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Há 10 anos, ‘The Suburbs’ do Arcade Fire questiona: conseguimos fugir da expansão urbana?

Dois de agosto de 2010. Essa é a data em que a banda canadense de indie rock Arcade Fire lançou The Suburbs. Terceiro álbum de estúdio, a obra atingiu o primeiro lugar em vendas nos EUA, no Canadá, no Reino Unido, na Irlanda e em Portugal, além de ser aclamado o álbum do ano na …

Há 10 anos, ‘The Suburbs’ do Arcade Fire questiona: conseguimos fugir da expansão urbana? Leia mais »

Dois de agosto de 2010. Essa é a data em que a banda canadense de indie rock Arcade Fire lançou The Suburbs. Terceiro álbum de estúdio, a obra atingiu o primeiro lugar em vendas nos EUA, no Canadá, no Reino Unido, na Irlanda e em Portugal, além de ser aclamado o álbum do ano na 53ª Edição anual do Grammy Awards.

A produção impressiona com sua conexão impecável entre as faixas, o uso característico à banda de um grande número de instrumentos musicais e a maneira pormenorizada e sublime de abordar sua temática. The Suburbs é uma narrativa sonora sobre as memórias e os anseios da população millennial suburbana, decorrentes de experiências pessoais do casal Win Butler e Régine Chassagne e também dos outros integrantes da banda.

As estradas, os carros, os edifícios e os subúrbios. Temas presentes desde o início de sua carreira, aqui atingem outro nível de excelência representativa. “Primeiro eles construíram a estrada, então eles construíram a cidade” (Wasted Hours). O poder coercitivo do cotidiano e a incidência de expectativas e julgamentos diversos criam uma segunda dimensão relatada na obra: a fuga e o isolamento. Diferentemente de uma fugere urbem arcadista ou folk, esse escape ocorre pela vivência íntima com os espaços urbanos, o compartilhamento de experiências e a batalha para seguir sonhos.      

A identidade sonora do álbum é elaborada com primazia. Instrumentos populares e eruditos se mesclam e produzem a experiência empática e sentimental da mensagem veiculada. Em algum estrato entre o eletrônico, o acústico e o sinfônico se encontra o equilíbrio ideal para a difusão de uma nostalgia, de certa forma, alienante, em que indivíduos adultos cultuam o tempo perdido em sua adolescência e se indignam intimamente com as condições a que o mundo os submete.  

Há incidência de uma forte representação lógico-imagética no título de diversas faixas. Empty Room transcreve a ideia de solidão e vazio, City With No Children a ausência da inocência, Half Light I e II (No Celebration) a noção de penumbra, Suburban War a violência e Deep Blue a tristeza. Porém, o âmbito imagético se destaca nas duas últimas faixas ⎯ The Suburbs (continued) pode ser considerada como um outro de menos de um minuto e meio de duração. Sprawl I (Flatland) mostra a configuração inicial do processo de expansão: casas rentes ao solo, estruturas baixas, uma terra chata. Sprawl II (Mountains Beyond Mountains), no entanto, retrata um segundo estágio. “Shoppings mortos se elevam como montanhas atrás de montanhas” e produzem o claustrofóbico cenário urbano estabelecido, em que até mesmo o céu é obstruído. 

Para manifestar essa esfera iconográfica, lançaram o curta metragem Scenes from the Suburbs (2011). Gravado pelo diretor de Onde Vivem os Monstros (Where the Wild Things Are, 2009), Spike Jonze, o filme se passa em uma distopia suburbana marcada por um Estado policial repressivo e narra a história de Kyle, que tenta recordar memórias de sua juventude e as mudanças que aconteceram em sua relação com Winter. O videoclipe oficial da faixa homônima ao álbum, inclusive, conta com cenas do curta.

Um dos principais aspectos da obra é convidar o ouvinte a repensar suas próprias experiências, assim como a banda o faz. Em entrevista para Dorian Lynskey do The Guardian, eles afirmam que as reclamações sobre os “jovens modernos” são, na verdade, formas de autocrítica. Há um impulsionamento a captar as invisíveis transformações que somente a passagem do tempo evidencia. “Um dia eles vão ver que já se foi a muito tempo” (Half Light II (No Celebration)).

Há dez anos, eu tinha apenas oito anos. Não existiam, em Taubaté, shoppings vazios à beira da BR-116. 

Aquilo que convencionamos chamar de progresso verte e se enraíza cada vez mais profundamente nos cenários que um dia conhecemos. As cidades se desenvolvem de forma predatória e lembranças carinhosas são esquecidas. A vida suburbana brasileira é imersa na brutalidade policial presente na distopia de Spike Jonze, provavelmente muito além do referencial canadense produzido. Ainda assim, existe um pulso dentro da obra que ressoa com a própria concepção de juventude. 

Se eu pudesse ter novamente todo o tempo que desperdicei com quem convivi, o desperdiçaria ainda mais. Esse é o legado que The Suburbs deixou impresso em mim. Dez anos atrás, eu não conhecia o que era e o que viria a ser a São Paulo que um dia vivi e, com sorte, voltarei a viver. E, por essa razão, sei que nunca conseguirei fugir. 

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