Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

“Free Spirit” – entre o eu e o outro, a inquietude

Por Gabriela Caputo gabrielacaputo@usp.br “Diga que você não pode mais lidar comigo / Apenas diga que não me quer”, é o primeiro desabafo que Khalid canta em Free Spirit, com sua suave voz e muita alma envolvida. Intro, canção que abre o álbum, logo chama atenção por sua melodia crescente e ultra-produzida e pela sinceridade …

“Free Spirit” – entre o eu e o outro, a inquietude Leia mais »

Por Gabriela Caputo

gabrielacaputo@usp.br

“Diga que você não pode mais lidar comigo / Apenas diga que não me quer”, é o primeiro desabafo que Khalid canta em Free Spirit, com sua suave voz e muita alma envolvida. Intro, canção que abre o álbum, logo chama atenção por sua melodia crescente e ultra-produzida e pela sinceridade na letra que traduz uma mente confusa e hesitante. Já nessa faixa, o cantor apresenta uma síntese temática que guiará todas as outras 16 canções: as dificuldades de se relacionar, primeiramente com o outro, e então, com sua própria pessoa.

Khalid Donnel Robinson se destacou no cenário musical em 2017, com o single Location, e não parou mais de produzir. Aos 21 anos, já acumula ótimo histórico de posições nos rankings da Billboard e cinco indicações ao Grammy (2018). Os singulares vocais de Khalid, calmos, mas que revelam uma enxurrada de sentimentos complexos, e a mistura de R&B e Pop são elementos base dessa receita que deu muito certo. No entanto, o fato de cantar sobre experiências universais é o que mais explica seu grande sucesso entre o público de sua faixa etária – a chamada Geração Z.

O turbulento amor jovem, as conexões incertas e as dificuldades na comunicação não são temas novos para os fãs de Khalid. Em American Teen (2017), seu primeiro disco, o estadunidense já os tomava como narrativa para seus versos, tão simples e tão certeiros. Conhecemos um Khalid se divertindo, ainda numa vibe colegial, cercado de amigos e novos relacionamentos. As melodias mais animadas de algumas canções se destacam quando misturadas com o restante das músicas, de sons mais melancólicos. Mesmo com o contraste, ao longo das 15 faixas, o disco torna-se cansativo – o que se repetiria também em Free Spirit.

Em 2018, Khalid lançou um EP intitulado Suncity, com sete faixas  que apontavam a transição para uma fase mais adulta de sua música. Um dos destaques é a canção de mesmo título, uma parceria com a cantora Empress Of, que trás uma sonoridade latina e versos em espanhol. Outras duas faixas de destaque, ambas singles, Better e Saturday Nights, foram reaproveitadas no atual trabalho.

Finalmente, em 2019, depois de alguns hits e variadas parcerias, como Billie Eilish e Shawn Mendes, chega a vez de Free Spirit se apresentar para o público, com promessas de um Khalid mais maduro nas letras e sonoridade. A proposta, no entanto, acaba decepcionando um pouco, pois o disco se estende por melodias e sentimentos que, se inicialmente interessantes, tornam-se exaustivos. No fim das contas, não há grandes novidades, e a originalidade do rapaz acaba se perdendo no meio de grandes produções, como os produtores Stargate, Disclosure e John Hill.

Depois de Intro, que finaliza com o eu-lírico atestando as dificuldades de continuar um relacionamento conturbado que talvez fosse melhor nunca ter acontecido, é a vez de Bad Luck, e de Khalid revelar sua solidão: Ninguém realmente fala sério quando eles estão desejando que você fique bem / Eu não tenho ninguém para ligar, ninguém / E as pessoas só te amam quando estão precisando de sua riqueza”.

Clipe de Talk [Imagem: Vevo]
My Bad é uma faixa neutra, de melodias um pouco tediosas e rapidamente esquecida diante das próximas. Combinados, os singles Better e Talk formam uma das melhores sequências do disco. São envolventes e destoam das demais músicas, ao mesclar a tranquila voz de Khalid com recursos eletrônicos mais enérgicos.

O álbum se desenrola alternando entre faixas mais envolventes, como Right Back e Hundred, e outras lentas e melancólicas – algumas até dispensáveis -, como Don’t Pretend e Paradise. Em Hundred, Khalid se afasta novamente da temática amorosa para focar em sua saúde mental e em sua experiência solitária: Todo mundo quer um favor, todo mundo precisa de mim / Mas eu estou muito ocupado tentando lutar contra todos os meus demônios”.

Na sequência, Outta My Head, parceria com John Mayer, é uma boa surpresa. Os vocais e a sonoridade característica de Mayer combinam muito com as de Khalid, e resultam em uma faixa envolvente. A música título, Free Spirit, por sua vez, é outro dos pontos altos do álbum. O dilema entre pertencer ao outro ou pertencer a si marcam a letra, notadamente no verso final, quando Khalid deixa de usar o plural e assume sua individualidade.

Twenty One, Bluffin, Self, Alive e Heaven soam como se estivessem apenas preenchendo espaço. As letras marcadas pelas reflexões profundamente pessoais não conseguem convencer, e a sensação é de repetição. Vale destacar, no entanto, a letra de Self, parte crucial dos desabafos do jovem cantor, que faz um questionamento importante sobre os padrões de masculinidade na sociedade, ainda que sem muito aprofundamento: “Sempre tive um pequeno problema com auto-reflexões / Agora, minha emoção pura faz de mim menos homem?”. O disco fecha com a excelente Saturday Nights, outra música reaproveitada do EP Suncity.

O saldo final é neutro. Ainda que utilizando como pedestais as mesmas temáticas de seu primeiro disco, em Free Spirit a solitude é uma novidade, com o cantor explorando também o intrapessoal. Khalid fala sobre se sentir perdido, ao passo que tenta dar conta de toda uma dimensão dentro de si. Fica evidente nas composições que o estadunidense se percebe, ao mesmo tempo, sufocado em uma vida de cobranças constantes e abandonado, rodeado por ditos amigos que só aparecem quando é conveniente. O mundo da fama pode ser cruel para todos, mas, principalmente, para aqueles que ainda tentam se encontrar como indivíduos, antes de artistas. É importante que Khalid seja sincero sobre sua saúde mental, relatando sua ansiedade e outros problemas – não só para se manter são, mas para que muitos outros jovens possam se identificar e, talvez, encontrar um refúgio na música.

[Imagem: Charles Reagan Hackleman/ACL]
Apesar de algumas qualidades, escutar o disco de uma só vez não deixa escapar a sensação de circularidade. Pouco parece ter mudado desde American Teen. As mesmas coisas são ditas diversas vezes com palavras diferentes, e os pertinentes sentimentos acabam se tornando genéricos. Em sua crítica para o Pitchfork, Alphonse Pierre afirma que “Khalid parece perfeito para uma época em que algumas das músicas mais populares são populares porque se encaixam nas playlists do Spotify destinadas, exclusivamente, a serem usadas como ruído de fundo”. De fato, é essa a sensação deixada por Free Spirit: música de fundo.

A promessa de um álbum mais maduro não é cumprida em sua totalidade. Há mais melancolia, que sugere certo amadurecimento em relação ao eu-lírico adolescente e divertido do primeiro álbum. Algumas músicas são boas e, outras, realmente muito boas. Mas, no conjunto, Khalid não inova, não arrisca. O disco cansa, e o que antes parecia inovador, agora é mais do mesmo. Não há dúvidas de que Khalid tem um futuro promissor pela frente, mas talvez o curto período entre suas produções tenha sido obstáculo para que o cantor entregasse um trabalho mais coeso e surpreendente.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima