Em meio a um contexto de crise sanitária, ocasionado pela pandemia da Covid-19, a frase “surto de varíola dos macacos” pode assustar e gerar dúvidas. Na quarta-feira (8), foi confirmado o primeiro caso da doença no Brasil, e ao menos 27 países confirmaram a presença do vírus. A varíola, comumente reconhecida como uma doença de alto contágio que causou sucessivas epidemias em diferentes lugares do mundo, ressurgiu? Dessa vez, entre macacos? Essas são algumas indagações recorrentes feitas a respeito desse novo cenário, bastante repercutido ao redor do mundo. A Jornalismo Júnior entrevistou o infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia, Dr. Munir Akar Ayub, para esclarecê-las e analisar a conjuntura.
A varíola voltou?
A varíola que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), matou mais de 300 milhões de pessoas apenas no século XX e protagonizou a Revolta da Vacina no Brasil foi erradicada mundialmente na década de 1980. Essa doença não voltou – ela não é a mesma da chamada varíola dos macacos, causada pelo Monkeypox virus. “A varíola era um vírus próprio do homem, então é o homem que tinha esse vírus e transmitia para outra pessoa. Essa varíola era muito mais grave, podia levar à morte e a grandes lesões no corpo, então se não morria, deixava muitas cicatrizes. Com a vacinação, essa varíola acabou. Essa [nova] variante é uma que existe nos ratos e, eventualmente, pega outros animais, no caso o macaco”, afirma Dr. Munir.
Enquanto a varíola humana surgiu há dez mil anos atrás, com seus primeiros surtos no Antigo Egito, a varíola dos macacos teve seus primeiros casos detectados no ano de 1958, em macacos de laboratório trazidos do continente africano – fato que explica o nome dado à doença. Assim, já faz mais de 60 anos que a varíola de macacos existe, mas agora ela recebe destaque devido aos casos registrados fora da África, explica o infectologista: “Essa doença só acontecia lá [na África], então ninguém se preocupava, porque ficava no meio dos africanos, e ninguém tomava muito conhecimento. Isso passou a ser considerado importante na hora que europeus e americanos acabaram sendo acometidos pela doença, aí se tornou um problema visto como mais sério. Na realidade, enquanto está lá na África ninguém está muito preocupado com ela. Na hora que americanos e europeus pegaram, aí a coisa muda de figura”.
É possível o surgimento de uma epidemia ou pandemia da varíola de macacos?
Na década de 70, quando a varíola humana estava prestes a ser erradicada, foi atestado o primeiro registro de varíola de macacos em seres humanos, na República Democrática do Congo. Atualmente, já foram registrados pela OMS mais de 780 casos em locais onde a patologia não é endêmica. Agora que o surto chegou nos países do Norte Global e deixa de ser algo característico de nações marcadas pelo subdesenvolvimento, o mundo parece se alarmar. Mas o Dr. Munir pontua que há baixo risco do surgimento de uma epidemia da doença em razão do funcionamento das formas de transmissão e contágio. “Uma epidemia não. É uma doença que não é transmitida facilmente, precisa de um contato muito importante [próximo/íntimo] com quem está doente, para que haja infecção. Então, ela não tem uma chance de ser uma grande epidemia”, constata o médico.
Grandes epidemias e pandemias ocorrem quando as doenças em questão possuem alto grau de transmissibilidade. No caso da Covid-19, por exemplo, o contágio acontece quando um indivíduo saudável inala gotículas de saliva ou partículas de secreção infectadas pelo vírus – a partir de tosses ou espirros – que podem ficar suspensas por horas no ar. A antiga variante de varíola tornou-se um grave problema de saúde pública devido sua alta taxa de contágio, que também acontecia pela inalação de gotículas de saliva ou pelo contato com algum objeto de um indivíduo infectado. Entretanto, a nova varíola, como pontuado pelo doutor, é menos contagiosa, o que dificulta sua transmissão e abaixa o risco de se tornar uma epidemia.
Os macacos e a transmissão
Embora o nome popular seja “varíola dos macacos”, o entrevistado ressalta que essa nomenclatura está incorreta, uma vez que a doença tem origem em corpos de roedores. Mas doenças que infectam macacos não são novas para a comunidade científica. A febre amarela, um vírus que preocupa a medicina desde o século XIX, também tem o animal como “reservatório” da doença. Diferentemente de como acontece com a varíola, a febre amarela é transmitida pela picada do Aedes aegypti, mosquito que também é vetor de outras doenças, como a dengue. Mesmo que não sejam os macacos os responsáveis pelo surgimento dessas patologias, é senso comum supor que a morte desses animais sirva como forma de controle, tanto da nova varíola quanto da febre amarela. Porém, o Dr. Munir explica que os animais contaminados são tão vítimas quanto os humanos. No caso da varíola de macacos, eles servem apenas como um intermediador entre o vírus e as pessoas, e ficam tão doentes quanto elas.
Saiba identificar os sintomas e como se prevenir
Ainda que não haja um risco iminente de transmissão em massa da nova varíola, é importante saber os sintomas. O médico explica que, “no começo, ela [varíola] é igual a qualquer doença infecciosa. Tem uma febre, uma dor muscular, às vezes aparecem umas ínguas no pescoço, mas isso aparece em um monte de outras doenças.” O indivíduo, no entanto, deve se alarmar quando vesículas, que o Dr. Munir descreve como “bolhas pequenas”, aparecem pelo corpo. Ele complementa que ainda não existem mortes registradas pela varíola dos macacos, e se por algum motivo o vírus começar a se espalhar, a campanha de vacinação que auxiliou na erradicação da antiga variante de varíola seria a principal forma de combate.
Sobre a prevenção da doença, o doutor alerta que o mais importante é “evitar contato com pessoas doentes e evitar, naturalmente, contato com esses animais infectados”. Já foi registrado um caso da doença no Brasil, em um homem de 41 anos que viajou à Espanha. Ele se encontra isolado no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo. Mas, o Dr. Munir tranquiliza a população ao ressaltar que, até agora, não existem casos de ratos ou roedores portadores desse vírus no Brasil.
*Imagem de capa: Maria Fernanda Barros/Jornalismo Júnior