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Juan Diego Blas: um exemplo do paradesporto que busca elevar o patamar da Guatemala no esporte

Arqueiro, peloteiro e gestor, o para-atleta guatemalteco quer estar presente nos Jogos Paralímpicos de Paris 2024

Nascido na Guatemala, país com pouco mais de 17 milhões de habitantes (menos do que a Região Metropolitana de São Paulo), Juan Diego Blas tem 32 anos, é casado e graduado em Engenharia Industrial pela Universidad Rafael Landívar. Apesar de engenheiro de formação, Juan é um homem que respira esporte e vê nele uma maneira de desenvolvimento e paz.  Portador de uma deficiência congênita na perna, iniciou sua vida esportiva na natação e é, hoje, atleta de tiro com arco e de frontón (pelota basca).

Membro da Junta Diretiva da FIPV (Federação Internacional de Pelota Vasca), chefe da pasta de Esporte para Desenvolvimento Social do Comité Olímpico Guatemalteco (que está suspenso pelo COI desde outubro de 2022) e co-fundador da United Play, Juan cativa e inspira aqueles que estão à sua volta com sua determinação, seu foco e seu jeito de ser.

Juan jogando a especialidade frontón da pelota basca [Foto/Reprodução: Instagram @lavidaenunpie]

Relação com o esporte

Desde pequeno, Juan foi incentivado pelos pais à prática esportiva. Em entrevista ao Arquibancada, contou que o primeiro esporte praticado foi a natação. No colégio, teve contato com o futebol, com o basquete, com o vôlei e até com o beisebol. Indagado a respeito d a vivência esportiva no ambiente escolar para uma pessoa com deficiência, ele diz que a experiência como um todo era boa, mas que havia alguns problemas. “Não somos muitos. É verdade que alguns meninos incomodavam e ficavam olhando. Só não gostava muito do futebol porque sou destro e para não chutar com a prótese eu tinha que usar a [perna] esquerda”. Outro esporte que Juan disputou profissionalmente foi o badminton, no qual conquistou um quinto lugar na disputa individual no Parapan-Americano de Lima em 2015 e o bronze na disputa em duplas no mesmo evento.

Porém, o esporte que fez de Juan um atleta conhecido a nível nacional e internacional foi a pelota basca. Multicampeão na modalidade, o guatemalteco já venceu  mundiais, Copa do Mundo e Jogos Pan Americanos. O contato com a modalidade, pouco difundida na Guatemala, aconteceu graças ao seu pai, que  nasceu em Barcelona e joga desde jovem.”. 

As raízes espanholas fizeram com que seu pai o levasse a frequentar o Club Espanhol, um clube privado que possui a única quadra de pelota basca da Guatemala. “Diferentemente de outros esportes mais conhecidos, que recebem apoio econômico governamental, é complicado jogar a pelota basca. A nível nacional, somos por volta de apenas 25 pessoas jogando”, comenta Juan. Ele complementa dizendo que estão buscando um convênio com o clube para aqueles que querem jogar só o frontón e, assim, tentar desenvolver a pelota basca no país.

A pelota basca ainda não é um esporte olímpico nem tem uma categoria para atletas com deficiência, o que faz com que Juan esteja dando mais atenção ao tiro com arco neste ciclo olímpico. O para-atleta visa à classificação para Paris 2024 a fim de trazer um pódio para seu país — em toda a história dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, a Guatemala tem apenas uma medalha de prata (atletismo, Jogos Paralímpicos de Londres 2012), uma de ouro (halterofilismo, Jogos Olímpicos de Seul 1988) e uma de bronze (halterofilismo, Jogos Paralímpicos de Toronto 1976).  Caso consiga esse feito, ele será apenas o segundo guatemalteco na história a conquistar uma medalha na paralimpíada, sendo que as duas medalhas do país foram recebidas por José Rolando León, no século passado. Primeiro arqueiro da história a conceder entrevista para o Arquibancada, Juan Diego Blas contou, no mês de junho de 2023, que ainda tinha três oportunidades para conseguir se classificar para o Jogos Paralímpicos de Paris: o Mundial de Tiro com Arco Paralímpico, que ocorreu em Pilsen, República Tcheca, no mês de julho (por meio do qual não conseguiu a vaga para Paris); os Jogos Parapan-Americanos de Santiago, que ocorrem em Santiago, Chile, em novembro; e o qualificatório paralímpico, que ainda não tem data definida, mas ocorrerá em 2024 em Dubai, Emirados Árabes Unidos. Na categoria que disputa, a standing (ARST), os atletas não têm deficiência nos braços e podem competir em pé ou sentados. O torneio qualificatório dará duas vagas para a especificidade que o arqueiro disputa.

Juan no qualificatório Parapan-Americano de tiro com arco [Foto/Reprodução: Instagram @lavidaenunpie]

Inspirações

  É comum que esportistas tenham ídolos que os inspirem a serem quem são dentro de suas modalidades, mas para um atleta de múltiplos esportes pouco convencionais, paira uma curiosidade maior a respeito de quem seriam essas pessoas. Em primeira mão, Juan contou que seus pais são os primeiros que vem a sua mente devido a todo o apoio na sua carreira desde cedo. “Dois amigos mexicanos do frontón da pelota basca, quando souberam que eu era o único que competia usando próteses e que era de um país que não conhecem muito, me apoiaram para ir ao mundial juvenil na Espanha”, completa.

Os mexicanos são, geralmente, fortes candidatos a bons resultados em qualquer especialidade da pelota basca, o que fez com que esse incentivo dos mexicanos,  gerasse grande impacto para o guatemalteco. “No México, há um circuito profissional de torneios e eles foram em cada torneio coletando dinheiro para pagar o boleto para eu ir à Espanha. Os mexicanos eram campeões do mundo e me ajudaram dessa maneira. Isso me motivou a seguir dando duro na pelota basca, sendo profissional e competindo nos mundiais”, relembra.

Esporte como meio de ensinamento e formação do ser humano

Questionado sobre como o esporte moldou seu caráter e o fez ser quem é, Juan diz que “o esporte é uma excelente ferramenta para fazer melhores pessoas”. Cria-se a noção de respeito às regras, aos companheiros, aos oponentes”

 e então por isso eu trabalho em prol do esporte e como ele pode servir na sociedade como meio educativo, como podemos aprender habilidades para a vida através do esporte, porque se a mim me serviu para superar a deficiência, porque não pode ajudar a outras pessoas para superarem seus diferentes problemas?”, reitera.

Ainda sobre a questão social, o para-atleta explica que na Guatemala há um grande problema quanto a influência de grupos armados, e que o esporte pode ser uma ferramenta contra o impulsionamento dos jovens à criminalidade. “[O esporte] pode servir como meio educativo. Se para mim, ajudou a superar a deficiência, por que não pode ajudar as outras pessoas a superarem seus diferentes problemas?”, completa.  

O que o esporte já lhe proporcionou?

Dentre as conquistas pessoais, Juan comenta que já teve a felicidade de poder conhecer 14 países graças ao esporte, sendo que até cinco anos atrás nunca havia saído da Guatemala por questões não relacionadas às competições. “Gosto de conhecer diferentes culturas, diferentes pensamentos. [Viajar] ajuda a ver quais coisas podemos fazer melhor na Guatemala”, esclarece.

Juan também fala com muita alegria das amizades que fez no esporte, esse companheirismo que faz durante as competições hoje lhe possibilita ir a outros países e poder até ficar na casa de algum amigo que o esporte colocou em seu caminho. E o contrário também: “sou muito amigo dos mexicanos, recentemente um esteve aqui então são relações muito bonitas e são muito boas amizades por conta do esporte e, como disse, são amigos mas os admiro também porque são campeões do mundo”, comenta sobre seus amigos. Dentre os países que mais gostou de visitar, ele cita a Suíça (onde visitou o COI, Comitê Olímpico Internacional), a Espanha (onde tem raízes) e a Argentina (para onde foi várias vezes devido à pelota basca).

Gestão esportiva na Guatemala

Enquanto gestor esportivo, um dos programas que implementou foi o “Mi Amigo Olímpico”, o qual foi colocado em prática  após contratação pela Academia Olímpica Guatemalteca. Segundo Juan, as academias olímpicas reúnem atletas para aprender sobre o movimento olímpico. “Oos que melhor participam são selecionados para ir à Academia Olímpica Internacional na Grécia. Tive a oportunidade de ir à Grécia e aprender um pouco mais sobre como o esporte pode fazer um mundo melhor e mais pacífico”, conta. Em 2023, devido à suspensão do COI ao Comitê da Guatemala, o projeto está sendo chamado de “Mi Amigo Atleta”, pois questões jurídicas da punição forçam o comitê a evitar o termo “olímpico”.

O programa conta com a iniciativa de atletas voluntários, que frequentam periodicamente algumas escolas no país para falar sobre o esporte, a vivência de um atleta e os Jogos Olímpicos — isso não ocorre no Brasil, por exemplo, que sediou Olimpíadas recentemente e possui maior tradição e recursos do que o país centro-americano. 

Quanto aos programas paralímpicos, Juan explica que também colabora com o “I’m Possible”, um programa que recebe menos investimentos do governo. “A lei obriga um aporte institucional de 3% do PIB a ser destinado para programas esportivos, o que estrutura muito bem o Comitê Olímpico. Mas o Comitê Paralímpico não tem, são só duas pessoas contratadas”. “O ‘I‘m possible’ é um programa educativo do Comitê Paralímpico Internacional, que ensina valores paralímpicos e que pede aos Comitês Paralímpicos Nacionais que os implementem em seus países”, explica.

Embora a Guatemala seja um país pequeno, esses projetos não são tão comuns assim pelo mundo. “Aqui na Guatemala temos bons programas de educação olímpica e paralímpica, que não têm como fim o alto rendimento, mas sim os atletas como bons exemplos a seguir”.

Um ponto importante de ambos os programas é que anualmente, no início de cada ano, ocorre um feedback em conjunto com as mais de cem escolas inscritas sobre o andamento dos programas, o que é importante para que dêem frutos no longo prazo e ajustem possíveis falhas. “Como não são programas obrigatórios, cerca de vinte escolas em todo o país cumprem 100%, mas aquelas que o fazem ficam felizes com os resultados.”

Educação formal

Apesar da bagagem esportiva, o guatemalteco não pensou, de início, em cursar educação física. “Escolhi Engenharia Industrial porque era geral e eu não sabia com o que trabalhar. Depois, fiz uma especialização em Administração de Empresas.” Ele destaca o fato de que, na Guatemala, não é comum que o esporte seja visto como uma possibilidade de carreira.

Depois que ingressou na carreira profissional no esporte, finalmente começou os estudos na área. Ele fez uma especialização em Organizações Esportivas, seguida de uma pós-graduação em Desenvolvimento de Treinadores no Japão e outra em Estudos Olímpicos na Grécia. 

Diferentemente do Brasil, onde é comum que graduados em Educação Física acabem indo trabalhar em outra área, no país da América Central é frequente que pessoas graduadas em diversas áreas cheguem a trabalhar com o esporte sem uma formação de fato na área. “Depois que se está dentro [do esporte], é mais fácil de se trabalhar.”

Além do desejo de disputar os Jogos Paralímpicos de 2024, um dos grandes desejos de Juan está justamente no campo da educação formal. “Gostaria muito de fazer um doutorado no esporte, mas aqui não há tantos, teria que ser algo internacional”, complementa.

Juan na Grécia durante pós-graduação [Foto/Reprodução: Instagram @lavidaenunpie]

Quem é o Juan segundo seus amigos?

Atleta mais velho a vencer uma partida no mundial de pelota basca, o brasileiro Guilherme Karula conheceu Juan nos mundiais que ocorrem a cada quatro anos. Além da relação de amizade, também relembra um episódio curioso, que diz muito sobre a maneira como Juan enxerga a vida e o esporte: “Já aconteceu até de a prótese dele sair no meio do jogo e ele ficar lá só com uma perna”.

Amigo de pelota basca de Juan, o peruano André Bellido também vê seu amigo “Juandi” como um exemplo: “Tive a oportunidade de conhecer de verdade o Juan Diego no Mundial de Biarritz do ano passado, onde ainda tive a alegria de dividir a quadra contra ele em dois jogos. Seu nível de jogo é espetacular. Para mim, Juandi é uma inspiração, já que compete no mais alto nível em um desporto onde todos os seus jogadores se preparam ao máximo e onde cada pequeno detalhe faz uma grande diferença. 

André ainda menciona que pôde conversar com Juan nas eliminatórias para o Pan-Americano de Santiago e como ele se tornou um espelho a ser seguido na vida. “Sua perspectiva sobre limitações é incrível, e ele é um dos melhores. [Juan é] uma das minhas referências em auto aperfeiçoamento e força mental, especificamente especializado no poder da resiliência, que é um dos mais importantes para o nosso esporte e para a vida em geral, para cumprir metas e encarar cada obstáculo como uma oportunidade de crescer”, diz. 

Preparador físico do Central Nacional de Condicionamento Desportivo da Guatemala, o professor José Arana Castillo conta que conheceu Juan Diego em 2019 e que teve a oportunidade de trabalhar com ele por três anos. “Ele como atleta é alguém muito dedicado, responsável, com grandes metas desportivas que conquistou, com constância, esforço e disciplina. Aquilo que ainda não conquistou, tenho certeza de que conquistará”.

Como profissional do esporte, Castillo reforça a dificuldade de ser um atleta profissional. “Muitos vêem só as glórias pela televisão, mas não sabem o esforço diário para se manter em alto nível”. Ele complementa destacando o quanto o trabalho do dia a dia faz com que um preparador físico aprenda mais sobre seus atletas do que o contrário, por exemplo. Larissa Galatti, professora do curso de Ciências do Esporte da Unicamp, conheceu Juan Diego durante um programa de formação de treinadores e treinadoras do COI. O programa em questão teve uma duração de sete anos, e no último foi voltado para a gestão e sobre como impactar sistemas, que foi quando o conheceu. Como mentora do COI nesse programa, Larissa trabalhou diretamente com Juan por um ano e fez um levantamento para concluir que tipo de programa faria a diferença no país. Devido à pandemia, uma intervenção presencial no país centro-americano foi cancelada, mas algumas ações puderam ser implementadas de maneira online. 

Ainda no contexto pandêmico, foi ofertada a disciplina “Esporte vai ao cinema”, na qual professores do curso de Ciências do Esporte faziam debates e aulas expositivas a respeito de filmes cujo tema era o esporte. Isso foi feito para que a carga de disciplinas eletivas de maneira remota fosse suprida. Um dos filmes exibidos foi Rising Phoenix. O longa traz uma reflexão sobre os Jogos Paralímpicos e sobre a superação por meio do esporte. Na aula seguinte à exibição, Larissa convidou Juan Diego para falar sobre sua vivência nas duas áreas, além de comentar um pouco sobre a pelota basca, um esporte desconhecido para os alunos, até então. “Descobri que ele é atleta paralímpico, que joga pelota basca e tem se envolvido com outras modalidades.  Aí foi interessante porque ele é atleta e gestor de um comitê olímpico, transita pelos dois em papéis diferentes”, explica Larissa.

Guatemalteco Ilustre

Por toda sua contribuição como gestor, por sua carreira acadêmica no esporte e por todas as inúmeras conquistas como atleta em múltiplas modalidades, Juan Diego recebeu, no ano de 2017, a premiação de Guatemalteco Ilustre na categoria esportiva. Nascido da vontade de passar uma mensagem positiva e de mostrar que existem pessoas de destaque na Guatemala, o prêmio reconhece uma personalidade de cinco áreas diferentes a cada ano (social, artística, empresarial, esportiva e científica). A princípio, a premiação brindava àqueles que haviam obtido destaque na Olimpíada Nacional de Ciências, mas desde 2013 premia diversas áreas do conhecimento e tem caráter nacional na Guatemala.

Juan Diego por Juan Diego

O entrevistado do Arquibancada disse, em tom de descontração, que a pergunta a respeito de si mesmo tinha sido a mais difícil. ““É uma pessoa que busca motivar outras pessoas a desenvolver suas habilidades para superar qualquer problema, seja pessoal, seja que existe na sociedade, por meio do esporte.”

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