Ao pensar em independência, o quadro Independência ou Morte (Pedro Américo, 1888) é comumente lembrado pelos brasileiros como retrato fidedigno da história do país. Embora saiba-se que a imagem, em si, é ilusória, a pintura permanece no imaginário social como uma representação do Sete de setembro. Mas, há menos de um mês de seu bicentenário, qual o significado da independência e do dia Sete? É a partir deste questionamento, que, sob curadoria de Carlos Lima Jr., Lilia M. Schwarcz e Lúcia K. Stumpf, a exposição O Sequestro da Independência, feita a partir do lançamento do trio de autores O Sequestro da Independência: Uma história da construção do mito do Sete de Setembro (Companhia das Letras, 2022), busca refletir a independência a partir de imagens de quatro momentos históricos em que o significado do dia Sete foi, segundo os autores, sequestrado: 1822; 1922; 1972; e 2022.
A exposição, localizada na Galeria Arte132, em São Paulo, é dividida entre as quatro datas históricas e reúne, por meio de imagens também expostas na obra literária, qual o significado da independência para cada período. Em entrevista à Jornalismo Júnior, os autores comentaram como, durante a finalização do livro, perceberam que as imagens tinham uma importância muito grande para a compreensão do 7 de Setembro e também do momento em que foram produzidas. Assim, como forma de possibilitar uma reflexão visual, a mostra foi criada, sob curadoria deles mesmos.

Norte de reflexão
O ato de repensar a independência é exposto logo pela capa do livro: uma releitura do quadro de Pedro Américo, feita por Daniel Lannes para a Companhia das Letras. “Nós [Carlos, Lilia e Lúcia] encomendamos a pintura do Lannes justamente pelo trabalho lindo que ele faz com releituras de obras famosas”, comenta Lúcia Stumpf.
Na imagem, observa-se a mudança de posição e, consequentemente, de destaque de personagens em relação ao quadro original: antes no canto inferior esquerdo, agora o carregador de bois encontra-se em posição central com seus instrumentos de trabalho e de luta em mãos, enquanto que D. Pedro I, diferentemente do original, não está centralizado e suas características físicas aparecem difusas. Como pontuado por Schwarcz em entrevista, a espada, que antes caracterizava a glória, está envolta em um furacão.

Divididos em quatro momentos, o livro e a exposição procuram apresentar explicações por trás das imagens para que seja possível a ressignificação de cada momento histórico. Assim, a divisão dos quatro momentos explicita as movimentações políticas que “sequestraram” o significado da independência para fins próprios.
1822
Embora a imagem de Pedro Américo situe a independência do Brasil às margens do rio Ipiranga, em São Paulo, a emancipação política do país, além de ser “explicitamente europeia”, como pontuado pelos autores, não foi algo centralizado em SP — muito menos no Rio de Janeiro, capital do Brasil na época. Os movimentos a favor da independência aconteciam ao redor do país, muitas vezes duramente repreendidos pela Coroa, mas foram ignorados pelo “grito no Ipiranga”. Esta região de SP, inclusive, seria introduzida na história da proclamação como algo relevante apenas em 1830, quando imagens do local em que a independência foi proclamada começaram a circular na sociedade brasileira. É nesta época, que Américo vai até o Ipiranga para começar sua pintura, a qual é feita, propositalmente, sem fidelidade com o real para “criar a aura heróica na proclamação”, segundo Schwarcz.
1922
A disputa entre as elites de São Paulo e do Rio de Janeiro dominaram a comemoração do centenário da independência, uma vez que não se sabia ao certo qual das duas seria responsável pela comemoração: SP, sede do “Grito do Ipiranga”, ou o RJ, capital à época da proclamação? Os estados usaram a arte na tentativa de “sequestrar” a independência como um processo só seu. O primeiro, por meio do Museu Paulista — ou do Ipiranga, e o segundo, pelo Museu Histórico Nacional, organizando eventos culturais que tentavam comprovar a primazia do próprio estado no processo emancipatório — embora ele não tenha sido restrito ao sudeste.

1972
Nos “anos de chumbo” da Ditadura Militar, os 150 anos do 7 de setembro foram “sequestrados” por um governo que relembrava, com orgulho, a proclamação de D. Pedro I — o símbolo oficial da comemoração, inclusive, foi uma adaptação da pintura de Pedro Américo, com 1822 sendo conectado a 1972.
Os autores pontuam na exposição que, não muito diferente da última comemoração, o “sequestro” feito pelo atual presidente Jair Bolsonaro é perpetuar a glorificação de D. Pedro: a identidade visual do bicentenário, em 2022, é a mão do então imperador segurando sua espada, como na pintura de 1888.

O único ponto que diverge entre a exposição e o livro — que conversam, a todo momento, entre si — é quanto a 2022. A exposição não apresentou imagens do atual momento histórico, pois, segundo os curadores, seria “conceder ao presidente Bolsonaro a mesma importância que outros personagens e momentos, presentes na mostra, tiveram na história do Brasil”. Foi, afirma o trio, uma atitude pensada para evitar que o foco fosse para o presidente, e não para a reflexão sobre a independência.
A mostra ficará exposta na Galeria Arte132 até o dia 24 de setembro de 2022 e pretende ser uma exposição itinerante, percorrendo escolas ao redor do Brasil. Além disso, educadores que se interessarem podem tentar solicitar uma visita guiada para que os alunos possam visitar a mostra. A entrada é gratuita e os espectadores podem visitar a obra de segunda a sexta-feira, das 14h às 19h, e aos sábados, das 11h às 17h.