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Eu posso ser eu mesmo (você talvez não)

O que nos leva a procura de um par romântico ideal, ao mesmo tempo em que queremos autoaceitação?

Por Marcelo Canquerino
marcelocanquerino@gmail.com

Um dia comum. Como de costume, acordo cedo, precisamente às 5:30. Tomo café da manhã, escovo os dentes, troco de roupa e saio de casa. O caminho para a faculdade é longo e o trânsito congestionado das 6 horas, certo. É comum pensamentos e devaneios invadirem minha cabeça sem uma ordem prescrita em circunstâncias assim. Neste dia, começo a pensar no amor, mais especificamente nos relacionamentos do século XXI.

Por que é comum buscarmos sempre a autoaceitação ao mesmo tempo em que estamos procurando um parceiro romântico ideal? Esse é o questionamento que rondou e confundiu minha mente durante todo o caminho. Aparentemente é algo contraditório, mas que acontece muito. Podemos ter defeitos, devemos aceitar nossa aparência. Quais motivos nos levam a querer um relacionamento com a pessoa perfeita?

Chegando à ECA, na USP, mais especificamente ao departamento em que estudo, a primeira coisa que faço é cumprimentar meus amigos que já chegaram. Decido guardar meus pensamentos para mim. Refletir sobre essas questões tão filosóficas não aparenta ser algo que as pessoas gostariam de discutir as 7:45 da manhã.

Após a aula, decido ir à Vivência para matar o tempo antes de almoçar. Chegando lá, sento em uma das cadeiras dentro da cantina e começo a olhar as notificações do celular. Após rolar milhares de vezes o feed do Facebook, algo fora da tela me chamou a atenção: um casal de namorados que sentou na mesa ao lado. Não sou muito de escutar conversas alheias, mas o teor do assunto fez com que eu me interessasse.

A garota estava falando para o namorado sobre os ideais de perfeição nos relacionamentos atuais. “Quando você procura alguém que preencha os seus vazios, está procurando uma pessoa perfeita”, escutei ela comentar. Ele acenou com a cabeça, concordando, e completou com um sonoro “a transição para um relacionamento estável talvez fosse sair dessa fase onde tudo é maravilhoso. Aí você percebe as coisas que a outra pessoa tem de mais real.”

Ao prestar mais atenção no que foi dito, parece que as milhares de notificações do meu celular tornam-se desinteressantes e, por um instante, volto aos meus pensamentos de quando estava no ônibus mais cedo. Buscar a perfeição em um parceiro pode ser, de certo modo, encontrar alguém que supra necessidades específicas de cada um. Há uma tendência de idealização tão grande que nos faz exigir do outro tudo aquilo que julgamos ideal. A sociedade acaba influenciando, de alguma forma, as características que temos como preferíveis ao escolher com quem nos relacionamos.

Quando paramos para pensar nos padrões estéticos e comportamentais que nos fazem sentir atraídos por outra pessoa, essa influência social fica muito mais evidente. A namorada do rapaz acabou tocando em um ponto interessante. “Pessoas tendem a achar que meninas asiáticas são submissas, meigas, fofinhas. Não é assim. E muita gente as procura por conta desse padrão.” Os estereótipos étnicos rodeiam nossas vidas, e por que não interfeririam em nossos relacionamentos amorosos (uma vez que o padrão são pessoas brancas, magras, dos olhos claros)?

Nossos gostos podem ser considerados uma mistura de fatores, “o sujeito seria resultado de processos exteriores e interiores”, ouvi o garoto dizer. Em seguida, falou para a namorada que tinha estudando isso em alguma aula. Existem características no outro que nos atraem, algumas mais pessoais e outras moldadas por nossa criação 一 consequência de elementos valorizados socialmente, com destaque para estética e aquilo que é considerado bonito.

“Vários problemas de relacionamento surgem a partir do momento em que você percebe que a pessoa não é tão perfeita quanto você imaginava.” Ao escutar ela falar isso pensei que fosse a coisa mais óbvia do mundo, mas na verdade é um fato ao qual muitos não se atentam. Principalmente no começo de uma relação, a tendência para idealizações é muito grande. Quando conhecemos uma pessoa verdadeiramente, e vemos que possui qualidades e defeitos, percebemos que ela é um ser humano único que não necessariamente atende aquilo que estávamos procurando, o que é completamente normal. Nesse exato momento, notamos que a busca pela perfeição no outro não passa de projeções de expectativas que nossa mente cria. Quanto mais cedo enxergarmos que a perfeição não existe, mais cedo conseguiremos lidar com um relacionamento de forma saudável.

Estava quase mudando de mesa para conversar mais com o casal, mas achei que seria muita intromissão minha em uma conversa alheia (mesmo ela tendo despertado muitas reflexões interessantes). Olho para o relógio do celular e vejo que estava quase atrasado para encontrar meus amigos. Íamos almoçar juntos. Levanto da mesa e saio em direção ao prédio central.

Ana, Laura, Rafael e Letícia estavam me esperando. Fomos andando até o bandejão central e chegando lá, vimos uma fila imensa. Parece que levaria um bom tempo até conseguirmos entrar para saborear o fricassê de frango o que talvez justificasse a grande quantidade de pessoas ali em plena sexta-feira. Decido então falar sobre a conversa que tinha escutado a pouco e trazer essa questão.

Explico toda a situação, desde quando peguei o ônibus até o presente momento. No final, solto a grande questão que me aflige: o que nos leva buscar autoaceitação e ao mesmo tempo a perfeição no parceiro romântico?

Após a indagação, aponto o embate na questão: se aceitar, com qualidades e defeitos, mas exigir que aquele que está ao seu lado tenha apenas características tidas como boas. “Existe conflito quando se tem dificuldade em aceitar quem nós realmente somos, com nossos erros e acertos, quando essa busca pelo ideal se torna mais forte”, Ana me responde. Parece que buscar a perfeição no outro é uma ideia que desfalece a partir do momento em que percebemos que nós mesmos temos defeitos. “Vem junto essa noção de que um parceiro tem que trazer humanidade e não perfeição.”

Rafael, em seguida, pondera alguns pontos relacionados às influências externas que podem nos fazer idealizar um relacionamento. “Buscamos ideais de perfeição no outro talvez por causa de algumas representações que temos sobre relacionamentos, que podem ser um pouco romantizadas e não tão reais.” Os meios de comunicação, querendo ou não, reproduzem estereótipos e situações que fazem com que procuremos aquilo que vemos em um filme, ou lemos em um livro, para nossas vidas pessoais.

O amor romântico aparenta rodear a vida de todas as pessoas. Existem diversos tipos de amor, mas esse talvez seja o mais comumente comentado. “Me faz lembrar do remake de Malévola com a Angelina Jolie em que o beijo de amor que salva a Aurora, na verdade, vem de um sentimento construído em cima da amizade”, Ana faz questão de falar da desconstrução desse conto de fadas. No final, quem salvou a princesa não foi o príncipe, como de praxe na grande maioria das narrativas. “É interessante porque nós convivemos com o amor nas suas diferentes formas diariamente e ainda assim anulamos essa pluralidade.” Letícia acaba confessando que, hoje em dia, não enxerga o amor apenas como algo romântico. “O amor é demonstrado de formas diferentes.”

A perfeição estaria ligada a questões pessoais e expectativas que projetamos ao conhecer uma pessoa? “Não sei se buscamos perfeição, mas acho que sempre criamos uma expectativa muito grande. Eu, por exemplo, acabo confiando demais e depositando muita fé na pessoa, sendo que ela não é obrigada a suprir esse meu sentimento.” Laura é enfática ao dizer isso, afinal de contas se tratava das suas experiências pessoais. “A gente busca uma perfeição e quando a outra pessoa erra com a gente ou nós erramos com a outra pessoa, independente da relação, acabamos nos decepcionando muito.” Lidar com frustrações pode fazer quem vivencia um relacionamento amoroso conhecer e entender melhor como tudo isso funciona na prática. Letícia cita as desilusões, que são bem comuns após conhecermos uma pessoa. Como ouvi mais cedo na conversa entre o casal de namorados, os problemas começam a surgir a partir do momento em que percebemos que nossos companheiros apresentam defeitos e características singulares, como qualquer ser humano.

Talvez essa busca também tenha alguma relação com a pressão que muitos sentem para procurar um relacionamento. “Minha mãe já brincou algumas vezes, mas pressão mesmo, nunca. Só pressão que eu mesma criei na minha cabeça, vendo minhas primas namorando, meus irmãos namorando”, diz Laura, brincando. Às vezes, tanto fatores interiores como exteriores são responsáveis por gerar essa pressão. Em um primeiro momento, elementos sociais aparentam não ter influência sobre isso, mas basta olharmos para a quantidade de produções da indústria cultural que essa ideia muda facilmente. Comédias românticas com finais felizes, a perfeição dos relacionamentos nos livros, nas propagandas. Somos cercados por esses produtos, quer queiramos, quer não. Rafael até já tinha falado sobre isso. São assuntos que parecem muito distantes, mas estão todos interligados.

A conversa rende tanto que passamos o almoço todo discutindo os motivos que nos levavam a procurar a perfeição no outro. De acordo com a vivência de cada um, as respostas que aparecem são muito distintas em alguns pontos, mas iguais em outros. Depois de muito conversar, não chegamos a nenhuma conclusão. Afinal de contas, não existe uma resposta concreta para essas perguntas.

Saindo do bandejão, me despido dos meus amigos pois ­ coincidentemente tenho uma consulta no psicólogo. Durante o percurso até a clínica, planejo falar do dia que tive e, principalmente, dos questionamentos que apareceram desde o momento em que saí de casa.

Na clínica, cumprimento a recepcionista que, com um sorriso gentil, me diz para entrar. Ao sentar no sofá, encaro Thiago por uns instantes antes de começar a falar sobre o que tinha acontecido até então. Meus devaneios foram o primeiro assunto. Depois, a conversa do casal de namorados escutada sorrateiramente e por último as discussões com meus amigos.

Começo então a questionar esse assunto. “A melhoria é uma constante no modus operandi do ser humano, em si e no outro”, foi o que ouvi após questionar sobre a busca do parceiro romântico ideal. Não é sobrenatural imaginar que sempre buscamos algo melhor e projetar essa melhoria nos relacionamentos faz sentido, levando-se a natureza humana em consideração.

Quando trouxe a discussão acerca da influência da sociedade, Thiago me explicou que “os ideais de busca de perfeição são regulados a partir do momento em que a sociedade tem alguns crivos específicos que vão gerar parâmetros comparativos.” Se pararmos para analisar, a comparação entre relações humanas é comum. O que vivenciamos nunca parece bom em comparação ao que outro vive. Aquilo que julgamos ser um relacionamento bom nem sempre é resultado daquilo que imaginamos ou, de certa forma, queremos.

Mesmo com essas influências, não podemos deixar de considerar nossas experiências pessoais. “O amor é uma crença individual influenciada por padrões sociais. Pelas suas idiossincrasias, suas vivências, as pessoas vão atribuindo significados diferentes ao que elas experienciam por amor.” Crianças que cresceram vendo relacionamentos traumáticos dos pais correm a possibilidade de carregar essas interpretações para suas futuras relações, naturalizando as situações que viam ou mesmo buscando o contrário daquilo que vivenciaram. Todo tipo de experiência infere em relações futuras.

“Há uma discrepância entre o que a gente busca e cobra do outro versus aquilo que a gente dá pro outro e pode oferecer”, me explica Thiago quando eu pergunto os motivos que nos levam a buscar autoaceitação, ao mesmo tempo que exigimos a perfeição do parceiro romântico. “Talvez a gente tenha pouco senso crítico para as nossas próprias imperfeições enquanto hiperdimensionamos o que queremos do outro.” Por que nossos defeitos são aceitáveis e dos nossos parceiros e parceiras não?

Essas situações também podem ser relativas quando colocamos em jogo os tipos de relações que queremos estabelecer. A procura por relacionamentos de curto-prazo, como sexo casual, geralmente leva em conta determinados tipos de padrões, como o estético, que supostamente agradam cada indivíduo (ou talvez seriam pseudo-gostos influenciados pela sociedade?). Já a busca por relacionamentos de longo-prazo pode levar em consideração outros tipos de aspectos que podem transcender apenas a beleza, por exemplo.

Após o final da sessão eu me levantei, agradeci e fui embora. Todos esses pensamentos também me rodearam enquanto escutava How you get the girl, de Taylor Swift, no ônibus voltando para casa. I want you for worse or for better / I would wait forever and ever / Broke your heart, I’ll put it back together / I would wait forever and ever / And that’s how it works / That’s how you get the girl (Eu te quero na alegria e na tristeza / Eu esperaria para sempre e sempre / Quebrei seu coração. eu vou consertá-lo / Eu esperaria para sempre e sempre / E é assim que funciona / É como você conquista a garota).

Pensar no amor é algo um tanto quanto complicado. As relações humanas passaram por diversas fases até chegarem ao que são hoje. Talvez querer ser você mesmo e, ainda assim, exigir a perfeição do outro deve estar ligado àquilo que dizemos ser os nossos “gostos pessoais”. Mas se formos parar e analisar toda a situação, muitas das características que julgamos atraentes em alguém são moldadas pela sociedade. A gente pensa que aquilo é algo pessoal, só que nem sempre é. Desconstruir padrões e se amar torna-se essencial nos dias de hoje. Devemos ir além ao ponto de entendermos que o outro também tem esse direito.

Mesmo depois de falar tanto sobre esse assunto e ouvir experiências diferentes de pessoas diferentes, não consegui chegar a uma conclusão concreta. Talvez não exista uma resposta certa para essa pergunta. Somos tão complexos para nos resumirmos em uma única explicação. Talvez nunca saibamos os reais motivos que nos levam a procurar a perfeição e está tudo bem. Às vezes questionar e apenas procurar entender um fenômeno é mais importante e enriquecedor do que chegar a um resultado final.

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