Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Amor & Outras vírgulas – Nicole e André

Na primeira coluna do Amor & Outras vírgulas, a J.Press conta a história de amor de Nicole e André.

Agosto de 2008.

 

“Nicole, preciso te falar uma coisa e espero que você não se chateie. Eu só tô te falando porque você é minha amiga. Eu adoro você! Mas você precisa começar a cuidar da sua alimentação, fazer exercícios físicos… Você tá até ficando gordinha. Não fica chateada comigo! Mas você precisa…” 

 

Nelson era gastrologista, e nunca, nunquinha, tinha criticado a minha aparência. Pelo contrário! Ele sempre dizia que eu era linda, me chamava de linda direto. E escolheu o fim de um plantão enorme para mudar as coisas entre nós? 

Ele era meu melhor amigo no hospital onde eu trabalhava coordenando o pronto-socorro. Trabalho esse que significava que eu não tinha tempo para comer, nem dormir, muito menos para malhar. E eu sempre odiei malhar. 

 

Até esse momento.

 

Apesar de não ser moradora, a administração do prédio da minha mãe sempre foi tranquila comigo usando as áreas comuns. Mas, nesse caso, até torci para que o porteiro encrencasse e dissesse que já tinha alguém a usando ou que estava cheia. Torci até para que ele tivesse ido ao banheiro e não conseguisse me liberar quando eu interfonei. Mas não. Ele garantiu que ninguém estava lá, na maior simpatia. E eu, que já não queria andar na esteira, se tivesse alguém lá comigo, desanimaria de vez, mesmo. Mas eu precisava ir, e iria. 

Só que, quando as portas do elevador se abriram, eu vi que tinha alguém entrando na academia. Não tinha mais para onde correr, o vizinho viu para onde eu estava indo, com as roupas de lycra. Ficaria muito chato voltar para o elevador. E, para melhorar: só tinha uma esteira funcionando naquela noite. 

 

Ou teoricamente funcionando… 

 

Eu apertei todos os botões, liguei todas as luzinhas. Quase chutei a esteira e ela não ligou. Era um sinal para voltar para casa? Eu diria que sim, com certeza. 

 

            – Quer uma ajuda aí? – O vizinho perguntou, com uma risadinha baixa, já saindo da bicicleta  para me ajudar. 

 

Fala sério. 

 

E então, nós começamos a conversar. Eu sou tagarela, ele era mais fechadão, mas nem importava. Claro que tudo sem segundas intenções, afinal, no prédio em que a minha mãe mora só tem idosos e casais recém-casados. E ele, com certeza, se encaixava no segundo grupo. 

Não lembro como chegamos a esse ponto da conversa, mas o mais cômico – se não trágico – aconteceu nesse momento, enquanto ele me contava que trabalhava com seguros. Abri meu coração para o homem da bicicleta, que, naquela altura, eu já sabia que se chamava André. Contei que meu carro tinha sido roubado recentemente, que colocaram uma arma na cabeça da minha filha, Rebeca, com 5 anos na época, e comentei como ela sempre me falava para arrumar um príncipe encantado para beijar na boca e ser feliz para sempre. Mas tudo na ironia, rindo com ele. O vizinho estava se mostrando uma ótima companhia, me fazendo esquecer que meu corpo sedentário estava sofrendo naquela academia.

Até que ele me contou que fez administração hospitalar por um tempo, e eu, para puxar assunto continuei desenrolando a conversa:

 

            – É mesmo? E por que você não trabalha mais com isso?

Fiquei curiosa, afinal, a gente poderia já ter se cruzado em algum momento!

            – Ah, porque eu não gosto de médicos. Médicos são meio arrogantes, acham que são donos                   do mundo… 

Ele falou na minha cara, na cara de uma médica.

            – E você não sabe o pior: a minha irmã é casada com um médico! 

            – Sério? 

Eu perguntei, tentando focar em manter o ritmo na esteira e não mostrar meus reais sentimentos.

            – Sim! Mas eu já disse, não entra médico mais nessa família!

Ele disse, erguendo o queixo, como se fosse o maior orgulho do mundo o fato dele defender a família dos maldosos e metidos médicos.  

            – E você, o que faz?

            – Eu sou médica.

            – Aí, você tem um senso de humor ótimo! 

Ele respondeu, gargalhando. 

            – Devo ter mesmo, porque até agora nem voei no seu pescoço – Falei, entrando na                                     brincadeira.

            – Mas, sério mesmo, o que você faz?

            – Sério mesmo, eu sou médica.

 

Chegando na casa da minha mãe, comecei a contar sobre o papo com o André e ela mal ligou para essa parte da conversa, nem mesmo riu quando eu contei da confusão dele para pedir desculpas quando descobriu que eu era médica. A atenção dela estava em outro comentário: ela tinha certeza de que ele iria achar que eu estava flertando pela parte do príncipe encantado, mas eu jurava que não. Ele não poderia achar isso, poderia? Eu nem queria estar ali para início de conversa. Decidi que aquilo não iria me preocupar — afinal, eu nem mesmo veria esse cara de novo. Não era uma preocupação e ponto.

 

Até aquele momento.

 

Uma semana depois.

Nessa época, eu alugava uma vaga no prédio da minha mãe e estava estacionando o carro na garagem, quando percebi que uma moto estacionou ao meu lado e um homem estava descendo dela. Ele tirou o capacete, e era o homem da bicicleta. 

Sai do carro e brincamos um com o outro, rindo da coincidência de nos encontrarmos ali, até que me lembrei do que minha mãe tinha dito. 

Engoli em seco pensando nos pensamentos dele. Fiquei morta de vergonha na hora — será que ele ainda achava que eu estava dando em cima dele? Será que a esposa dele estaria agora me achando uma ridícula? 

Precisava contornar a situação e, naquela hora, a decisão mais sábia, ou pelo menos a que pareceu ser a mais sábia, foi ser o mais séria possível. Pessoas sérias não flertavam. 

Enquanto ele me contava sobre a comemoração do aniversário dele na semana anterior, soltei um “que bom para você”  fora de contexto e extremamente rápido, embolando as palavras e emendando um feliz aniversário. 

Pensei que ele devia ter achado que eu tinha enlouquecido. Mais tarde, descobri que ele pensou que eu era doida mesmo. 

Um tempo depois, o morador que alugava a vaga para mim foi embora do prédio, e eu passei a deixar o carro em um estacionamento fora. Em uma visita à minha mãe junto com a Rebeca, topei novamente com o André, que estava indo para a academia. Pelo visto, aquele era o hobbie dele. 

Eu nunca tinha o visto na vida, mas, em um mês, o encontrei três vezes. 

 

            – Boa noite, Nicole. – Ele respondeu, já se ajoelhando para ficar da altura da minha filha – Oi, Rebeca. Tudo bem com você?

Achei muito estranho que ele lembrasse o nome dela, o qual eu tinha comentado rapidamente na academia, mas a fofura da conversa dos dois ofuscou a estranheza.

            – Pensei em você esse final de semana! 

Acrescentou, já se levantando. 

           – Você tinha dito que a sua mãe tem uma casa na Praia Grande, e eu fui para lá, de moto. Se                    eu tivesse seu telefone, te chamava para tomar um suco…

Um suco? Só nós dois? 

Olhei para a mão dele: sem aliança. 

            – Você foi para a praia com quem?

            – Sozinho.

 

Naquele momento, eu olhei dentro dos olhos dele. E reconheci. Me lembro até hoje da sensação: parecia que um buraco tinha sido aberto no chão, meu coração disparou, minha mão começou a suar frio. Era amor. Estava escrito. Nós dois éramos para ser, eu tive certeza. 

E ele só estava lá, parado, enquanto eu ficava olhando para ele e suspirando com o nosso futuro hipotético. Se da outra vez ele só havia achado, ele teve certeza de que eu tinha enlouquecido depois dessa conversa.  

 

            – Me dá seu telefone, e quando eu for para lá, te aviso.

Ele pediu, quebrando o contato visual.

            – Eu não tenho caneta aqui, vou deixar o número na portaria, pode ser?

 

Assim que entrei na casa da minha mãe, contei que tinha encontrado o homem com quem eu passaria o resto dos meus dias. Ela achou que eu tinha bebido ou pirado de vez, mas eu tinha certeza de que ele era o homem para mim. Só faltava ele saber disso também.

Todos os meus amigos sempre falavam que eu não saía de casa e era uma romântica e sonhadora incurável. Muitas vezes, eles até diziam “Você acha que seu príncipe vai bater na porta da sua casa?”. E, bom, ele não bateu na porta da minha casa, mas quase bateu na porta da minha mãe.

André me mandou uma mensagem dizendo que tinha salvado meu número e começamos a nos falar frequentemente por mensagem de texto e e-mail, e acabei descobrindo bem mais sobre ele. 

Mas, tinha um problema: antes de conhecer o André eu fui casada com o meu primeiro namorado, e mesmo que tenha ficado dois anos e meio solteira, eu não tinha muita experiência com flertes. Então, acabei pedindo ajuda para uma amiga, a Mari, que também morava no prédio da minha mãe. Ela me socorreu com as respostas que eu daria para os e-mails dele, já que ela era toda descolada. 

Um dia, o André me chamou para ir num restaurante japonês com ele. E eu levei a Mari junto, achando que seria um jantar entre amigos. 

 

Spoiller: não era. 

 

            – Caraca, você gosta de Chiclete? 

Ela perguntou assim que nós entramos no carro dele para ir para o restaurante.  Que tipo de pergunta imbecil era aquela? Se ele gosta de chiclete? Fora de contexto, assim? Todo mundo gosta de chiclete! 

            – Eu adoro! E adoro Asa também! 

Ele respondeu, todo animado. Animado por uma asa e chiclete? Eu não fazia a menor ideia do que eles estavam falando.  

            – Você viu que o Asa vai estar no CarnItu? Vamos?

A Mari falou, segurando no banco da frente como se nós estivéssemos indo naquele momento para esse lugar. 

            – Nossa, lógico! Vamos, Ni?

            – Vamos.

Naquele momento, eu tomaria até uma injeção na testa com ele.

Então, a Mari e o André começaram a combinar o que cada um levaria e ele disse que traria as bebidas para o esquenta. Mas quem esquenta o que? Que esquenta? Que horas? Parecia que eles estavam falando outra língua. 

            – O que você bebe, Ni? 

O André perguntou, já fazendo uma listinha mental do que levaria.

            – Coca zero. 

Falei sem nem pensar: é meu vício.

            – Nossa… 

 Ele respondeu, engolindo em seco enquanto a Mari ria. 

            – Então tá, mas vou guardar a coca zero no fundo da geladeirinha, porque isso queima o filme, alguém bebendo coca zero na micareta. 

O André brincou e ele e a Mari se contorceram de rir. E eu ainda não sabia o que nós iríamos esquentar. Torcia para que não fosse o meu refrigerante. 

 

13 de dezembro de 2008. 

Fomos no meu carro até Itu e meu coração não cabia no peito. Contei os minutos até que chegássemos lá, depois de passar a última semana roendo as unhas para que esse dia chegasse. Já conseguia imaginar: como chegaríamos cedo para o tal esquenta, conseguiríamos ficar na grade e  iríamos ficar mais animados ainda. Eu e o André iríamos olhar um para o outro no meio da multidão, ele ia perceber que foi feito para mim, a gente ia viver aquelas cenas de filme em que tudo fica em câmera lenta…

Mas assim que nós chegamos no lugar em que a micareta ia acontecer, eu tive certeza de que estava me enfiando na maior furada da minha vida. Tinha muita lama, muitas caixas de som tocando músicas diferentes em portas-mala, muita gente bêbada, muito de tudo o que, em qualquer outra situação, me faria dar meia volta com o carro e rumar para casa achando que eu tinha parado no lugar errado. Aquilo era o que a Mari e o André amavam? 

 

Sério?

 

Acho que ficamos umas quatro horas por lá: o esquenta não acabava nunca e eu — com a minha coca zero — estava achando tudo muito estranho. Os amigos dele ficaram rindo, falando que “micareta quem viu, mentiu”, “o que acontece na micareta, fica na micareta”, mas tudo o que eu queria era que fosse mentira que eu estava naquele lugar mesmo.

Depois de muito, muito tempo mesmo, entramos num lugar que era uma espécie de pista circular com um caminhão no meio. Não era para ter um show? Não deveria ter um palco? Percebendo a minha confusão, o André me explicou que a música vinha do caminhão. Ele fica andando em círculos e a gente dançando atrás. 

Andando em círculos. E a gente atrás. De um caminhão. A tarde inteira. Um caminhão. Assim que a gente cruzou do estacionamento do esquenta para a pista, passou uma menina num carro e gritou para o André: 

 

            – Ô bonitinho! Me espera aqui que eu vou dar um beijo na sua boca! 

 

Fala sério. 

Nem tinha dado volta nenhuma atrás do caminhão e eu já estava ficando tonta. 

Bonitinho? 

Fala sério. 

 

Mas, antes que eu pudesse ter qualquer reação, ele saiu andando. Simples assim. Como se nada tivesse acontecido. Como se não tivesse acabado de receber a oferta de um beijo na boca de graça de uma desconhecida dentro de um carro. Os amigos começaram a brincar com ele, horrorizados com o fato dele ter saído andando, mas ele nem ligava. Outras meninas mexiam com ele, algumas mais diretas e outras mais discretas, mas ele nem dava bola. Poderia jurar, inclusive, que ele me olhou de relance enquanto saía andando de algumas. Estava gostando cada vez mais desse caminhão. 

Isso até um balde de água fria ser derramado na minha cabeça pela Mari. 

 

            – Ele não tá afim de você, Nicole. Se ele tivesse, já teria vindo atrás de ficar com você. Quando o show começar, ele não vai te beijar, e tô te falando isso para você não criar expectativas e se magoar, como sua amiga.

 

O show começou e a música era bem animada, o que me animou um pouco também, mas a verdade era que a minha cabeça estava bem longe daquela multidão. 

Ficamos todos lá, dançando, cantando e batendo papo entre um ritmo e outro, mas eu não conseguia me divertir completamente. Então, decidida a entender de uma vez por todas se ele tinha vindo até a micareta ficar comigo ou se com outras meninas, eu resolvi ficar afastada por um tempo, ir ao banheiro e ver de longe o que aconteceria. 

E, para a minha surpresa, não aconteceu absolutamente nada. Ele ficou lá, dançando e  cantando. Sozinho. Depois de um tempo, começou a olhar para os lados, procurando alguma coisa. Me procurando. Eu sabia! Decidi que era hora de voltar. 

 

            – Me dá um chiclete? 

 

Me ouvi dizendo para ele, chegando perto para que conseguisse me escutar mesmo com a música. Ele estava mascando um, e aquela me pareceu a desculpa perfeita.

De perto assim, ficou ainda mais claro para mim que ele era, definitivamente, o homem da minha vida. Ali, no meio da micareta. Mascando chiclete. Com lama até o joelho. 

Então, ele olhou no fundo dos meus olhos e me beijou. E tudo não ficou em câmera lenta, como eu achei que ficaria, nem a música parou de tocar ou as pessoas magicamente desapareceram ao nosso redor. Mas eu senti que estava, pela primeira vez naquele dia, onde deveria estar: em qualquer lugar, com ele. 

A partir daí, a música era a mais legal que eu já tinha ouvido. O caminhão era o mais divertido que eu já tinha andado atrás. As pessoas bêbadas, então? Aquele era o meu tipo de rolê! 

Para mim, comecei a namorar com ele nesse dia 13 de dezembro. Mas ele não começou a namorar comigo nesse dia. Não. Para ele, demorou bem mais.

As festas de final de ano e o carnaval entraram no meio dos nossos planos: os dois foram passar as férias, em períodos diferentes, em navios, então ficamos incomunicáveis. Ficamos sem nos ver por muito tempo, e sem nos falar por algumas semanas. Até que, quando ele voltou para São Paulo, me enviou uma mensagem dizendo que precisava ir até a minha casa, porque queria conversar comigo. 

Ele estava decidido a terminar tudo. Mas ele não sabia o que eu sabia. Não sabia que nós éramos feitos um para o outro e que ele ia casar comigo. Não ainda. Por isso, quando ele veio dizendo que nós queríamos coisas diferentes, que eu queria algo sério e ele não, não tive outra escolha a não ser dizer:

 

            – Mas eu não quero nada sério não. Vamos viver o presente, namorar por enquanto, eu estou feliz com o que temos hoje. Eu nem sei se vou querer algo sério no futuro. Vamos deixar o futuro para o futuro.

 

Eu queria algo sério. Algo sério com ele, claro. E ele ia casar comigo, no final. Só não sabia disso ainda. Então, esse discurso foi o suficiente para enrolar ele. Continuamos juntos. 

Passamos a nos encontrar pelo menos duas vezes na semana. Era tudo um sonho: conversávamos muito, ríamos de tudo, nos entendíamos como ninguém. Eu e ele nos tornamos, além de namorados — para mim, ao menos — melhores amigos. 

Até que, naquele momento, tudo desmoronou. 

 

            – Alô?

            – Nicole, eu preciso te fazer uma pergunta e quero que você seja honesta comigo. 

Ele parecia bravo, chateado e prestes a pular daquele telefone direto para a minha casa. 

            – Tudo bem, Dé. Mas o que aconteceu?

Eu não queria saber de verdade. Quer dizer, até queria, mas, pelo tom da voz dele, não conseguia imaginar o que poderia ter acontecido.

            – Alguma vez você encaminhou algum e-mail que eu te enviei para a Mari?

Só muitos. Quase todos. Ela era quem me ajudava a responder o André. O que estava acontecendo?  

            – Encaminhei.

Respondi, soltando o ar que estava prendendo desde que a ligação começara. Não tinha como não falar a verdade. 

            – Só queria saber se você ia mentir para mim. Ela me encaminhou todos que você enviou para ela, dizendo que, como ela me respondia, eu combino muito mais com ela do que com você, que não sabe nem o que é uma micareta. 

 

Fiquei sem chão. 

Isso não podia estar acontecendo. De repente, minha visão estava embaçada e eu não sabia o que fazer com as mãos. A Mari era minha amiga, tinha me ajudado com o André. Ela não faria isso.

 

Faria?

 

E ele sempre foi muito reservado, muito na dele. Até hoje, eu não sei nem como passou por cima disso, porque eu sabia o que aquilo significava para ele, para a nossa relação. Ainda assim, ouvir o que ele disse a seguir despedaçou meu coração em um milhão de pedacinhos. 

 

– Sinceramente, Ni, eu não sei como vai ser a partir de agora, porque eu não sei o terreno em que eu tô pisando. 

– Se você não sabe onde você está pisando, melhor não pisar mais.

Concordo.

– E desligou a ligação.

 

Não consigo medir o sofrimento que me acompanhou pelos meses que seguiram. Eu emagreci 7 quilos, não me relacionei com mais ninguém, não parava de pensar nele. Não conseguia evitar me perguntar se, enquanto eu amava o André de outra vida e o reconhecia como o homem feito para mim, ele não me amava, muito menos achava que era feita para ele. Era o fim. 

 

6 meses depois. 

Eu estava no meio de uma maré de azar. Haviam clonado meu CRM, copiado meu carimbo e eu estava lidando com uns problemas no trabalho. Resolvi contar isso para a mãe do André, que continuava em contato comigo, mesmo após tanto tempo do nosso término.

Um dia, o nome dele brilhou na tela do meu celular. Ele estava me ligando. Meu coração palpitou, apertou um pouquinho no peito. Fiquei um tempo ouvindo a musiquinha tocar antes de realmente atender. 

 

            – Tem algo que eu possa fazer para te ajudar com o CRM?

            – Oi, Dé. Acho que não.

Respondi, meio tensa. Meu coração pulsava na boca. Seis meses depois e a voz dele continuava mexendo comigo da mesma forma de antes. 

            – Acontece. Obrigada.

            – Ah, ok.

E, então, aquele silêncio se instaurou. Aquele tipo que grita que temos muito a dizer, mas não podemos. 

            – Queria ser seu amigo.

            – Ah, é?

            – É. Sinto sua falta, gosto muito de você.

            – Tudo bem.

            – Tudo bem?

            – É, tudo bem.

            – Nossa, legal, a gente podia sair então qualquer dia dess…

            – Mas eu não vou para cama com os meus amigos.

Mais silêncio. 

            – Aceito seus termos. Amigos?

            – Amigos.

 

Voltamos a nos encontrar e conversar bem mais do que antes. Tudo era leve, alto astral, mas meu coração pedia mais. Precisava de mais. 

Eu só não sabia se o dele também.

Um tempinho depois, eu fiz uma viagem de negócios com a Rebeca para Itacaré, na Bahia, e comentei com o André, que me disse que tinha um amigo que trabalhava na cidade. Ele me passou o número do tal amigo, e eu me encontrei com ele para tentar resolver o que precisava. Mas o amigo tinha segundas intenções. 

Ele me chamou para sair, mas eu não podia ir. Não podia dar expectativas para ele se meu coração estava em São Paulo, com o homem que me levava para as piores festas do mundo, que ia de moto sozinho até o litoral para tomar suco e que ajoelhava para falar com a minha filha de igual para igual. 

Voltei para São Paulo e contei tudo para o André, que reagiu estranho — quase como se sentisse ciúmes do amigo. Mas ele não tinha direito nenhum de sentir ciúmes, não fui eu quem inventei aquela história de amizade, em primeiro lugar.

Nossa relação ficou estranha por um tempo. Eu sabia que ele sentia a minha falta, mas não queria se envolver. Principalmente, não queria se envolver e acabar correndo o risco de me machucar e machucar a Rebeca também. Então, eu esperei até que ele estivesse pronto. 

Mas, às vezes, quando a pessoa não se toca que o amor da vida dela está bem embaixo do próprio nariz, a vida precisa dar um empurrãozinho. Ou um empurrãozão, no caso do André. Eu sentia que ele queria que eu e ele nos tornássemos nós de novo, mas não fazia nada para que isso acontecesse. Por isso, a vida deu o seu jeito. 

Sai correndo para o hospital o mais rápido que eu pude, com o telefone em uma mão e a outra no volante, conversando com a mãe dele, que me dava as coordenadas do hospital para onde ela estava levando o André, que se contorcia de dor. Ele tinha me ligado alguns minutos antes, dizendo que estava se sentindo muito mal e precisava ver um médico. Logo ele, pedindo para ver médico! Minha mãe tentou falar com ele, que mal conseguia levantar da cama para abrir a porta. 

Cheguei no hospital no mesmo momento que eles, e meu coração ficou do tamanho de um grão de poeira o vendo de cadeira de rodas. Nem pensei antes de agir: tomei a direção da cadeira, entrei na área médica e comecei a conversar com as pessoas pedindo que dessem morfina enquanto não encontrassem a origem do problema. Eu sofria junto com ele. 

Algum tempo depois, a situação se acalmou dentro da sala. O anestésico começou a fazer efeito, o André sentia menos dor e eu, que fiquei o tempo inteiro ao lado dele, decidi que era hora de acalmar também a sua família, que esperava o tempo inteiro do lado de fora. Sai do quarto em que ele estava e fui chamar a mãe dele.

Cinco minutos depois, ela estava de volta na sala de espera. 

 

            – Ele quer você. 

 

Voltei para o quarto com um misto de sentimentos: sentia meu coração inchar e diminuir a cada passo, sem ter certeza do que aquilo significava. Ele me queria de volta? Ele me queria como médica? Sem as barreiras dele, enfraquecidas pela morfina, parecia que o nós pôde florescer para ele de novo. 

Fiquei mais algum tempo ali conversando com o André, que estava grogue de remédios, mas saí de novo para chamar a irmã dele, que esperava a sua vez sentada do lado de fora. Ele resmungou, mas fui lá mesmo assim. A essa altura, tinha até esquecido da situação em que estávamos, só conseguia pensar naquela necessidade dele de estar comigo. 

 

Cinco minutos depois, ela estava de volta na sala de espera. 

            – Nicole, ele quer tomar água. 

Ela me disse. 

            – E não tem água lá no quarto? 

            – Ele disse que só vai tomar água se você estiver lá. Disse que se você sair do quarto, ele não vai tomar água nem comer nada. 

Hoje, percebo que devem ter lhe dado anestésico suficiente para tranquilizar um elefante para que ele fizesse algo assim. Discreto daquele jeito, jamais um show desse tipo iria acontecer com ele em uma situação normal. 

            – Eu já pedi para você não sair daqui do meu lado! 

Ele disse, manhoso, assim que entrei pela porta.

            – Fica aqui comigo que eu quero dormir! 

            – Então dorme, tô aqui.

            – Mas eu quero dormir segurando a sua mão!

 

Passei a noite com ele no hospital, com um misto de preocupação e muito, muito amor. No dia seguinte, ele acordou sem um pingo de dor. Totalmente curado. Ótimo. Inclusive, só fomos descobrir um mês depois que o que ele tinha era, na verdade, uma úlcera no duodeno. Com dieta e alguns acompanhamentos médicos, ele nunca mais foi internado. Aquilo tudo tinha acontecido definitivamente para juntar a gente. 

 

18 de novembro de 2009. 

Algum tempo depois, nós já estávamos conversando mais, ainda como amigos, e a irmã do André e o marido iam viajar no feriado da Consciência Negra. Ele me chamou para ir junto com ele. Para mim, aquilo era estranho — viajar com um amigo, sozinha, dormir no mesmo quarto. Por isso, confrontei ele, agradecendo o convite, mas deixando claro que, para mim, aquilo não iria rolar. 

 

            – Eu não quero ser só seu amigo. 

 

E, naquele momento, ele aceitou o que eu já sabia há muito tempo. Nós nos tornamos nós.

 

E fomos viajar. Não só essa, mas outras centenas de vezes, para os mais diversos lugares. Só nós, eu e a família dele, nós e a Rebeca… Nós nunca mais nos separamos. Nos falávamos todos os dias, nos víamos todo final de semana, ele passou a conviver com a minha filha, eu passei a frequentar a casa dos pais dele… Para ele, esse foi o início do nosso namoro, que, por não ter tido um pedido oficial, ficou em aberto quanto à data em que começou.

Casamos cinco anos depois dessa série de acontecimentos. Não moramos juntos no início, e foi muito difícil convencê-lo de que era aquilo o que precisávamos. Mas casamos. E, depois, moramos juntos. Tudo o que ele não queria, de jeito nenhum fazer, mas que fez, comigo. Não tinha jeito, estava escrito. Nós tínhamos que casar, de um jeito ou de outro. 

Hoje, fazemos tudo juntos. Assistimos séries no sofá da sala, e eu durmo encostada nele toda noite. Tomamos vinho e rimos até a barriga doer. Temos a nossa rotina de aulas de italiano e a tradição de sempre levar o outro até a porta, mesmo que para uma saída rápida. Conversamos por horas sem deixar o assunto acabar. O André é, e sempre foi, desde aquele dia na esteira, o homem que eu reconheci e que me reconheceu. Fomos feitos um para o outro. E, por isso, fazer tudo juntos faz sentido para nós. Tudo, menos comemorar o aniversário de namoro. Isso é outra história. 

 

2014

            – Cartório, boa tarde. 

            – Boa tarde, meu nome é Nicole, eu gostaria de marcar uma data para um casório. 

            – Ah, sim, qual data a senhora gostaria?

            – Qual data você tem?

            – Perdão?

            – Qual a data mais próxima que você tem para marcar o casamento?

            – Tenho no dia 31 de Maio… 

            – Ótimo, pode ser! Ainda caso no mês das noivas!

            – Ok… A senhora tem algum horário de preferência?

            – Que horário você tem?

            – Que horário eu tenho?

            – É, qual horário. 

            – 11 da manhã parece bom?

            – Perfeito! 31 de maio às 11 da manhã. E eu não tô grávida não, viu? É só que nós dois queremos casar logo. E é bom confirmar a data, para ter certeza de que os dois estejam no mesmo dia dessa vez. 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima