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Dança do ventre: cultura, bem-estar e diversidade

Em 2020, o Mercado Persa Brasil completa 25 anos. O festival é o maior congresso de dança, arte e cultura árabe do Brasil e um dos maiores do mundo. Ele foi fundamental para a criação de uma comunicação entre os profissionais da área e expansão dessa arte no país. Apesar de os números de interessados …

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Em 2020, o Mercado Persa Brasil completa 25 anos. O festival é o maior congresso de dança, arte e cultura árabe do Brasil e um dos maiores do mundo. Ele foi fundamental para a criação de uma comunicação entre os profissionais da área e expansão dessa arte no país. Apesar de os números de interessados pela dança do ventre estarem aumentando a cada ano, ela ainda é pouco difundida no território brasileiro. 

A dança do ventre é muito antiga e sua origem é desconhecida. Acredita-se que ela tenha surgido muitos anos antes de Cristo, no Antigo Egito. Em seu início, ela era muito importante para a sociedade da época como uma manifestação artística daquele povo. Ela era uma dança ritual, como Elhaine Jalilah, profissional de danças árabes, explica: “As danças eram realizadas em templos, em cultos a deuses e deusas, para a fertilidade, a colheita, dançava-se em celebração. A princípio eram rituais sagrados e fechados, voltados exclusivamente para mulheres no Antigo Egito”. 

Na época pensava-se que a dança do ventre seria capaz de atribuir mais fertilidade para o corpo feminino, devido aos movimentos que são realizados. “Há relatos de que se acreditava que as vibrações feitas por alguns movimentos traziam uma fertilidade para o ventre feminino. A dança era como um remédio que preparava o corpo da mulher para uma gestação”, Elhaine afirma. 

Mais tarde, a dança do ventre foi desvinculada de seu caráter religioso e passou a ser praticada nas ruas e portos do Egito por todos os gêneros e idades. Foi nessa época que se deu a origem dos lenços de moedas utilizados atualmente pelas bailarinas. As gawasis, que eram bailarinas ciganas, dançavam em mercados como o Khan El Khalili no Cairo. “Elas precisavam ter o seu sustento e já não podiam mais estar com as suas famílias, por serem muito pobres. As mulheres acabavam dançando para entreter os soldados e ganhavam o cachê delas lá no mercado. Eles davam as moedas, as gawasis guardavam na roupa, na saia, bolsos dentro da roupa. Foi daí que veio essa conotação de usar lencinhos de medalhas representando essa época”, conta Elhaine. 

 

Dança do ventre: comercial e folclórica

Com o passar dos anos, a dança do ventre foi se desvinculando de suas origens e incorporando elementos de diversas culturas, até chegar na versão que é conhecida atualmente. A dança estereotipada, com mulheres sensuais, trajes de luxos e corpos padronizados se tornou uma dança rentável comercialmente e é amplamente vendida. 

Desde restaurantes até congressos, tudo passa a ser visto como um produto. Elhaine expõe: “Nós fazemos uma dança-show, uma dança que não está muito próxima ao que era feito antigamente, porque hoje tem muitos passos de contorcionismo, malabarismo, bate-cabelo. Hoje em dia há competições, grandes congressos no mundo todo, e virou uma coisa muito comercial”.

Entretanto, existem vertentes da dança do ventre que buscam resgatar as origens e entrar em contato com o lado artístico e cultural dela. Na dança do ventre folclórica, diversos objetos que remetem às primeiras bailarinas são utilizados. Ela pode ser dividida em diferentes estilos.

Um deles é a dança com bastão. Ela é geralmente dançada no ritmo said, que é o nome da região do Egito de onde ele surgiu. Bastões são utilizados para fazer alusão a uma luta tradicional egípcia, chamada tahtib, em que os homens utilizavam esses objetos.  

Outro estilo muito dançado no Golfo Pérsico, Arábia Saudita e Emirados Árabes, é o khaleege. Ele “é totalmente diferente da dança do ventre que nós pensamos aqui no Brasil, porque é praticado com uma bata, algumas são até bordadas a ouro, gestos simples e movimentos de cabelo. É muito dançada em casamentos”, conta Elhaine.  

A dabke é uma vertente muito dançada no Líbano, na Síria, Jordânia, entre outros. Nesse estilo os dançarinos batem o pé muito forte, fazendo alusão aos tempos em que se amassava as uvas dessa forma no feitio dos vinhos e sucos, e também aos telhados das casas de barros que eram pisoteados assim.

Dabke, vertente de dança do ventre. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
Dabke. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
Há também a dança com snujs, que, segundo Elhaine, “são címbalos de metal, lembram muito as castanholas, e isso remete à destreza da bailarina, à agilidade e à coordenação motora. Dizem que esse som é para espantar maus espíritos, então se utiliza músicas alegres”.

Dança com snujs. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
Dança com snujs. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
Além disso, existem diversos outros objetos que são utilizados nas apresentações, como por exemplo os véus, espadas, candelabros, pandeiros, asas wings, leques fan, entre outros. Em entrevista ao Sala33, Igor Kischka, professor e bailarino profissional, ressalta: “O mais importante é o estudo para entender cada folclore e poder representá-lo da melhor maneira possível”.

 

Benefícios físicos e psicológicos

A dança do ventre é um exercício físico que pode trazer diversos benefícios físicos e psicológicos. Por ser uma atividade de baixo impacto, ela é muito indicada para pessoas que não podem realizar atividades mais pesadas. Psicologicamente, ela ajuda a liberar hormônios da felicidade, que trazem uma sensação de bem-estar, assim como em outras atividades físicas. 

A dança árabe também é importante em processos relacionados ao aumento da autoestima e autoconhecimento dos bailarinos, porque propõe uma reflexão sobre a sensualidade e timidez deles. Elhaine expõe: “Eu acredito sim que a dança vai ajudar a equilibrar níveis de estresse, níveis de ansiedade, problemas com depressão e principalmente com a baixa autoestima, porque ela trabalha a sensualidade, que não é a vulgaridade. Muita gente é averso à dança do ventre sem nem conhecer os benefícios, porque remete a essa coisa da sexualidade. Uma pessoa sensual, que se ama, que se cuida, que se gosta, que sabe valorizar a sua beleza, não se comparando a ninguém, ela é bonita. Eu acredito que a dança do ventre tem esse poder transformador”.

Atualmente, a dança também vem sendo procurada por pessoas que querem alternativas à academia. “Existem pessoas que não gostam de fazer academia e querem uma atividade física, mas não gostam de coisas repetitivas e procuram a dança. Ou têm alguma patologia no joelho, lombar etc. A dança do ventre é uma atividade de baixo impacto, então ela é muito procurada para isso também”, Elhaine explica. 

 

Diversidade na dança

Geralmente, quando se pensa em dança do ventre, imagina-se mulheres magras, com cinturas finas, dançando. Entretanto, a realidade da dança do ventre é bem diferente. Ela é uma dança bem diversa, dependendo do âmbito em que se pratica. 

Não só mulheres: homens também praticam, desde antigamente, as danças árabes. Eles dançam tanto folclore, com roupas e passos diferentes das mulheres, como também a dança do ventre que mulheres dançam no dia a dia. Igor conta sua experiência como profissional masculino de dança: “O meio profissional bellydancer é composto principalmente por mulheres, mas, quando se trata de uma manifestação popular, todos dançam. Eu acredito que a arte não tem gênero”. 

Com relação a estereótipos corporais, não é exigido nenhum padrão nas escolas de dança do ventre atualmente. Pessoas com todos os tipos de corpos e idades são aceitas. Elhaine explica: “Crianças dançam, idosos dançam, gordinhas, brancas, pretas etc. A dança do ventre é para todos, como qualquer dança e arte deveria ser”. No meio profissional, para ser um professor e abrir uma escola, também não é exigido nenhum padrão corporal.

Entretanto, o caráter comercial das danças árabes ainda é estereotipado. Nas casas de show do mundo todo, a bailarina tem que “ter tal estatura, tem que ter o cabelo mega longo, não pode ser muito gordinha e também não pode ser muito magra, porque é como se fosse uma vitrine. A parte comercial da dança, para o mundo business, existe sim”, Elhaine revela.

Nesse processo, muitas pessoas são excluídas apenas pelo seu tipo corporal e não é levado em conta seu desempenho profissional ou seu currículo. Elhaine expõe como ela sofreu preconceito por parte da indústria comercial da dança do ventre: 

“Eu mesma, por ser negra, já sofri preconceito. Nunca ninguém me falou diretamente: ‘Você não dança aqui porque você é negra’. Mas eu já ouvi, por exemplo: ‘Olha, você foi a melhor da noite, você é muito boa no que você faz, mas para dançar aqui você não pode deixar seu cabelo crescer para cima’. Na época eu não entendi que isso era um preconceito com relação à minha cor, à minha beleza.”

Em alguns lugares, essa exigência está mudando. Em um mundo em que as pautas sobre diversidade nunca foram tão discutidas, algumas casas de show viram a necessidade e importância de trazer diferentes pessoas para representar os diversos grupos da sociedade. Elhaine ressalta como resiste ao lado comercial da dança: “Esse padrão nós temos que derrubar. Como que a gente faz isso? Se impondo, dançando, aparecendo nos lugares que querem a nossa dança e não uma personagem, um material de consumo, digamos, pela beleza”. 

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