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A ciência do amor

A fórmula do amor Eu não te conheço, mas de uma coisa tenho quase certeza: pelo menos uma vez na vida você — ou alguém próximo — já esteve apaixonado. O coração acelera, as borboletas invadem o estômago, as mãos suam, os olhos brilham e os pensamentos são dominados pela ideia da pessoa amada. Mas, …

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A fórmula do amor

Eu não te conheço, mas de uma coisa tenho quase certeza: pelo menos uma vez na vida você ou alguém próximo já esteve apaixonado. O coração acelera, as borboletas invadem o estômago, as mãos suam, os olhos brilham e os pensamentos são dominados pela ideia da pessoa amada. Mas, embora você provavelmente já tenha sentido tudo isso, imagino que não saiba definir exatamente o que são essas sensações do amor, ou o porquê delas acontecerem.

Na verdade, entender como funcionam nossas emoções nunca foi uma tarefa muito fácil. Seja através da literatura, da música, do cinema ou da filosofia, o ser humano sempre tentou explicar o que é o amor. As tentativas de desvendar esse sentimento tão mágico e complexo são tantas que ele é visto por muitos como um fenômeno inexplicável.

E por muito tempo foi assim: os assuntos relacionados ao amor eram domínio de poetas e artistas. Mas, recentemente, o cérebro apaixonado se tornou também objeto de estudos científicos. Foram feitas muitas descobertas relacionadas aos aspectos neurobiológicos envolvidos na experiência do amor romântico.  A ciência provou que existe, sim, lógica nesse sentimento tão confuso e a explicação vai além de corações vermelhos, cupidos e flechas: envolve muita química encefálica.

 

O desejo é quem vai levar a culpa

Enquanto não encontramos aquela pessoa que faz o coração bater mais forte, nós geralmente saímos em busca de parceiros. Vamos às baladas, aos bares e até nos rendemos ao Tinder, à procura de alguém com quem possamos nos relacionar, mesmo que por um curto período de tempo. Teoricamente, esse é um mecanismo evolutivo para garantir a perpetuação da espécie.

Foi a antropóloga Helen Fisher, famosa por seus estudos sobre a bioquímica do amor, que propôs a existência de três fases no amor romântico. A primeira, chamada de “fase do desejo”, é desencadeada pelos dois hormônios sexuais que começam a circular em maior quantidade no nosso corpo durante a adolescência: o estrogênio e testosterona. Esses hormônios funcionam como uma espécie de “cupido químico”. São eles que despertam o desejo sexual e nos fazem sair em busca de parceiros. 

O desejo é imprevisível e pode se manifestar a qualquer momento: durante uma festa, em um parque, ou até enquanto lemos um livro. As tentativas de despertá-lo se estendem até à alimentação quem nunca ouviu falar do poder estimulante das comidas afrodisíacas? Elas vão de frutas, como ameixas, cerejas e figos, até pratos mais peculiares, como cérebro de pombo e pó de chifres de rinoceronte. As explicações para essas atribuições a determinados alimentos também são diversas. Por exemplo, os europeus acreditavam que sucos e frutas vermelhas estimulavam o apetite sexual. Por isso, quando o tomate, fruto originário das Américas, chegou à França, ficou conhecido como “maçã do amor”. 

Mas até a associação da alimentação ao aumento do desejo sexual nada mais é do que pura ciência: alguns alimentos são vasodilatadores, ou seja, eles relaxam os vasos sanguíneos e, consequentemente, aumentam o fluxo de sangue no corpo. Comer também aumenta a temperatura corporal e melhora o humor. Todas essas mudanças fisiológicas também ocorrem durante o sexo é por isso que, historicamente, o homem sempre caracterizou alguns alimentos como afrodisíacos. De fato, não há comprovações científicas de que qualquer alimento tenha esse poder. Na verdade, os hormônios são a única substância capaz de estimular o desejo sexual nos seres humanos. É o que explica Fisher, em seu livro “Por que amamos? – a natureza e a química do amor romântico”.

 

Meu vício é você

Você já sentiu  que não conseguia viver sem a pessoa amada? Que, longe dela, tudo é saudade? Que ela é a única coisa que te faz feliz? É o amor — ou melhor, a paixão — mexendo com a sua cabeça. A segunda fase proposta por Helen Fisher é conhecida como “fase da atração”. Nela, o sorriso afrouxa, as “borboletas” tomam o estômago e a vontade de estar com a pessoa desejada é quase incontrolável. “A paixão nos invade, domina nossos pensamentos, é tida como arrebatadora, turbulenta e, muitas vezes, sofrida”, explica Thiago de Almeida, doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em relacionamentos amorosos, em entrevista ao Laboratório.

O que explica a grande intensidade da paixão são as várias alterações bioquímicas que acontecem no nosso corpo ao longo dessa fase. Ainda durante a conquista, o sistema de recompensa do cérebro é ativado, estimulando a produção de dopamina — o neurotransmissor causador do prazer e da sensação de bem-estar. A presença de elevados níveis de dopamina no organismo faz com que a pressão arterial aumente e, junto a ela, os batimentos cardíacos e a respiração também aceleram. As pupilas dilatam. Ficamos animados, agitados e desconcentrados. “O mecanismo cerebral é idêntico ao de se viciar em cocaína”, diz o psicólogo. De muitas maneiras, o amor pode parecer um vício, e os caminhos dopaminérgicos que se formam durante a paixão nos provam isso.

Almeida explica que, além da dopamina, outros dois hormônios relacionados ao processo do amor romântico são a oxitocina e a vasopressina, que também apresentam taxas mais altas em pessoas apaixonadas do que quando comparadas às de pessoas solteiras. Durante a paixão, eles funcionam como neuropeptídeos, ou seja, pequenos compostos que atuam localmente no cérebro. A oxitocina está relacionada ao apego entre o casal, enquanto a vasopressina é associada à preferência por uma pessoa específica. É a ação deles que faz com que a gente sinta que aquela pessoa por quem estamos apaixonados é única e insubstituível. Esses hormônios são responsáveis pela criação de laços afetivos mais intensos e sua presença durante a fase da paixão ajuda a “preparar o terreno” para as relações mais duradouras e estáveis. 

As mãos suadas, a insônia e a falta de apetite são outros sintomas recorrentes da paixão. Eles resultam da descarga de adrenalina e noradrenalina pelo nosso corpo, numa resposta aos estímulos causados pelo aumento dos níveis de cortisol, o hormônio do estresse. Já a serotonina, que tem efeito calmante, diminui suas taxas em cerca de 40% nos estágios iniciais do amor. Pesquisas mostram que os níveis desse neurotransmissor também são baixos em pessoas que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo, o TOC. Isso explica o caráter monomaníaco da paixão: você pensa na pessoa em todos os momentos — até quando não deve? Conta as horas para vê-la novamente? Culpe a baixa serotonina!

Também durante a paixão, algumas estruturas cerebrais responsáveis por nossas funções cognitivas são inibidas. São elas que “freiam” nossos impulsos e nos tornam capazes de pensar nas consequências futuras de nossas ações. Se dizemos que o “amor é cego”, é porque o mal funcionamento dessa região faz com que a nossa capacidade de julgamento e raciocínio diminua drasticamente. É por isso que, quando estamos apaixonados, tomamos decisões um pouco… duvidosas. Fazendo uma comparação, a ingestão de bebidas alcoólicas também diminui o funcionamento dessa região do cérebro. Por isso, cuidado com o que você faz enquanto está bêbado ou apaixonado — as chances de se arrepender quando o efeito passar são grandes. 

Quando o sentimento é correspondido, a paixão pode ser maravilhosa. Mas, caso a pessoa amada não sinta o mesmo por você, a experiência tende a ser mais complicada. Acima de tudo, tenha em mente que a paixão é sempre passageira: isso porque ela vai na contramão do equilíbrio natural do corpo. “Imagina como seríamos contraproducentes se ficássemos divagando durante o nosso horário de expediente? Isso poderia gerar consequências desde erros de digitação, até acidentes laborais graves”, explica Thiago de Almeida.

 

Eu, você, dois filhos e um cachorro

Você sobreviveu às loucuras da paixão! Agora, seja bem-vindo à “fase da ligação”. Esse é o momento do amor sóbrio, marcado por uma maior conexão entre o casal. É quando o relacionamento amadurece de forma mais calma, duradoura e segura. Ficamos mais reflexivos, menos emocionais e as demonstrações de amor podem não ser tão automáticas quanto eram durante a paixão. Isso não é sinal que o amor está acabando, mas sim de que ele está se transformando em algo mais profundo e menos fugaz.

Os hormônios descontrolados, que antes invadiam seu corpo, sofrem novas alterações em seus níveis: a dopamina e a serotonina voltam aos índices de base, deixando para trás o caráter obsessivo e extremamente prazeroso da paixão. Enquanto isso, o cortisol aparece de forma reduzida em relação aos níveis anteriores à paixão, mostrando que pessoas que estão dentro de um relacionamento estável são, no geral, menos estressadas que os solteiros ou apaixonados. O funcionamento do cérebro também volta ao normal — a insânia da paixão vai embora e dá lugar à sobriedade da vida normal.

Apenas dois hormônios continuam com seus níveis elevados durante essa fase: a oxitocina e a vasopressina. Eles mantém a ligação entre o casal — que pode não ser intensa como durante a paixão, mas fica mais forte com o passar dos anos. “A oxitocina encoraja o abraço, aumenta o prazer durante o sexo, estimula os músculos e sensibiliza os nervos, principalmente durante a excitação pré-relação sexual. Está ligada ao sentimento de ‘proximidade’”, explica Almeida. A vasopressina está relacionada ao envolvimento prolongado e à fidelidade entre o casal. “Somos seres com ligações de longo prazo e temos a família como grande valor”, diz o psicólogo. Sobre a monogamia, Almeida explica ainda que o ser humano tem uma natureza poligâmica, associada aos seus instintos biológicos. Entretanto, ressalta que essa forma de relacionamento foi criada ao longo da história, devido às mudanças biológicas e culturais, para a sobrevivência da espécie humana. “Dessa forma, para o ser humano, a monogamia genética pode ser entendida como fidelidade sexual, e a monogamia social, como fidelidade amorosa”, conclui.

 

Até que durou

Almeida explica que o amor pode, sim, durar para sempre. Entretanto, essa não é a realidade de boa parte dos relacionamentos. Parte deles acaba junto com a paixão: quando os níveis hormonais e a atividade cerebral retornam ao normal, é comum percebermos que a pessoa por quem nos apaixonamos não tem nada a ver com a gente. Mas uma decepção amorosa pode acontecer após anos dentro de um relacionamento, ou até mesmo antes dele, de fato, existir.

Só quem já teve o “coração partido” sabe o quanto é ruim. Apesar de ser uma metáfora — obviamente, o coração não parte ao meio depois de um término — algumas perdas machucam tanto que chegam a provocar reações físicas e psicológicas. Após um rompimento amoroso, os níveis de cortisol se elevam, o que provoca respostas estressantes no organismo. Elas afetam o sono, a digestão e até o sistema imunológico. Estudos sobre términos de relacionamento mostram que indivíduos rejeitados por seus parceiros experimentavam sintomas clínicos de depressão. “É importante  sabermos  que  tal  como  o  afeto  é algo que demora a se estabelecer, esquecer emocionalmente de alguém também o é. Portanto, não se pode negar o sofrimento dessa fase”, finaliza Almeida.

 

Referências:

Fisher, H. (2006). Por que amamos? – A natureza do amor romântico. Rio de Janeiro: Record.

Love is more than just a kiss: A neurobiological perspective on love and affection. de Boer, A., van Buel, E. M. & ter Horst, G. J., 10-Jan-2012, In : Neuroscience.

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