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Perfil das mulheres que sofrem atraso no tratamento do câncer de colo de útero é retratado em estudo

Estudo realizado na Bahia aponta que 6 entre 10 mulheres com câncer de colo de útero iniciam tratamento após período determinado por lei

Um estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) nesta terça-feira, 21, revela a quantidade e as características das mulheres que têm um atraso no acesso ao primeiro tratamento do câncer de colo de útero segundo as determinações da Lei Federal nº 12.732/2012 ou, como é popularmente conhecida, a “Lei dos 60 dias”. 

No Brasil, o câncer de colo de útero é a terceira causa mais frequente de câncer em mulheres (excluindo o câncer de pele não melanoma) e a quarta mais letal, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer. A doença é causada pela persistência das lesões no colo do útero decorrentes do papilomavírus humano (HPV) e seus diversos subtipos. Mesmo com a obrigatoriedade afirmada pela Lei dos 60 dias, que prevê o início do tratamento em até 60 dias a partir da identificação do câncer, o sistema público de saúde deixa mais de metade das mulheres baianas à margem do assegurado legalmente.

 

O processo da pesquisa

O estudo, realizado por Dândara Santos Silva, Mônica Conceição Pinto e Maria Aparecida Araújo Figueiredo, pesquisadoras da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), levou em conta 9.184 casos de câncer de colo de útero. Os critérios utilizados na pesquisa foram: a data de início de tratamento, sendo anterior ou posterior (tempo inoportuno) aos 60 dias; cor da pele; faixa etária; escolaridade, estado civil e grau de extensão do câncer no organismo (o chamado estadiamento: inicial ou avançado). Os dados foram coletados do banco de dados de domínio público do sistema de Registro Hospitalar de Câncer (RHC) do Estado da Bahia. O recorte temporal é de 2008 a 2017.

 

O retrato do atraso

A pesquisa mostrou que 65,1% das mulheres tiveram tratamento em tempo inoportuno, e dessas, a maioria tinha idade entre 35 e 44 anos (25,5%), nível de escolaridade fundamental (53,1%), eram negras (87,4%), não eram casadas (67,4%), apresentavam tumor em estadiamento inicial (48,8%) e haviam realizado a primeira consulta especializada entre 2008 e 2012 (50,5%). É importante ressaltar que 38,8% estavam no estágio avançado e, entre esses casos, houve maior prevalência de tratamento em tempo inoportuno, quando comparados aos detectados em estágio inicial.

Dândara Santos Silva, uma das realizadoras e porta-voz do estudo, é enfermeira, mestre em Saúde Coletiva pela Uneb e doutoranda em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa pelo Instituto Gonçalo Moniz (IGM), Fiocruz-BA. Ela relata ao Laboratório: “Para mim, as mulheres com estágio avançado da doença foram a maior surpresa. O que esperamos, pelo senso comum, é que aquelas mulheres diagnosticadas com o estágio mais avançado são as que irão conseguir o tratamento mais rápido, porque precisa ser mais ágil, certo? E o nosso estudo identificou o contrário disso, a gente nunca espera uma conclusão dessa.”

No estudo, vê-se também que, mesmo com o aumento de estabelecimentos de saúde com o RHC na Bahia (com exceção de 2012), não houve uma variação significativa no percentual de tratamentos em tempo inoportuno.

gráfico que relaciona o tratamento de câncer de colo de útero com os estabelecimentos hospitalares
Número de estabelecimentos de saúde especializados em oncologia habilitados no Registro Hospitalar de Câncer (no eixo à esquerda) e percentual de mulheres diagnosticadas com câncer do colo do útero com primeiro tratamento em tempo inoportuno (no eixo à direita). Bahia, Brasil, 2008-2017 [Imagem: Reprodução/Cadernos de Saúde Pública]

Assim, analisa-se o retrato do atraso no tratamento de câncer de colo de útero na Bahia. Ele é seletivo, mesmo quando se trata de um sistema público de saúde utilizado por cerca de 83,4% da população do Nordeste sem o suporte da rede particular, sendo que a demora atinge de maneira mais intensa a parcela de mulheres negras, com mais idade, de baixa escolaridade, sem uma união estável,  e com câncer em estágio avançado.

A demora no atendimento subverte a Lei Federal e coloca mais da metade daquelas marginalizadas num aumento alarmante da mortalidade. Conforme resultados de uma análise realizada com dados de 34 artigos, foi possível observar que, para o câncer de colo de útero e outros seis cânceres estudados, a cada quatro semanas de atraso entre o diagnóstico e o primeiro tratamento, ou entre o final de um tratamento e o início do próximo, ocorria aumento de 6% a 8% na chance de morte, enquanto atrasos de 8 a 12 semanas representaram aumento de mortalidade em 17% e 26%, respectivamente.

 

“O fato da ‘Lei dos 60 dias’ estar em vigor desde 2012 e ter sido regulamentada em 2013 não trouxe uma proteção efetiva, já que as mulheres, depois desse período, continuam tendo atraso no tratamento. Por que só ter a lei? Não adianta. É preciso que a lei vire políticas de saúde. Essa legislação precisa ser transformada em mais vagas em hospitais, mais oferta de serviços de referência, uma melhora na estratégia de rastreamento das mulheres e de acesso aos tratamentos”, afirma Dândara.

 

Iniciativas de conscientização do câncer de colo de útero

imagem de campanha do março lilás
Março Lilás é uma das campanhas de conscientização sobre o câncer de colo de útero; [Imagem: Divulgação/Sociedade Brasileira de Radioterapia]
O Março Lilás e o Outubro Rosa são iniciativas governamentais fundamentais para dar visibilidade ao câncer de colo de útero, seus tratamentos e suas formas de prevenção. Dândara ressalta: “São [iniciativas] importantíssimas, as mulheres precisam ter acesso às informações para poderem se tratar. Essas campanhas são veiculadas em meios de divulgação em massa. Nas unidades de saúde, acontecem estratégias de rastreamento em grande quantidade, ofertas de mais vagas para o tratamento. Tudo organizado especificamente para o público feminino”. Dândara ainda lembra que, apesar dessas campanhas serem uma forma de chamar a atenção das mulheres, o exame está disponível durante todo o ano na rede pública. 

Essas são estratégias de popularização nacional, porém, em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma campanha de alcance mundial para acelerar a erradicação do câncer de colo de útero por meio das metas 90-70-90, que devem ser alcançadas até o ano 2030. A primeira estabelece que 90% das meninas devem ser vacinadas contra o HPV até os 15 anos; a segunda, 70% das mulheres devem ser rastreadas aos 35 anos e novamente aos 45 anos e, a terceira, 90% das mulheres diagnosticadas com câncer ou lesão precursora devem ser tratadas. 

A necessidade dessas metas remete diretamente à colocação de Dândara: “A motivação [para pesquisar sobre o assunto] não foi por uma experiência na minha família nem comigo, foi por experiências múltiplas no meu trabalho. Algo que sempre me incomodou muito era: minhas pacientes, quando diagnosticadas com algum tipo de lesão precursora de câncer de útero, eu encaminhava elas para fazer um segundo exame de diagnóstico, a colposcopia, e elas nunca conseguiam acesso a esse exame. Eu pensava ‘Estou aqui, faço o rastreamento para prevenir o câncer, identifico casos suspeitos, encaminho a mulher para fazer uma colposcopia ou para um serviço que faça a biópsia e ela não consegue acesso ao exame, ao fechamento do diagnóstico e ao tratamento da doença ou da lesão precursora.’ ”

 

“Esse é um tipo de câncer que deveria já estar erradicado”, diz Dândara.

 

Cuide da sua saúde

Dândara explica: “Diversas pacientes não sabem para que estão fazendo esse exame [Papanicolau], não sabem que é um exame para rastrear o câncer. Muitas acham que é para avaliar se estão com alguma infecção vaginal ou alteração ginecológica de ordem infecciosa, sendo que, na verdade, a principal finalidade dessa análise é o rastreamento do câncer do útero”.

Segundo a pesquisadora, em países com taxas mais baixas de mortalidade da doença, o exame é feito por busca ativa, ou seja, a mulher recebe uma mensagem de incentivo, uma carta de convocação em casa para realizar o exame. “No Brasil, se a mulher não procurar o serviço, não é examinada. Muitas vezes, ela não busca porque não sabe e está bem, sem sentir nada.”

Por mais que faltem políticas de saúde pública e pesquisas e o tratamento sofra um atraso não permitido por lei, é importante identificar o câncer de colo de útero o quanto antes. 

O rastreamento pode ser feito facilmente com o exame Papanicolau e, a partir da comprovação da suspeita, por meio da colposcopia e biópsia, a doença tem 100% de chance de ser tratada em sua fase precursora e não evoluir para um tumor maligno. Por isso, mulheres de 25 a 64 anos devem fazer o acompanhamento e monitoramento e, para aquelas que não estão nessa faixa etária, dores na região pélvica, corrimento vaginal persistente, sangramento vaginal após relações sexuais, entre outros sintomas, indicam a necessidade de realizar esse exame de forma gratuita na rede SUS. A vacinação contra o HPV também está disponível  nos postos de saúde públicos, mas o exame ainda é importante pois existem diversos subtipos do vírus e, no caso de início da vida sexual antes da vacinação, há a possibilidade do vírus já estar no corpo.

O câncer de colo de útero é um dos tipos de câncer que é totalmente prevenível, portanto, cuide da sua saúde.

 

Imagem de capa: Reprodução/Freepik

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