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“Esse filme é para conversar com o brasileiro”: Diretor de Relatos do Front conversa com o Cinéfilos

O Cinéfilos realizou uma entrevista com Renato Martins, o diretor de Relatos do Front (2018). Ele nos contou um pouco sobre como nasceu a ideia do filme como foi sua realização, montagem e finalização. Falou também qual é o objetivo que pretende atingir: “Falar com o brasileiro, independentemente da classe social, gênero […]” é um deles. O longa foi …

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Poster do filme Relatos do Front (Imagem: Divulgação)

Cinéfilos realizou uma entrevista com Renato Martins, o diretor de Relatos do Front (2018). Ele nos contou um pouco sobre como nasceu a ideia do filme como foi sua realização, montagem e finalização. Falou também qual é o objetivo que pretende atingir: “Falar com o brasileiro, independentemente da classe social, gênero […]” é um deles.

O longa foi exibido na 42º Mostra Internacional de Cinema de SP. Confira a íntegra:

Por que um filme sobre segurança pública?

O filme não nasce com esse tema de segurança pública. Na verdade, o início vêm das pesquisas que eu estava realizando para o meu longa de ficção, que estou há anos desenvolvendo, e espero ano que vem conseguir filmar.

Com Sérgio Barata, que é consultor do roteiro do meu filme, começamos a rascunhar a ideia doRelatos do Front. Eu também tinha um outro conhecido, uma pessoa que conheci fazendo um filme, de uma comunidade aqui no Rio de Janeiro, um garoto que na época estava no tráfico, queria sair, e estava dando os primeiros passos para isso e depois saiu. Eu reencontrei ele aqui, inserido no mercado de trabalho. Ele me contou a história dele. Eu achei a história dele muito incrível, a superação dele, a vida pessoal. E aí eu achei que devia contar essas histórias, sabe? Dessas pessoas que a gente não conhece muito. Das pessoas que viveram ou que vivem esse Front de conflito ‘né’? Um confronto armado que a gente tem, muito violento, no Rio de Janeiro e no próprio Brasil como um todo. Aqui no Rio talvez seja o foco maior, mas isso é uma realidade no Brasil.

E aí queria ouvir as vozes dessas pessoas. Então era muito para dar voz a essas pessoas que vivem constantemente esse problema em suas vidas. Diariamente, cotidianamente, e não são ouvidas, elas são ouvidas no máximo 20, 30 segundos dentro de uma matéria de um jornal qualquer. Então, o filme nasce dessa premissa, dessa ideia.

Isso a gente começou em 2015. Fizemos muitas pesquisas, ouvimos muitas pessoas, achamos personagens que a gente queria dar voz. Naturalmente o tema de segurança pública veio à tona no filme. O filme nasce nesse momento complicadíssimo, ‘né’? Onde se está debatendo isso intensamente, na política micro e macro brasileira. Desde prefeituras à presidência da república.

Sobre os “personagens”, como foi para encontrá-los, além do rapaz que você já havia conhecido?

A gente queria trazer uma visão dos policiais que são vítimas dessa loucura que a gente vive, dessa insegurança pública, desse conflito armado que a gente tá envolvido. Eu queria trazer a visão dessas pessoas, pessoas que tenham uma visão reflexiva. Porque o filme não é para culpar ninguém. Não é filme de culpados, de “apontar dedo”. É um filme que, muito pelo contrário, quer ouvir as pessoas, refletir sobre o que elas têm a dizer e sobre o que nós estamos vivendo enquanto sociedade hoje.

E vivemos esses últimos 30 anos ‒ talvez 40, mas 30 com certeza ‒, dessa forma. Com essa política de segurança pública, a política do enfrentamento, de responder à violência com mais armas, com mais violência. E o que a gente quer para os próximos 30 anos? É a mesma coisa? É mais do mesmo? Aumentar o número de homicídios que acontecem no país? Que é um número de guerra, embora não vivamos em uma guerra, temos números de uma. E a política que está aparecendo no Brasil parece que quer aumentar esses números ainda mais?

Então eu queria ouvir os policiais, qual é a opinião deles sobre isso, porque eles estão na ponta, e ouvir os criminosos, que hoje não estão mais na outra ponta, mas já estiveram. E queria ouvir as mães que perderam os seus filhos, vítimas dessa tragédia que a gente consegue retratar minimamente. Um pedaço minúsculo, mas essa era a ideia, então fomos atrás dessas pessoas para ouvi-lás, entender suas histórias, seus dramas brasileiros.

Todos brasileiros, vivendo no mesmo país, com histórias diferentes, mas que no fundo, ao final do filme, percebemos é que as histórias são muito parecidas, sabe? E todos nós somos vítimas de um modelo que tá falido, não funciona, e que não está querendo se rediscutir. Está querendo se ampliar e continuar no mesmo erro que a gente vêm cometendo nas últimas três décadas.

Pessoas que perderam parentes também ganham voz no longa. (Imagem: Reprodução)

Você acredita que o filme é capaz de alterar o pensamento das pessoas que permanecem elegendo políticos que apresentam esse discurso de “violência se resolve com mais violência”?  

Eu me proponho a fazer cinema, estou vinte anos nessa profissão porque eu sou apaixonado por cinema e eu acredito que ele pode abrir janelas de diálogo com a sociedade. Sempre foi assim na história do cinema. Então, claro que a ideia é que esse filme traga a sociedade, o espectador, quem tiver oportunidade de assistir ao filme ‒ e nós queremos que muitas pessoas assistam ‒ a refletir sobre sua vida pessoal, sobre os seus pensamentos, sua conduta enquanto cidadão brasileiro, sabe? E num aspecto maior, leve as autoridades também a refletirem sobre os caminhos que a gente quer para os próximos anos. Ouvir mais a sociedade, ao invés de impor os seus próprios conceitos, dogmas e paradigmas.

O grande aprendizado desse filme para mim foi o escutar. Não falar. Quem fala ali são as pessoas que vivem essa tragédia no dia a dia, então fui lá ouví-las. Eu acho que as autoridades deviam ir ouvir essas pessoas. Existem muitas contas a serem pagas, muitos acertos a serem feitos. As pessoas pessoas perderam seus filhos,  seus pais, suas mães, seus parentes e estão aí sem serem ressarcidas por isso, sem sequer serem escutadas. Então, com certeza, eu acho que quem assistir a esse filme vai refletir sobre alguma coisa.

As experiências que a gente tem… Desde as pessoas que foram no processo de edição, na ilha de edição e viram o filme, deram suas opiniões, e agora as primeiras exibições na Mostra, todos saem um pouco transformados. Saem repensando sobre o seu paradigma pessoal, nos seus pré-conceitos, conceitos e pós-conceitos sabe? Nós somos muito bons em estabelecer esses pré-conceitos na cabeça, somos donos de muitas verdades. Todos nós. Eu inclusive. Então, a ideia do filme, é justamente trazer as pessoas para refletirem sobre isso.

E quem sabe propomos uma sociedade melhor para nós mesmos. Para os nossos pais e avós, mas principalmente para as gerações futuras que estão chegando. Nossos filhos, netos. Para essa galera que está chegando. Para que possam encontrar um Brasil melhor.

Você chegou a ouvir algum comentário de alguém que pensava de uma determinada maneira, e mudou de opinião após assistir ao filme?

Eu ouvi vários. Não vou citar nomes, nem onde, mas ouvi vários relatos de pessoas que mudaram suas opiniões pessoais, seus paradigmas, após assistirem ao filme. Na correria do nosso dia a dia, isso é normal. A gente tá muito envolvido nas nossas pequenas bolhas, que já viraram grandes bolhas. Então é difícil parar para escutar opiniões diversas à suas, contrárias, tentar entender aquela outra pessoa. Principalmente, que ela não é seu inimigo, que ela é um conterrâneo seu e pode ter opiniões diversas à sua, seja qual lado for.

Acho que quando propomos reflexões nesse sentido as pessoas param para ouvir, refletir e mudar suas opiniões. O que eu ouvi de amigos que mudaram sua opinião sobre a polícia, que achavam que a polícia é só desse jeito, só pensa assim, ouve aquilo, e muda. Eu ouvi policiais que mudaram a opinião sobre a sociedade, sobre os criminosos. Falaram: “poxa, por que esse cara tá falando isso? É assim que ele pensa? Nunca imaginei que fosse assim”.

É um filme dá voz para três lados, na verdade.

Você estava presente no momento de gravação das imagens mais tensas do longa? Uma, por exemplo, mostra um garoto sendo levado para o hospital às pressas após ser baleado. Você estava ali naquele momento?  

Essas imagens, eu não estava em nenhuma delas. Eu estive em algumas manifestações, quando teve em 2013. Eu nunca fui repórter para ir a campo desse jeito. O cara que fez essas imagens é o Jadson Marques, que é um cinegrafista. A gente descobriu ele nas pesquisas. Ele faz um material incrível, já há muitos anos, tem um canal chamado “Factual RJ”. Eu fui conversar com ele, queria conhecer mais o material dele e me deparei com essas imagens. Algumas imagens que estão no filme, eu dirigi ele para que ele fizesse. Muito poucas. A maioria são imagens que ele tinha feito como cinegrafista de front.

Imagens do cotidiano violento vivido pela segurança pública compõe Relatos do Front (Imagem: Reprodução)

Aquelas imagens que parecem ser vindas de celulares, como teve acesso a elas? Pelo Youtube?  

Sim. As imagens de celular são imagens sem dono. Quer dizer, têm donos, mas são imagens que a gente não sabe quem fez. Achamos no YouTube através de pesquisa e pegamos para colocar dentro da narrativa, mas não sabemos quem realizou nenhuma daquelas imagens.

E a montagem do filme? Teve algum roteiro?

Esse filme foi meu terceiro documentário. Mas foi o primeiro que, por conta das entrevistas, do assunto, de ter me debruçado sobre esse assunto com mais tempo, teve roteiro. Então tivemos um roteirista, que é o Gabriel Pardal, junto comigo e Sérgio Barata. Junto das pesquisas, fizemos um roteiro que seria nossa linha condutora, a narrativa que iríamos colocar no filme.

E esse roteiro existiu no início para ver quais seriam as perguntas que iríamos fazer, e depois, no processo de edição e montagem, que é o processo no qual nasce mesmo o documentário ‒ eu ousaria dizer que é onde nasce a ficção também ‒ a gente começou a encadear esses personagens, essas entrevistas, esses assuntos, para chegar no roteiro final.

A gente começa  a ouvindo as entrevistas. O Pedro Asbeg, que é o montador, ficou ouvindo. Foram 24 entrevistas feitas, de duas horas mais ou menos cada uma. E então a gente vai ouvindo as entrevistas e em cima desse roteiro pré-estabelecido e dos assuntos que havíamos escolhidos para contar essa história, usamos como nossa tripa de edição, que vai originar o primeiro corte. Com isso vamos trazendo as imagens do Jadson, e do acervo da Globo, que é parceira do filme. Vão chegando as imagens de celular, que nas pesquisas apareceram para a gente. No final, temos na ilha de edição uma parede colada de post-its, que é como eu gosto de trabalhar. Mostra nossa escaleta de roteiro por cores e personagens, e então a gente chega realmente no filme que você assistiu e todos vão poder assistir.

Para terminar o filme, foi preciso abrir um financiamento coletivo de fundos. O que aconteceu?

Então, (risos) foi um filme de baixíssimo orçamento. A gente aceitou o desafio…

Quando eu fecho um projeto inicial, todos os argumentos, justificativas, tudo o que um projeto requer para você poder apresentar para alguém, que faça um primeiro “promo’, nem era promo na época, era um teaser, com algumas pessoas que eu queria entrevistar…

Eu chego na Globo News, que tava com uma linha aberta de documentários, incentivando os documentários, uma linha incrível deles. Eu apresento e a Globo News fala: “Olha, achamos muito interessante essa ideia, queremos entrar”. Aí a Globo News vêm como Globo Filme, que é a parceria. Então eles falam: “Temos aqui uma grana para poder utilizar”, que não era nem metade do orçamento. Aí vem o Canal Brasil, que já é um parceiro meu de longa data, e fala: “A gente vai entrar também”. Então com a Globo News, Globo Filmes e Canal Brasil a gente conseguiu metade do orçamento, só que faltava a outra metade. E aí eu fui gravar com essa metade, começar a editar com esse dinheiro que existia e resolvi abrir um financiamento coletivo para tentar conseguir o restante.

O mais importante desse filme é que ele fosse totalmente independente. Sem nenhum viés político partidário, sem nenhuma ajuda de ninguém que não fosse realmente isento e fazendo parte da sociedade civil. Queríamos essa idoneidade no projeto, e essa liberdade. E aí que nasce o financiamento coletivo (risos), que a gente não conseguiu chegar na nossa meta. Porque é muito difícil. Abrimos também em um momento de propaganda política em que o país estava muito focado nisso, e aí não rolou.

Eu, com a minha produtora, fiquei investindo. Estou cheio de dívidas a pagar por conta disso, porque acreditava que era um projeto que tinha que ser feito. E no final, agora, na reta final, entrou uma investidora europeia que assistiu ao filme, entendeu a força dele e nos ajudou com uma quantia para poder finalizar,  pagar a equipe de finalização, que conseguiu fazer um preço também mais acessível para gente, para poder realmente botar esse filme na rua. Essa é a realidade do filme até o momento

O filme usa bastante a cidade do Rio de Janeiro como pano de fundo. Como está a expectativa para a exibição aí?

Altíssima. Será a primeira vez que vamos exibir aqui no Rio de Janeiro, que sem dúvida é um protagonista. A gente tá tratando do Brasil, mas sem dúvida o foco é na cidade do Rio de Janeiro, e a nossa equipe vai assistir pela primeira vez. Os personagens que confiaram no projeto e estão com a gente vão ver pela primeira vez, os entrevistados, a família. Então é um momento de expectativa por isso, por mostrar para as pessoas que confiaram no meu trabalho.

Poucas delas já viram, foram na ilha (de edição) assistir com a gente. Mas para todos que confiaram no nosso trabalho, na ideia que a gente apresentou para eles… é hora de mostrar o que aquilo virou.

Depois dos festivais, o filme vai para os cinemas?

Sim. A gente tem uma distribuição da Arte House que já é garantida. É uma distribuidora de filme de arte aqui do Rio de Janeiro. Temos a Globo Filmes, que eu espero que também entre nessa distribuição, fortalecendo no Rio e no Brasil

A nossa expectativa é que façamos uma distribuição no circuito comercial a partir do ano que vem. Não sei ainda quando, mas quero os cinemas do Brasil inteiro a partir do primeiro semestre do ano que vem.

Além do cinemas, vamos exibir na Globo Filme e no Canal Brasil. Isso já tá garantido por contrato. Queremos também exibir em academias de polícia, em presídios, em universidades, em escolas, em praças. Aonde nosso filme for requisitado, tiver uma tela, uma parede, uma televisão, estaremos aptos e querendo muito exibir e falar sobre ele.

Tem alguma coisa que você quer acrescentar sobre o filme?

Não. Não sei. É difícil, são tantas coisas que a gente falou e… o que eu queria era deixar um pouco claro, e muito objetivamente, é que esse filme é um filme para conversar com todo mundo. A gente não fez esse filme para um grupo, para um partido, para uma ideologia, uma pessoa. A gente quer abrir a conversa para o maior número de pessoas possível, que pensam das formas mais distintas, mais variadas. Esse filme é para conversar com o brasileiro, independente da classe social, do gênero, do que pensam, do que acreditam. Eu acho que essa é a mensagem desse filme: conversar com as pessoas.

Por Crisley Santana
crisley.ss@usp.br

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