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A realidade das religiões durante a pandemia do coronavírus

A pandemia do novo coronavírus teve como consequência O dia em que a Terra parou. Mas diferentemente da célebre música de Raul Seixas, referenciada por muitos, a Covid-19 causou a paralisação de diversas atividades por meses. Os principais pontos turísticos do mundo estão vazios, escolas e empresas estão com diversas limitações de circulação, e nem …

A realidade das religiões durante a pandemia do coronavírus Leia mais »

A pandemia do novo coronavírus teve como consequência O dia em que a Terra parou. Mas diferentemente da célebre música de Raul Seixas, referenciada por muitos, a Covid-19 causou a paralisação de diversas atividades por meses. Os principais pontos turísticos do mundo estão vazios, escolas e empresas estão com diversas limitações de circulação, e nem mesmo os centros religiosos ficam de fora, todos sob recomendação de fechamento. 

Além do isolamento social, o coronavírus foi e continua sendo responsável por uma crise sanitária devastadora. O número de novos casos diários no país é surpreendente, e as mortes já se aproximam do marco de 90 mil brasileiros, afetando familiares e amigos de cada uma das vítimas. Em momentos de luto, as pessoas tendem a procurar formas de ajuda mental e superação. Para alguns grupos,  a religião tem um papel essencial nessa situação.

Profissionais da saúde no Hospital Pedro I, na cidade de Campina Grande, no estado da Paraíba. [Imagem: Reprodução/Instagram Ester Vasconcelos]
Profissionais da saúde no Hospital Pedro I, na cidade de Campina Grande, no estado da Paraíba. [Imagem: Reprodução/Instagram Ester Vasconcelos]
As noções de religião tiveram início nos períodos Paleolítico e Neolítico como forma de explicação sobre fenômenos da natureza. Já na contemporaneidade, o conceito tem como definição “um conjunto de crenças e visões de mundo que formam as noções de espiritualidade do ser humano”, além de ser “uma forma de religação dos homens com os deuses e com o sagrado”, como cita o historiador Daniel Neves. Fruto de uma forte miscigenação e da pluralidade de culturas, o Brasil apresenta diversas religiões em sua vasta extensão geográfica. Porém, é possível observar um número majoritário de adeptos ao catolicismo nas estatísticas, devido à história brasileira de colonização cristã. 

O catolicismo é responsável por mais de 2 bilhões de fiéis no mundo. Em segundo lugar, a maior religião em número de adeptos é o islã, com cerca de 1,5 bilhão de pessoas e considerada a que mais cresce por ano. Embora seja muito significativa no mundo inteiro, no Brasil sua representatividade ainda é baixa: são cerca de 35 mil pessoas de acordo com o Censo de 2010 do IBGE. Além disso, ao falar sobre religiões, deve-se sempre considerar a umbanda, religião de origem brasileira com traços de diversas matrizes africanas que guia cerca de meio milhão de pessoas no país. 

Apesar de todas as diferentes crenças, as religiões sofrem com algo em comum: as limitações causadas pelo coronavírus, ao mesmo passo que seguem auxiliando diversos de seus adeptos durante a pandemia.

Doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo, Renan William dos Santos afirma que as religiões estão perdendo cada vez mais a importância na sociedade contemporânea. Isso pode ser observado a partir de uma comparação com o que já foi a religião décadas atrás. A Igreja Católica, por exemplo, combatia temas como o trabalho feminino, o uso de métodos contraceptivos, e até mesmo o cinema americano. Porém, com a perda de fiéis devido às mudanças culturais, houve diversas adaptações. No entanto, ainda que a religião tenha uma relação decadente com a sociedade em geral, ela permanece relevante na vida de muitos indivíduos. 

Por outro lado, existem vertentes religiosas que permanecem muito tradicionais, como é o caso do islã. O islamismo é uma religião monoteísta, que acredita em Allah – nome de Deus em árabe – e também no profeta Muhammad (mais conhecido no Brasil como Maomé), considerado o último dos profetas. De acordo com a muçulmana Ayesha Begum, no islã há cinco pilares a serem seguidos e que são muito importantes para o funcionamento da religião: a Shahada, um testemunho de fé e momento de conversão à religião; a Salat, conjunto de cinco orações diárias; o Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos, no qual deve-se jejuar desde o nascer até o pôr do sol; Zakat, que visa uma oferta estipulada pela Arábia Saudita ao final do Ramadã; e a Hajj, peregrinação à Meca pelo menos uma vez na vida, porém apenas para aqueles que tiverem condições físicas e financeiras.

Kaaba durante a Covid-19, muito mais vazio do que costuma estar no período do Ramadã. [Imagem: Reprodução/Instagram]
Kaaba durante a Covid-19, muito mais vazio do que costuma estar no período do Ramadã. [Imagem: Reprodução/Instagram]
É importante ressaltar as principais características de cada crença devido ao preconceito causado pela desinformação, a qual muitas vezes é responsável por uma intolerância àquilo que é desconhecido. A umbanda, por exemplo, é duramente atacada por muitas pessoas que nem mesmo sabem sua história e seus princípios. Trata-se de uma religião brasileira surgida no Rio de Janeiro e que utiliza de elementos do espiritismo, candomblé e catolicismo. Segundo Bianca Cavalcante, a umbanda trabalha com espíritos que já foram encarnados, desencarnaram, tiveram evolução e ganharam permissão para vir à Terra auxiliar na busca pela evolução espiritual. Estes espíritos propagam paz, saúde, sabedoria, amor e caridade. Além disso, em seus rituais de sacrifícios, a umbanda segue o princípio do sangue verde, fazendo oferendas apenas com o uso de ervas, a partir da essência das plantas.

Já o catolicismo segue a crença da Santíssima Trindade, conforme conta Tathiana Barbon: “Acreditamos em Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo e também em Jesus Cristo ressuscitado”. Como religião monoteísta, os fiéis crêem na existência de apenas uma figura divina, criadora de todas as coisas, e respeitam sete fases durante a vida, chamadas de sacramentos. Responsáveis por simbolizar a comunhão junto a Deus, os sacramentos são o batismo, a crisma, a eucaristia, a confissão, a ordem, o matrimônio e a extrema-unção. Há dois momentos muito importantes no ano para a confissão católica: a Páscoa e o Natal. Além disso, a missa é o principal culto e parte essencial da religião.

Durante a devastadora pandemia do coronavírus, a população é atingida em diversas esferas humanas, e os fatores emocionais são muito determinantes ao longo do processo de superação da crise. “Não é absurda a ideia de que religiões possam ter uma função terapêutica, sobretudo na medida em que ajudam os fiéis a atribuir um sentido ao que está acontecendo. A aceitação de algo aleatório é muito mais dolorosa do que a aceitação de algo que tem um sentido, um motivo, um significado”, explica o sociólogo Renan. 

Embora a ciência seja protagonista no enfrentamento da crise, e haja um afastamento pessoal entre a fé religiosa e os fatos comprovados cientificamente, há uma dificuldade de dissociação total entre aqueles de doutrina forte, relacionada principalmente à sensação de conforto. “Tudo acontece segundo a vontade de Deus, mesmo que não condiga com a nossa. Sem ele, as turbulências seriam muito maiores, já que não entenderíamos a situação vivida”, afirma Tathiana.

Para Ayesha, “o islã nos ensina a não ter pânico, ficamos em oração e nossa fé é maior que isso. Nada que a fé em Allah não resolva”. Bianca também conta algo parecido: “Eu entrei para a umbanda justamente procurando ajuda, sempre foi uma estrutura para mim. Precisamos de fé, é a fé que nos move”. Os relatos demonstram que mesmo em vertentes completamente diferentes, a função terapêutica, citada por Renan, é um ponto em comum na religião, independente dos princípios a serem seguidos.

O número crescente de mortes pelo coronavírus vem causando uma sensação de angústia em toda a população. Nesse sentido, outro fator de muita relevância é o auxílio na forma de lidar com o luto dentro da religiosidade. Na umbanda, por exemplo, não é permitido chorar no funeral do falecido, já que há a crença de que a vida é apenas parte de um ciclo natural e que a morte é o encerramento de uma dessas fases, além de acreditarem que a pessoa foi para um lugar melhor e que a situação do choro é parte da ignorância humana. 

Ritual de feitura de Santo na umbanda, antes da pandemia do coronavírus. [Imagem: Reprodução/Instagram Gabriel Belizário]
Ritual de feitura de Santo na umbanda, antes da pandemia do coronavírus. [Imagem: Reprodução/Instagram Gabriel Belizário]
Em um sentido parecido, no islã, a morte é um sinônimo de conforto, uma vez que há a garantia de ida para Jannah, uma concepção islâmica para o que comumente é chamado de paraíso. No islã não há velório, o que não impede uma oração na mesquita com o objetivo de ajudar na aceitação da perda de acordo com os princípios do Alcorão. 

Assim como os muçulmanos, a Igreja Católica acredita que a morte é uma passagem da vida para três destinos diferentes: o céu – que se refere ao paraíso –, o inferno e o purgatório, de acordo com as ações feitas em vida do indivíduo. Após uma semana do velório do falecido, há a missa de sétimo dia, em homenagem à alma daquele que se foi. 

Tathiana conta que perdeu uma sobrinha recentemente para a Covid-19, e que a fé em Deus vem ajudando toda a família a passar por esse período doloroso. “A fé não tirou a dor, mas temos de confiar que ela deixou de sofrer e foi para um lugar melhor. Quando a gente fala de morte dentro da Igreja, a morte é aqui, mas a pessoa nasce para uma vida eterna. O correto é ficarmos felizes, mas é muito difícil”, conta a católica.

No entanto, embora a religião tenha essa função terapêutica, também está se adaptando às limitações causadas pela pandemia. De acordo com Renan, o isolamento não acarretará na perda de seguidores em vertentes religiosas, uma vez que a maioria rapidamente criou novas ferramentas diante das novas condições. Bianca conta que antes das medidas de distanciamento a umbanda costumava ter sessões a cada duas semanas. Porém, agora o Terreiro está de portas fechadas e é permitida a visita de apenas um filho por vez, respeitando as recomendações da OMS. Há também conversas pela internet com o objetivo de aprendizagem sobre a religião.

Enquanto isso, o islã e o catolicismo passaram por dois períodos muito importantes de uma forma antes nunca vista: o Ramadã e o feriado de Páscoa, respectivamente. Ambas as religiões não estão frequentando seus locais de culto, a mesquita e a igreja. Algumas, no entanto, estão transmitindo as orações em formato online, por meio de vídeos ao vivo para simular as atividades presenciais. 

A Páscoa para os católicos representa a ressurreição de Jesus Cristo, e é considerada a principal data no calendário da Igreja. A missa de Páscoa é a maior festa do ano, há o ato da confissão e, o que Tathiana afirma estar sentindo mais falta, a eucaristia, na qual o fiel recebe o corpo e o sangue de Jesus. Embora para os católicos a data tenha sido muito triste pela falta de contato físico, serviu para mostrar sua importância na vida deles. A entrevistada diz que o sentimento correto para a situação vivida no feriado não é no sentido negativo, puderam sentir um amor e apego maior à data devido à falta dela.

Igreja católica vazia na cidade de Campina Grande-PB, durante a pandemia do novo coronavírus. [Imagem: Reprodução/Instagram Ester Vasconcelos]
Igreja católica vazia na cidade de Campina Grande-PB, durante a pandemia do novo coronavírus. [Imagem: Reprodução/Instagram Ester Vasconcelos]
No islã, o Ramadã consiste em um mês de jejum, que neste ano foi entre abril e maio, já durante as recomendações de isolamento no Brasil. No fim do mês, há uma grande celebração chamada Eid al-Fitr, em que todas as famílias se reúnem e há um compartilhamento de presentes, também impossibilitada devido às circunstâncias. Ayesha conta que sentiu muita falta dessas reuniões e que acredita que prejudicou em partes a tradição religiosa. Não foi possível frequentar a mesquita no fim da noite para todos quebrarem juntos o jejum, fazer as orações e aprender as Suras – capítulos do Alcorão – com os demais participantes. Por outro lado, ela afirma que as desvantagens não foram tão significativas ao considerar que a situação possibilitou a passagem pelo período do Ramadã mais próxima à família.

O coronavírus atingiu diversos setores como o social, o econômico e o da saúde. A religião foi um deles. Mas, ao passo que várias datas e cultos importantes foram adaptados, ela também tem servido como uma forma de amenizar os impactos emocionais, visto que a realidade da pandemia parece não ter uma solução próxima e garantida. Em contrapartida, diversos governos já decretam a reabertura do comércio e de outras atividades comuns antes do coronavírus, como locais de culto em algumas cidades e estados do país. O sociólogo Renan explica: “As religiões têm seu lobby. Se trata da sobreposição da pressão desse setor sobre o cálculo de impacto da reabertura”. Para ele, diante à liberação dos shoppings, “seria difícil justificar a manutenção da restrição às religiões”. Enquanto a curva de infecção ainda está subindo, resta saber até que ponto essa necessidade de consumo  – seja religioso ou comercial será priorizada em relação às inevitáveis ondas de contaminação que se seguirão.

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