e o diretor deixa isso claro ao rechear o longa de pôsteres de filmes do cineasta Jean-Luc Godard.

Pôster da atriz Jean Seberg no filme Acossado (Breathless,1961) de Jean-Luc Godard em uma das cenas de 32 de agosto na Terra. [Imagem: Reprodução/Youtube]
Pôster da atriz Jean Seberg no filme Acossado (Breathless,1961) de Jean-Luc Godard em uma das cenas de 32 de agosto na Terra. [Imagem: Reprodução/Youtube]
32 de agosto, juntamente com seu sucessor Redemoinho (Maelstrom, 2000), marca uma fase documental de Villeneuve, na qual ele buscou contar histórias minimalistas maximizadas pelo estilo de filmagem. Atualmente, Denis faz o contrário, conta histórias com grande escopo, mas com uma abordagem minimalista.

O primeiro passo para encontrar esse estilo veio após uma pausa de quase 10 anos, com o lançamento de Politécnica (Polytechnique, 2009). Ainda mantendo o estilo documental, ao retratar em filme a história real do massacre ocorrido na Escola Politécnica de Montreal em 1989, o diretor adota, pela primeira vez, uma abordagem mais contida, ressaltando a emoção das personagens.

Suas três primeiras produções lhe trouxeram certa aclamação no Canadá, ganhando, por exemplo, o prêmio de Melhor Diretor no Canadian Screen Awards duas vezes, com Redemoinho e Politécnica. No entanto, esse ainda não era o topo da carreira do diretor. Villeneuve estava para ganhar projeção mundialmente.

Villeneuve filmou Politécnica em preto e branco para que os visuais não pudessem embelezar a tragédia. [Imagem: Divulgação/Alliance Films]


Encontrando seu estilo

Em 3 de setembro de 2010 o sucessor de Politécnica, Incêndios (Incendies), estreou no Festival de Veneza, fazendo imediato sucesso. Para Alessandro Reina e Luiz Alberto Vieira Junior, pesquisadores de cinema na Universidade Federal do Paraná e coautores do artigo “Pensando uma possível proposta filosófica a partir da filmografia de Denis Villeneuve”, o filme marca o primeiro ponto de virada na carreira do diretor, quando ele passa a adotar uma abordagem mais ficcional. Ele é também o último roteirizado apenas por Villeneuve que voltaria a se aventurar na escrita apenas com seu mais recente filme, Duna, escrito em parceria com John Spaihts e Eric Roth.

Ao ser perguntado sobre as mudanças que Incêndios trouxe, Reina pondera: “Todos os filmes dele têm uma pitada de existencialismo, eu consigo perceber isso. Essa questão mesmo do confronto do sujeito com ele mesmo, se indagando sobre esse sentido de estar aqui. Talvez isso diluído dentro do cotidiano, da própria vivência, mas sempre muito presente”. E esses temas começam a ser mais fortemente explorados a partir desse ponto. Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Maxim Gaudette) vão em busca de seu passado familiar e, a partir disso, questionam sua própria existência. Assim, Villeneuve conta uma história específica mas que, ao mesmo tempo, nos toca de maneira universal.

O filme chegou a receber uma indicação a Melhor Filme Internacional no Oscar de 2011, marcando a primeira vez de Villeneuve na premiação mas não a última.

Em Incêndios, Nawal Marwan (Lubna Azabal) enfrenta os horrores da guerra. [Imagem: Reprodução/Twitter/@matinecinetv]
Após o sucesso internacional de Incêndios, Denis Villeneuve começa a adquirir certo prestígio e, em 2013, lança não só um, mas dois filmes, seus primeiros em inglês Os Suspeitos (Prisoners) e O Homem Duplicado (Enemy). “Ele, na lógica hollywoodiana, se tornou um cineasta de médio orçamento, então, quando chega nessa fase de Os Suspeitos, de O Homem Duplicado, ele já não é exatamente um cineasta independente, mas também não está trabalhando com orçamentos milionários”, pondera Vieira Junior. Esse é um importante momento de transição para o diretor, que parte de dois filmes, ao mesmo tempo, semelhantes e opostos.

Os Suspeitos é uma história familiar, concreta, de um pai (Hugh Jackman) que tem a filha sequestrada e vai até às últimas consequências para tê-la de volta, desafiando seu próprio senso de moral e identidade. Já O Homem Duplicado conta a história de Adam Bell (Jake Gyllenhaal), um professor universitário que descobre a existência de uma duplicata sua e mergulha de cabeça em sua vida, sendo um filme recheado de simbolismos e metáforas. Para Luiz, a diferença entre os dois é ponto chave para entender a evolução de Villeneuve: “Em Os Suspeitos você vê temas complexos, temas ambiciosos sendo retratados através do enredo. Mas, quando ele começa a evoluir para filmes como O Homem Duplicado, ele começa a usar a linguagem do cinema para produzir coisas pensantes. É um filme que instiga você a pensar junto e decifrar ele junto ao final”. Essa evolução culminaria na produção de sua obra mais aclamada, A Chegada (Arrival, 2016), mas antes mais um passo era necessário, Sicário: Terra de Ninguém (Sicario, 2015).

Foi com Sicário que o estudante Guilherme Castro Sousa descobriu o mundo de Villeneuve. Para ele, as cenas mais emblemáticas da filmografia do diretor são aquelas em que não há diálogo como, exemplifica ele, a que retrata um tiroteio entre a polícia e o tráfico na fronteira entre Estados Unidos e México em Sicário. “Você vê que vai acontecer algo muito errado e em alguns segundos tudo culmina num tiroteio muito rápido e muito tenso e você fica em choque e consegue, ao mesmo tempo, ver o impacto que isso tem na protagonista. É uma cena que no roteiro seria bem simples, mas pela maneira que foi dirigida aquilo se torna muito vivo”, explica o estudante. Além de marcar os fãs, Sicário também marca um importante momento na carreira de Denis: foi seu último filme produzido no Canadá.

Cena emblemática de Sicário: Terra de Ninguém. [Imagem: Reprodução/Youtube]

Um diretor de Hollywood

Em 2016, A Chegada é lançado e alça Denis Villeneuve a um outro patamar em sua carreira. A partir de então, ele se torna um verdadeiro diretor de Hollywood. Entre a produção americana, o extremo sucesso com a estreia no Festival de Cannes e Amy Adams no papel principal, o filme chamou a atenção dos grandes estúdios para o diretor, que demonstrava cada vez mais o seu diferencial: a capacidade de fazer filmes comerciais sem perder seus aspectos filosóficos e reflexivos.

O filme conta a história da linguista Louise Banks (Amy Adams), que, ao ter que lidar com a chegada de seres alienígenas na Terra, tem seu sentido de realidade posto a prova. A obra se difere dos clássicos filmes de ficção científica, uma vez que os aliens são apenas um pano de fundo para a mensagem que Villeneuve busca passar. Para Vieira Júnior, A Chegada é o filme que melhor sintetiza a filmografia do diretor até o momento e o que deixa mais claro o seu entendimento da linguagem cinematográfica. “A Chegada foi um filme que me deixou muito emocionado. Ele não tem nenhuma cena que melodramaticamente leva você a se emocionar, mas quando você entende a estrutura, a beleza daquilo é tão grande que emociona. É isso que mais me chama a atenção nele. Ele [Villeneuve] não quer criar emoções que derivam de uma cena comovente, mas sim de ideias que despertem emoções”. 

A personagem de Amy Adams tenta decifrar a estranha língua extraterrestre em A Chegada. [Imagem: Divulgação/Sony Pictures]
Após provar sua aptidão para a ficção científica, Denis é convidado a dirigir seu maior projeto até então, Blade Runner 2049 (2017). Por ser uma sequência do aclamado filme de 1982, o desafio seria fazer um filme à altura do original e que, ao mesmo tempo, trouxesse algo novo à franquia. Denis Villeneuve conta em entrevistas que o entendimento de efeitos especiais que ele adquiriu com A Chegada o ajudou a fazer Blade Runner. O resultado foi um filme que, apesar de não ter feito muito sucesso na época de lançamento, vem ganhando cada vez mais aclamação com o passar dos anos, sendo, para alguns, inclusive melhor que o original.

Essa trajetória nos leva ao último filme do diretor até então, de longe o de maior sucesso comercial e de público, Duna. Um filme de paixão do cineasta, que cresceu como fã do livro homônimo do qual ele é adaptado, Duna é, ao mesmo tempo, o resultado do aperfeiçoamento das habilidades de Denis Villeneuve como cineasta ao longo de seus filmes e um ponto fora da curva em sua filmografia. Por ser uma adaptação, o foco estava em fazer um longa à altura da obra original e, não necessariamente, em seguir os temas e aspectos recorrentes em seus outros filmes. O diretor contou em entrevistas que queria fazer um filme que agradasse o seu eu de 14 anos fã do livro de Frank Herbert. Mesmo assim, Denis conseguiu dar sua cara para o filme, mantendo a estética minimalista característica de suas obras.

Foi exigência de Villeneuve que grande parte das cenas de Duna fosse filmada em locações reais, como o deserto da Jordânia, para dar uma sensação maior de realidade ao filme. [Imagem: Divulgação/Warner Bros.]


O futuro

Com a sequência de Duna já em pré-produção, a tendência é que Villeneuve continue ascendendo cada vez mais ao topo, participando de projetos maiores e mais comerciais, mas sem perder sua essência. No entanto, para Alessandro Reina, o diretor tem uma decisão a tomar pela frente: “Hollywood visa faturar e as pessoas colonizaram um pensamento de gostar mais dos filmes voltados para o entretenimento e não tanto para a reflexão. Então, até que ponto ele vai querer dirigir esses filmes de grande porte, de grandes bilheterias? Porque muitas vezes um filme de orçamento menor, com uma produção mais independente, cria muito mais condições para que ele enfatize mais a questão do cinema pensante do que um cinema de entretenimento”. 

Dilemas à parte, o fato é que Villeneuve conquistou uma base de admiradores, como Guilherme, o respeito da crítica, a atenção dos grandes estúdios e de pesquisadores como Reina e Vieira Junior. Para eles, a grande questão ao estudar o diretor era se ele iria “despontar como um grande diretor ou se iria decair nos próximos projetos, se era fogo de palha”. Hoje, sua filmografia prova que, seja com produções independentes ou grandes filmes comerciais, no Quebec ou em Hollywood, o jovem Denis Villeneuve veio para ficar e é o próximo grande cineasta dessa geração.

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